Arquivo para janeiro, 2013
Um bom amigo
Nada tão agradável como encontrar alguém a quem não se vê há anos e ouvir: nossa, você não mudou, está igualzinho, poxa, o tempo não passou para você. Claro que há exagero nisso, bondade da pessoa que diz. Mas agrada, afaga o ego, disfarça a impressão que temos de nós mesmos a toda manhã, diante do espelho. Vida é ilusão, repetia um conhecido que sempre teve alguma dificuldade em aceitar a realidade.
Há quem tenha “olho bom” e quem não o tenha. Pessoas de “olho bom” em geral estão de bem com a vida e tendem a um olhar mais benigno sobre as mazelas diárias. Entendem melhor o próximo e são capazes de aceitar o “outro” com as suas imperfeições. Casais formados por pessoas desse gênero mantêm seus laços durante toda a vida, superando juntos desacertos e dificuldades. A vida não é simples, mas pode-se bem moldá-la aparando-se arestas e buscando pelo menos um pouco de felicidade.
Essa pessoa com quem me encontrei pertence ao time da turma do “olho bom”. Foi ele meu colega de colégio e sou-lhe grato por ter me livrado de situação difícil naquela época. Aconteceu passar a frequentar aulas em nossa turma da 3ª série do Ensino Médio um cara que acabara de servir ao exército. Rapazote como nós, tinha físico desenvolvido, bem preparado nos treinamentos ao tempo da farda. Pois certo dia esse cara achou de me provocar, intencionalmente claro. Por sim ou por não, ainda que eu não respondesse, avisou-me ele que me esperaria na saída das aulas para acertarmos as nossas diferenças. Quais diferenças seriam essas até hoje não sei.
Bem, o que se seguiria não passaria de um massacre. Eu bem menor e sem preparo físico para uma luta ia apanhar bastante e pronto. Convencido de que a desgraça iminente aconteceria dei-me ao luxo de ignorá-la. Ao final das aulas saí tranquilamente, no fundo esperando que o tal sujeito tivesse mudado de ideia. Mas, não! Mal pisei fora da escola e lá estava o soldado em posição de luta. Ao redor dele uma turba de alunos, público aflito para que começasse a briga.
Confesso que ao perceber a situação real em que me encontrava e ter a certeza de que não tinha a menor chance no embate passou-me pela cabeça correr. Entretanto, a covardia nunca fez parte dos meus graves defeitos daí que me perguntei se acaso eu não conseguiria pelo menos acertar uns petelecos no gigante.
Creio que o punho do meu adversário já se aproximava do meu rosto quando um braço igualmente forte o conteve. Era o meu amigo que desafiou o meu adversário a brigar com ele porque seria covardia bater em alguém menor e sem preparo. Ao que o tal que tanto se gabava acovardou-se. Rabo entre as pernas, praticamente não disse nada, virou-se e partiu nunca mais se dirigindo a mim no período em que frequentamos a escola.
Encontrar-me por acaso com esse amigo, o homem de “olho bom”, fez-me lembrar do episódio escolar que relatei a ele. Quando terminei ele sorriu. Confessou-me que também ele teria dificuldades caso a briga dele com o outro tivesse acontecido. Em todo caso não poderia, naquela ocasião, se omitir a defender um amigo em situação tão delicada.
Despedimo-nos com um forte abraço e voltei para casa pensando que, afinal, existe muita gente boa nesse louco mundo.
O pai do Gabrielzinho
O Gabriel era meu colega no terceiro ano do curso primário. Moleque pequeno e de boa índole era chamado de Gabrielzinho. Brincávamos depois da escola até que a mãe dele aparecia para chamá-lo à casa. Era uma vida simples, repetitiva, mas alegre, moldada ao gosto de crianças que se divertiam com quase nada de brinquedos. Bolas de gude e estilingues eram as “armas” da patota.
Certa manhã apareceu no Largo de São Benedito um homem que fora arrastado pelo cavalo. Morrera no caminho, pé preso ao estribo. O cavalo fizera a parte dele, voltando e trazendo o dono para casa.
O homem ensanguentado e de corpo ralado ficou no largo durante algum tempo. Corri para lá logo que soube do acontecido e finquei os olhos no cavalo o qual, então, me pareceu do outro mundo ligado que estava a uma tragédia.
O homem ralado e ensanguentado, também morto, era o pai do Gabrielzinho. Depois se soube que ele bebera muito no Bar do Gato, tanto que não se equilibrara sobre o cavalo. Olhe que antes de fechar o Gato oferecera pouso a ele que, embriagado, recusara.
Não era da sorte do homem dormir na casa do Gato, nem era o caso de não cair e morrer enquanto arrastado pelo cavalo. Talvez por isso, questão de sorte, tenha morrido, assim falaram as mulheres durante o velório.
No fim do ano a mãe do Gabrielzinho mudou-se. Foi viver perto da gente dela, a viúva, num lugarejo próximo. Mas, nunca mais vi o Gabrielzinho. Dele restou-me essa história curta que já contei tantas vezes, cada uma delas de um jeito, mas sempre em torno da tragédia da morte do pai.
Talvez eu sempre repita a história porque me parece que o cavalo continue a fazer o mesmo percurso a cada noite. O Gato fecha o bar, o homem se recusa a dormir na casa do Gato, o cavalo arrasta o bêbado que chega de manhã ao Largo de São Benedito, ralado, ensanguentado e morto.
Talvez só eu me lembre dessa história e também por isso tenha recebido a missão de conta-la a cada vez que me lembro do cavalo avançando nas sombras, arrastando o cadáver até o largo de São Benedito.
Os novos bárbaros
Minha avó lia diariamente o jornal “Última Hora” do Samuel Wainer. O jornal era o que era, tivera o patrocínio de Getúlio e esmerava-se no sensacionalismo. Dizia-se que caso se espremesse o jornal escorreria sangue de suas páginas. As letras garrafais da primeira página noticiavam crimes terríveis. E isso num mundo que, comparado ao de hoje, poderia ser considerado como muito tranquilo. Andava-se pelas ruas à noite sem grandes riscos, mesmo nas capitais. Nas cidades do interior raramente ocorriam crimes de monta. O fato é que a minha avó vivia numa calma e muito segura cidade do interior, mas entendia os perigos do mundo conforme noticiados pela “Última Hora”. Dai que quando saíamos à rua ela nos prevenia sobre os perigos de uma violência que, na verdade, inexistia.
Passados sessenta anos a situação é bem outra, como se sabe. Insegurança é palavra corriqueira e noticiais sobre a criminalidade brotam de todo lado. Acostumados a tal situação resta-nos torcer para que algo de mau não nos aconteça. Entretanto, ficamos a mercê da sorte porque ninguém está livre de vir a ser surpreendido por ações da bandidagem.
O assunto é tão falado que se tem a impressão de que nada mais há a se acrescentar sobre ele. Entretanto, não há como ignorar acontecimentos que chegam até nós e escandalizam, entre eles a crescente audácia da bandidagem. Os criminosos de hoje mais se parecem a personagens ficcionais, automatizados que são em práticas repetitivas, audaciosas e perigosas. A vida parece nada valer para o criminoso que se dispõe a matar ou morrer por quase nada. A morte faz parte do ofício e isso é tudo. De modo que assassinar alguém não passa de ato de rotina. Trata-se de um jogo de computador onde quem está à frente deve ser eliminado sem que isso custe nada à consciência.
No fim de semana dois crimes chamaram a atenção embora não muito diferentes de outros até piores. O primeiro aconteceu no Rodoanel em plena luz do dia: bandidos pararam o trânsito da estrada, obrigaram pessoas a deitaram-se na pista e roubaram os carros parados no congestionamento que se formou. Simples assim. Debaixo do sol. Sem consequências para eles que levaram o que quiseram. O outro crime ocorreu num congestionamento durante a viagem de retorno à capital. Um empresário, de 29 anos, dirigia o seu carro e pediu informações a um homem que, na ocasião, se mostrou nervoso. Minutos depois o nervoso voltou ao carro do empresário, acompanhado de uma moça de 15 anos, e anunciou o assalto. O empresário quis dialogar e a moça atirou em seu peito, matando-o. Simples assim. No carro a mulher do empresário e dois filhos que nada sofreram. O bandido e a moça desapareceram. Na maior.
Por mais que estejamos habituados a notícias desse tipo elas ainda nos causam estranhamento porque envolvem crise em relação a tudo que acreditamos e temos como correto. A criminalidade crescente e o desapego total à vida não condizem com o que entendemos como humano. No mundo globalizado onde a tecnologia se desenvolve com grande rapidez observa-se o avanço da barbárie. Não se trata de avanço surdo: os novos bárbaros formam uma nação que não compreendemos bem, são movidos por outras regras e existe o perigo de que cresçam cada vez mais diante de uma sociedade atônita que não sabe como lidar com eles ou resolver a situação.
Ouvindo música
Conheço gente para quem qualquer ruído é um problema. O apito de aviso a pedestres no portão de saída para carros, no prédio, é um tormento. Briga-se em reunião de condomínio porque a vizinha do apartamento de cima teima em usar salto alto e o toc-toc é insuportável.
Há pessoas que detestam música, não importa o gênero. Som ligado é um inferno. Verdade que às vezes a turma exagera no volume. Quando o Moraes Moreira ainda não era o Moraes Moreira, fui ao Teatro Municipal, em São Paulo, assistir a uma apresentação de novos músicos baianos. Éramos, ao todo, umas trinta pessoas na plateia. Aí entrou o então Moraes Moreira no palco com um som de trio elétrico que fez tremer as paredes do teatro. Aguentei durante algum tempo e depois saí. Não sei se quem estava lá resistiu até o fim. Quando? Acho que eram os anos setenta, se bem me lembro.
Não vivo sem música. Não tive formação em música clássica de modo que não sou muito ligado às obras dos grandes mestres. Adoro Mozart, mas fico quase só nele. No mais ouço - o tempo todo disponível - jazz e MPB. Cresci ouvindo jazz. Naqueles ermos só existiam por aqui discos importados, comprados nas boas casas do ramo. LPs. Capas maravilhosas, discos grandes, estonteantemente mais belos que a simplicidade dos atuais CDs. Nada de MP3 e das rádios pelas quais se ouve, hoje em dia, qualquer tipo de música, via internet. Naquele mundo a variedade era pequena, amávamos e cuidávamos de nossos discos. Lembram-se dos toca-discos Garrard e da dificuldade de substituição de agulhas que reproduzissem o som com fidelidade? Depois vieram muitas outras marcas e hoje se sabe que o som dos LPs é muito mais puro que o dos CDs.
Foi através de LPs que ouvi pela primeira vez o Take Five do Dave Brubeck que morreu dias atrás. Através deles conheçi a música de Thelonius Monk, do Modern Jazz Quartet, de Stan Getz, Gerry Mulligan, Oscar Peterson, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, isso para citar uns poucos grandes nomes do jazz.
Tive a sorte de assistir ao vivo apresentações de muitos dos grandes músicos do jazz. Houve tempo em que vinham ao Brasil, patrocinados pelo governo norte-americano, ou em excursões. Mais tarde pude ir aos EUA e assistir a apresentações de músicos nas tradicionais casas de jazz como o Village Vanguard e o Blue Note, em New York.
Quanto à MPB também tive a sorte de assistir ao nascimento da Bossa Nova, ouvindo grandes sucessos que hoje se repetem no momento em que surgiram. Aquele “Chega de saudade” do João Gilberto, com a música do Jobim, outro dia li que o LP original tornou-se raridade.
Escrevo sobre isso talvez porque ainda não tenha me habituado com a facilidade de se ouvir música hoje em dia. Basta ligar um tablet, conectado à internet, a um amplificador e caixas de som para acessar centenas de rádios que reproduzem todos os gêneros musicais. É bom, na verdade ótimo. Mas, de vez em quando, me dá alguma saudade daquele privilégio de ter um equipamento de som em casa, de chegar da rua com um LP debaixo do braço e colocá-lo no pick-up para ouvir solos de meu músico preferido. Mas, o tempo não volta. Essas coisas pertencem a uma época desfeita e o jeito é avançar as gravações de MP3, ouvindo-as no som do carro.
A autossuficiência de petróleo
Há muitos anos comprei um carro a álcool porque a notícia era a de que o novo combustível seria mais vantajoso que a gasolina. A história de tentativas de substituição da gasolina pelo álcool tinha passado nebuloso desde a formação da PAULIPETRO durante o governo de Maluf (1979-1982) no Estado de São Paulo. Ainda assim topei e entrei na parada. O carro era um FIAT e o meu maior problema era ligá-lo em manhãs muito frias. Quem teve carros desse tipo sabe muito bem sobre o que estou falando.
O que sempre fica no ar para o consumidor são os rumos da política energética adotada no país. Há algum tempo tivemos um momento de ufanismo com o então presidente Lula apregoando aos quatro ventos a autossuficiência do país em petróleo. Logicamente, na ocasião, pensamos o que havia para ser pensado: finalmente, estamos livres da brutal importação de petróleo, há, sim, o que comemorar diante de conquista tão importante e grandiosa. Afinal, o país vai saindo da condição de dependência que sempre nos sufocou. Assim entendemos a notícia sobre a autossuficiência.
Entretanto, as coisas não se passaram conforme o esperado. A dança não obedeceu ao ritmo da música. Informe divulgado pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento mostra que, até novembro de 2012, o déficit comercial provocado pelo aumento da importação de petróleo e derivados atingiu US$ 9,8 bilhões. Trata-se do maior déficit entre os verificados nos últimos 17 anos. E o déficit deve amentar significativamente em 2013.
Combustíveis subsidiados e aumento do consumo estão entre as causas do déficit. Mais que isso, má política adotada pelo governo no setor energético. Na tela a esperança de que a exploração do pré-sal venha a resolver o problema. Como sempre as riquezas naturais do país são a promessa de salvação da lavoura.
2013 começa com ares sonolentos de história conhecida e erros repetidos para os quais, pelo menos aparentemente, não existem soluções a vista. Sonha-se como crescimento da economia, melhora do PIB, grandes investimentos, etc.
Como se passará o novo ano? Os brasileiros, preocupados, se perguntam e querem saber.
Um novo ano
Caso se dê ouvidos ao que dizem os entendidos em economia o ano de 2013 será difícil. Há pouco tempo a revista “The Economist” sugeriu que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fosse afastado do cargo por má gerência na política econômica do país. A presidente Dilma Roussef saiu imediatamente em defesa do ministro, dizendo que o governo não toma medidas baseado em opiniões externas. Fica a pergunta: e quanto às opiniões internas, o governo as ouve?
Acontece que há quem queira baixar os juros ainda mais desvalorizar o real em relação ao dólar, situando o real no patamar de R$ 2,40. Trata-se, segundo economistas, de medida de alto risco dada a ligação dos preços de produtos internos ao valor do dólar. Mais: medida dessa natureza resultaria em subida da inflação.
Mas, a presidente continua a receber espantosa aprovação popular. A aprovação ao governo não foi abalada pelo “pibinho” de 1%, nem pelos escândalos que envolvem o PT. O ex-presidente Lula cada vez mais vai deixando para trás a imagem de probidade, acusado que é de ligações com os casos de corrupção durante o seu governo. Entretanto, ele assume uma postura interessante do tipo “não é comigo”. Não adianta a mídia bater na tecla de que qualquer pessoa pública acusada deve pelo menos uma explicação, uma resposta que seja ao país. Lula apenas ignora. Sabe que tem em mãos um eleitorado fiel o qual não parece nem um pouco interessado nessas acusações “da elite”. Dá a impressão de que o ex-presidente, por conhecer a sua força, pouco se importa com a opinião daqueles que o criticam. Mas, o falatório continua.
Pelo que é lícito se perguntar com que barco, afinal, estamos navegando, mais que isso se no rumo certo. A presidente exige um PIB de pelo menos 4%, mas ninguém acredita que isso venha a ser possível. Fala-se em atrair investimentos, mas a política do governo, o intervencionismo, espanta os grandes investidores.
No início de 2013 o futuro é uma incógnita. Acredita-se no que o governo diz ou nos avisos dos críticos de que é preciso mudar a linha econômica e depressa?
Ontem, assisti à queima de fogos da passagem de ano. Na praia as coisas se passaram do mesmo modo que em anos passados. Mas, não houve aquele estardalhaço nas casas, a queima de fogos adicional que acontece todos os anos. Um foguete aqui, outro ali, bem menos do que de costume. Talvez as pessoas não estejam tão animadas.