Arquivo para junho, 2013
Latrocínios
Não adianta a gente não se conforma. Veja-se o caso da família boliviana que mora na região de São Mateus, zona leste de São Paulo. A casa deles foi invadida por seis bandidos, cinco deles encapuzados. Uma criança de cinco anos chorava no colo da mãe implorando aos bandidos que não a matassem. A família deu aos bandidos R$ 4500,00, esperando assim resolver o problema. Um dos bandidos achou pouco e, irritado com o choro da criança, deu um tiro na cabeça dela.
A criança foi levada a um hospital, mas não resistiu.
A foto dos pais junto de um tio da criança é devastadora. Pessoas simples atingidas por ato desumano, absurdo, incompreensível. Por que nós?
Noticia-se que o número de latrocínios aumentou neste ano em São Paulo.
Passei do tempo de sair às ruas para protestar. Caso saísse levaria um cartaz, implorando por segurança, segurança e mais segurança.
In a sentimental mood
Você já não gosta de trilhas românticas porque deixou de ser romântico. Treze mil acontecimentos - ou muito, muito mais – acumularam-se na sua memória, atropelando-se, gritando que o mundo nada tem de romântico, o romantismo é e sempre foi uma farsa criada por mãos habilidosas para envolver pessoas, dar a elas a esperança do impossível.
De repente chove e na noite só o ruído surdo de gotas metódicas batendo, mansas, introspectivas, falidas, socando o telhado. Sobre a mesa um copo com vinho, o braço estendido, rogando por um nada de força para chegar ao copo e matar a sede inconsolável da garganta seca.
Então - esforço supremo - você levanta e se arrasta até o som, esgrimindo o dedo no espaço até alcançar o power. A partir daí tudo muda com esse piano que busca domar a beleza incontrolável de “In a sentimental mood”.
Pela sua cabeça passam as imagens de Duke Ellington a quem você só viu em fotografias. Ellington está morto, mas deixou para você essa música que faz seu peito buscar freneticamente o ar, enchendo-se de súbita coragem para seguir em frente.
De volta à mesa você finalmente pega o copo e toma um grande gole de vinho. Então a vida parece ter algum sentido e você sabe que está preso, só restando se confessar ao silêncio da noite, dizendo-se um irremediável romântico.
Leituras digitais
Quando eu era menino o seu Brás me dava tirinhas do Mutt e Jeff que ele destacava do jornal “Correio da Manhã”. Habituado à leitura das tiras eu passava diante do centro telefônico onde o seu Brás cuidava das ligações interurbanas pedidas a ele pelas pessoas. Os mais novos não podem imaginar como era complicado conseguir uma ligação telefônica de uma cidade para outra. Você pedia a ligação para o(a) telefonista e ficava perto do telefone até que a linha ficasse livre e o(a) telefonista o chamasse, avisando que a ligação fora completada. O tempo entre pedir uma ligação e completá-la variava, em certos dias podia-se esperar até por algumas horas. Hoje o celular e a internet permitem comunicação instantânea. O fato é que continuo achando incrível falar com pessoas em qualquer parte do mundo, em tempo real, através do Skype. Estranhamento de gente antiga, mas que fazer?
O seu Brás morreu há muito tempo e o “Correio da Manhã”, grande jornal do Rio fundado pelo Edmundo Bittencourt também já não existe. Ficou-me o hábito de ler textos impressos em papel, sentir o peso dos livros nas mãos para fruir melhor a leitura.
De repente, assim como aconteceu ao telefone, também os textos passaram a ser lidos digitalmente. Jornais publicam seus textos na internet e você pode se tornar um assinante digital. É possível entrar no site do NYT e saber na hora o que se passa nos EUA. E não só os jornais: os tais e-books são aparelhinhos que servem à leitura de livros digitais de modo que se troca o volume de papel por arquivos de computador disponíveis a qualquer hora e em qualquer lugar, a vontade do leitor.
Tenho resistido à mudança do papel para o digital. Entretanto, há cerca de um mês, tornei-me assinante do “Estadão Digital”. Você recebe uma senha e pode acessar não só o jornal do dia como todo o arquivo digital do jornal. Aos sábados e domingos além do digital, você recebe em sua casa os mesmos jornais, mas impressos em papel.
Eis que vou me descobrindo leitor assíduo do jornal digital, preferindo-o ao impresso. Você pode achar isso uma coisa muito natural, mas para mim não é não. De certo modo me sinto traindo a confiança daquele monte de livros que esperam pela minha atenção nas estantes da minha casa. Eles estiveram comigo a vida inteira e agora me vejo obrigado a confessar que, talvez, não seja má ideia partir para um e-book. E não é que tempos atrás reli o “Retrato do Brasil”, do Paulo Prado, na telinha de um Ipad?
Edmundo Bittencourt fundou o “Correio da Manhã” em 1901. As críticas de Bittencourt ao senador Pinheiro Machado valeram a ele um duelo com o senador. O “Correio” tornou-se adversário e crítico do governo militar no Brasil e acabou sendo fechado na final da década de 1960. Hoje em dia pode-se ter acesso ao jornal através do site do Arquivo do Estado de São Paulo.
O seu Brás lia as edições do “Correio” um ou dois dias depois de sua publicação. O atraso devia-se á dificuldade do jornal chegar à casa dele, enviado que era pelo correio do Rio ao interior de São Paulo.
Pausa no domingo
Estão dizendo que o futebol não é o ópio do povo como acreditávamos. Nem a Copa das Confederações tem servido para acalmar a marcha de protestos que continuam a acontecer.
O Brasil vai jogar com o Uruguai na quarta-feira em Belo Horizonte. Jogo importante porque é a semifinal da Copa das Confederações. Acontece que a polícia mineira dá como certo o confronto entre manifestantes e policiais nas imediações do Mineirão. O comandante geral da corporação policial fala em “confronto contundente” o qual ele tem como certo de ocorrer.
O poeta Ferreira Gullar disse que nunca viu algo semelhante acontecer no Brasil. Sociólogos gastam neurônios e muita tinta elaborando hipóteses sobre o futuro das manifestações. Tenta-se explicar como foi possível a massa que protesta ter sido acordada de um longo sono de conformismo.
Dizem que brasileiro não gosta de encrenca, as principais atrações do país são o futebol, samba e cerveja. Isso para não incluir na lista as mulher es -por respeito a elas, aliás. Pois o brasileiro parece ter mudado e o governo não tem ideia do que fazer em relação a esse fato.
Vi crianças na faixa dos 12 anos de idade querendo saber o que é essa tal de PEC37. Conversa-se por aí sobre a tal de “Cura Gay” e o assunto rende todo tipo de palpites. A turma quer o “Passe Livre” no transporte público e já se nota preocupação das autoridades ameaçadas de capitular ante mais essa exigência. Os médicos protestam contra a importação de milhares de profissionais estrangeiros, lembrando que o problema da saúde nada tem a ver com o número de médicos, mas sim com a falta de condições para trabalho. E por aí vai, cada tribo com suas exigências.
Pois digo que também nunca vi nada igual durante as seis décadas em que ando por esse Brasil. Olhe que pensava já ter visto um pouco de quase tudo, mas sobre o que está acontecendo confesso a minha total ignorância.
Acontece que não dá para ficar isento. Veja bem: pessoas mais velhas já tinham perdido a esperança de ver o país numa trilha melhor, sem corrupção, trabalhando-se para o bem comum. Agora essa gente toda na rua nos faz perguntar se talvez as coisas não possam mesmo mudar.
Portanto, palmas para as redes sociais que finalmente deixaram de ser meio para troca de baboseiras entre pessoas. As redes permitem o tráfego paralelo de informações entre pessoas livres de pressões externas. Combina-se e saem às ruas os manifestantes.
Nos meus tempos de criança era o sino da minha aldeia que alertava o povo sobre algo que aconteceria. Hoje os sinos já não precisam dobrar, basta que alguém convoque a multidão para que a loucura coletiva comece.
Sensação de insegurança
Dessa vez o temor é pelo desconhecido. Vive-se aqui sob efeito de sobressaltos dada a prática desabusada da criminalidade. Programas de TV exploram diariamente o filão do crime, cada vez mais mostrando na telinha a audácia dos criminosos e seus atos hediondos. Crime e divulgação de atos criminosos geram um clima de medo ao qual estamos, infelizmente, habituados.
De repente deixamos de lado o flagelo do crime e olhamos pelas janelas procurando ver o que não se mostra. Mas, o que é mesmo que não se mostra? Ninguém sabe. Trata-se de um monstro em evolução, da perda de respeito coletivo pelas autoridades que têm se mostrado incompetentes e tantas vezes surda aos apelos coletivos. Teimaram tanto na prática de manobras escusas, tomando-se por personalidades acima de qualquer suspeita. Desse modo acordaram o monstro que é a alma popular, capaz de trazer às ruas legiões de descontentes que a cada dia ganham novos adeptos e seguidores.
Eis aí um momento no qual é preciso ter na gerência do país gente de verdade, líderes capazes de transferir segurança e tranquilidade ao povo. Mas, o que se vê é desfile de governantes atônitos, incapazes de assumir uma posição que acalme os ânimos.
De fato fica difícil, senão impossível, dar uma resposta clara e objetiva aos que protestam nas ruas. Se paga o preço devido por ações que tiveram sempre péssima repercussão, pelos discursos ufanistas não condizentes com a realidade, por péssima condução da política econômica, pelos inacreditáveis serviços públicos, enfim por se desprezar a possibilidade de levante popular.
Há que se elogiar a escalada de protestos que talvez contribuam para devolver a dignidade à atividade política no país. Há que se lamentar o vandalismo praticado por aproveitadores que se misturam aos que protestam. Mas, há que se perguntar no que isso vai dar porque já não se ignora a insegurança diante de situação indefinida que parece não ter data marcada para findar.
Conclusões sobre o movimento das ruas
Fervem na mídia as tentativas de interpretar o que está acontecendo. De repente, massas humanas saíram às ruas, a princípio por conta do aumento das tarifas de ônibus urbanos. Nos dias seguintes a multidão avolumou-se, os protestos se espalharam por outras cidades e agora paira uma enorme interrogação sobre no que tudo isso vai dar.
Não se discute que os protestos há muito superaram a razão inicial que os provocaram. Saem às ruas os brasileiros que trazem em suas almas muitas revoltas represadas. O desgaste da classe política, a cara-de-pau dos governos, a Justiça que falha, a impunidade, a violência desmedida, os péssimos serviços públicos, o horror da saúde pública, o descaso com a educação, a política econômica que teimosamente é mantida apesar de tantas advertências: trata-se de uma bem montada sopa de males recalcados na alma popular que subitamente encontra válvula de escape e emerge para o asfalto, ganhando mais força a cada dia que passa.
Mas, ainda assim não se explica como um povo arredio a protestos deixa-se, apaixonadamente, envolver por um movimento que ninguém sabe no que vai dar, nem mesmo conseguindo explicar-se com lógica a sequência alarmante de fatos que parecem não ter data marcada para alcançarem um termo. Mesmo a redução das tarifas anunciada ontem - capitulação do governo - parece não ser suficiente para que novos protestos aconteçam.
Imagino o que se passa no meio da classe política, por um lado temerosa, por outro procurando saídas para tirar proveito da situação. Interessante como muda a tônica dos discursos das autoridades, de início desfavoráveis, agora favoráveis ao que chamam de liberdade democrática de expressão. Curiosa a divisão entre os que protestam nas ruas, separando-se dos interessados em demonstrar sua insatisfação a bandidagem que se intromete na massa humana para atos de vandalismo e prática de crimes.
A verdade sobre as conclusões em relação ao movimento das ruas é que não existem conclusões. Já foi dito que ninguém sabe explicar o que está acontecendo nem no que tudo isso vai dar.
De tudo o que acontece me ocorre perguntar como teria sido o período de ditadura militar no Brasil, caso naquela época houvesse a internet e redes sociais. Hoje em dia as manifestações são marcadas através de redes da internet das quais todo mundo faz parte. Tornou-se muito simples e de fácil acesso organizar uma passeata, convocando milhares de pessoas a se reunirem num determinado lugar, à hora marcada.
Se bem me recordo houve nos tempos de Collor um domingo no qual as pessoas foram chamadas a protestar contra o governo, colocando um pano escuro nas janelas de suas residências. Foi o luto de Collor que poucos dias depois se viu obrigado a renunciar.
No Brasil as coisas costumam acontecer de modo imprevisto, mas com consequências nem sempre boas. Seria bom se as autoridades deixassem de lado os pronunciamentos de efeito e fizessem um bom exame de consciência sobre as suas ações políticas. Se conclusões definitivas não se podem tirar do que está acontecendo isso não representa que o governo não deva enxergar no meio da névoa a luz vermelha piscando, sinalizando perigo.
Mesmo que a turba se acalme e as pessoas voltem para as suas casas, encerrando as manifestações, qualquer um pode ver que um primeiro aviso foi dado, claramente dado. É preciso atenção a esse aviso se não se quer que a insatisfação cresça ainda mais, chegando ao ponto no qual se torne muito difícil, senão impossível, repor as coisas em seus devidos lugares.
A metamorfose
Talvez seja essa a quinta ou sexta vez em que reli “A metamorfose” de Franz Kafka. Sempre por acaso, estranha compulsão, respeitados intervalos indefinidos de anos. Acontece naquelas ocasiões em que se perambula entre os livros na estante e, de repente, um deles parece vir ao nosso encontro, ato mágico, inexplicável, necessidade urgente de comunhão de impressões, como se estivesse ao alcance das mãos um segredo que no caso de “A Metamorfose” nunca será totalmente revelado.
Gregório Samsa acorda em certa manhã e descobre que se transformou num monstruoso inseto. Eis aí a porta de entrada para o mundo fantástico que se introduz de modo absoluto e inusual. Ao pobre leitor cabe aceitar ou não a situação de Gregório. Caso entenda a primeira frase como absurda nada lhe restará senão abandonar o livro. Em caso contrário seguirá adiante, participando da lenta agonia de Gregório - inexplicavelmente transformado num inseto - e na situação vivida pelos pais e irmã de Gregório diante de acontecimento tão inusitado.
Em “A Metamorfose” Kafka conduz o leitor a um labirinto sem saída, cada vez mais interiorizado em Gregório, recluso em seu quarto e refém de um corpo de inseto. A cada página adensa-se o horror da situação de um homem alijado de sua condição humana, mas mantendo intacta a sua capacidade de raciocinar. Gregório sofre como o último dos seres sobre a Terra, asqueroso até mesmo para a sua família que não sabe como livrar-se dele. Kafka dirige o leitor dentro dessa prisão absoluta de um homem incapaz de se livrar da fatalidade que o vitimou. Participa-nos o grande escritor da grande miséria da condição humana que nada pode fazer quando algo maior interrompe a racionalidade daquilo a que se está habituado ou se conhece. Gregório Samsa não pode fugir da prisão que o esqueleto externo de inseto e as finas patas a ele proporcionam. Não pode sair de seu quarto no qual a sujeira se acumula; com o tempo já não consegue até mesmo comer os restos de alimentos que a irmã ou a empregada deixam no chão do quarto. Seu mundo se desfaz, lentamente, horrivelmente.
Como afirmei reli o livro de Kafka algumas vezes. Posso dizer que a cada vez vi crescer o meu estranhamento em relação ao caso de Gregório Samsa. Trata-se de um horror inaceitável que nos leva a refletir sobre a precariedade de nossas vidas e a validade daquilo em que acreditamos. Não importa que se conheça cada passo da trajetória de Gregório Samsa, nem mesmo o fim que a ele está reservado: a cada vez lê-se o texto de Kafka com a surpresa de uma primeira leitura, descobrindo-se novas nuances em sua narrativa.
Mas, o mundo não para ainda que um dos humanos seja colhido por uma tragédia. Talvez por isso ao ser resolvida a situação de Gregório Samsa os pais e a irmã tirem um dia de folga para passear. Há que se continuar no mundo, atuando em acordo com as regras do jogo, deixando para trás memórias desagradáveis porque a vida continua e a ilusão de sermos eternos nos dá força para seguir em frente.
Comboios na Imigrantes
Moradores da Baixada Santista convivem com sérios problemas de descolamento quando precisam fazer uso das rodovias da região. Não bastassem os grandes congestionamentos provocados por excesso de veículos por ocasião de feriados e as tremendas situações provocadas pelo trânsito desordenado de caminhões em direção ao porto de Santos, ficam os moradores da região expostos à inabilidade de gerenciamento dos responsáveis pelas estradas por ocasião de situações de neblina e chuvas.
Louvem-se os cuidados que visam à segurança dos viajantes, evitando-se acidentes graves como o ocorrido no ano passado no qual se envolveram mais de uma centena de veículos. Destaque-se o real perigo proporcionado pelas neblinas densas que se abatem nos trechos da serra, prejudicando a visibilidade dos condutores de veículos. A isso se acrescente o modo afoito como alguns motoristas dirigem mesmo em condições adversas, colocando em perigo não somente a si próprios, mas os ocupantes de outros veículos.
Ainda assim, pondere-se sobre o bom-senso necessário à adoção de medidas por parte dos responsáveis pelo trânsito nas rodovias Anchieta e Imigrantes. No último domingo, 16 de junho, na rodovia dos Imigrantes, colocou-se em prática o sistema de comboio em razão da neblina. Os veículos que se dirigiam ao litoral eram represados no pedágio e, a cada meia hora, liberados para descer a serra.
Cheguei ao pedágio ás 18h40 e aguardei a liberação que ocorreu minutos depois das 19h. Até aí, dentro do previsto. Entretanto, a bem da verdade, a neblina naquele momento era fraca não prejudicando a visibilidade. O número de veículos não era grande e aguardava-se que o trânsito fluísse normalmente após a liberação. Entretanto, aconteceu que o veículo dos responsáveis pela liberação parou pouco depois dos primeiros movimentos. Depois de algum tempo o trânsito foi liberado, mas na velocidade permitida pelo veículo dos responsáveis que se manteve a frente do bloco de carros até quase o final do último túnel, situado perto de Cubatão.
A situação seria aceitável se houvesse neblina. Ocorre que logo depois da saída do pedágio abriu-se uma noite limpa e na qual a visibilidade era perfeita. A isso se acresça que dentro dos longos túneis obviamente não existiria neblina.
Assim, trafegamos pela Imigrantes numa velocidade media de 40 km por hora, havendo paradas ocasionais simplesmente inexplicáveis. Eis aí uma situação na qual a irritação dos motoristas é inevitável de modo que as buzinas soaram ininterruptamente, inclusive dentro dos túneis o que não é recomendado. Pior que isso foi a velocidade adotada por muitos motoristas quando o trânsito foi finalmente liberado, alguns deles conduzindo seus veículos de modo inadequado, fato muito perigoso.
Comentei o acontecido com um amigo que isentou de culpa o funcionário que segurava o trânsito, dizendo que ele apenas seguia ordens.
Quem vive na Baixada Santista em inúmeras ocasiões vê-se isolado do restante do mundo. Já me aconteceu ter que ir a São Paulo num primeiro de janeiro e permanecer horas na estrada. E dizer que tinha pressa em chegar a um hospital onde parente muito próximo acabara de ser internado em estado grave.
Confusão global
Você lê que as eleições no Irã se realizaram e se pergunta se, afinal, existe algum tipo de saída para o país dos aiatolás. Vem à memória o xá Reza Pahlavi que parecia tão indestrutível ao lado da bela Soraya. E deu no que deu, o xá/ditador destituído de seu orgulho e poder, representando o fim de uma era para os iranianos que até hoje buscam o seu caminho.
Você fica sabendo que os EUA - melhor dizendo o governo os EUA - monitora as ligações telefônicas dentro e fora de seu país. Protesta-se contra a invasão da privacidade individual, mas o presidente Obama vem a público para perguntar o quê, afinal, querem os cidadãos se a segurança do país depende de ameaças terroristas.
No Brasil o povo sai às ruas para protestar contra o aumento das tarifas dos ônibus urbanos e o protesto se transforma numa verdadeira guerra entre manifestantes e a polícia. O governo de São Paulo declara que não vai tolerar o vandalismo, a Anistia Internacional revela-se preocupada com a repressão e as coisas seguem indefinidas.
A crise europeia segue de vento em popa e agora o FMI admite que pegou pesado demais com a Grécia. Os gregos vivem talvez o pior momento de sua história e não existe solução imediata ou mediata para a recuperação do país. Países europeus como a Espanha estão em situação econômica complexa e em Madri a cada dia famílias são obrigadas a deixar as suas casas por não poderem pagar financiamentos ou aluguéis.
Eu poderia passar o dia inteiro citando situações aberrantes que na verdade já não nos impressionam tanto dado que nos habituamos ao mundo do jeito como ele está. A Terra já não é a mesma, as regras estabelecidas não parecem suficientes para que se tomem decisões acertadas e as minorias que têm nas mãos o poder de decidir simplesmente não sabem o que fazer.
O capitalismo e globalização contribuíram para o estabelecimento de um mundo onde a todo custo se quer a felicidade cada vez mais impossível. Progressivamente se detecta a existência de uma Babel na qual se desconfia até mesmo dos meios de distinção entre o certo e o errado.
Os alicerces do mundo em que vivemos estão corroídos e se mostram incapazes de sustentar a brutal diversidade de interesses que reina em toda parte.
Onda de protestos
O difícil é saber de que lado se está nessa onda de protestos que açoita o povo nas ruas de São Paulo. Se observarmos bem o noticiário veremos que o desenrolar dos acontecimentos se traduz numa troca de acusações sobre o estopim da violência. Ora se diz que em meio à massa de pessoas que protestam existem baderneiros infiltrados com a única intenção de agredir e depredar; outros acusam a polícia de atacar manifestantes e iniciar a batalha que se trava nas ruas. Pedras, bombas de efeito moral, balas de borracha, paus, fogo e outros apetrechos fazem parte do arsenal de luta do qual até agora, por pura sorte, não foram verificadas perdas de vida.
Há muitos anos fui surpreendido por uma manifestação popular nas ruas de Buenos Aires. A minha surpresa se explica porque a marcha acontecia não muito tempo depois da queda dos regimes autoritários. Gravei na retina as faces das pessoas que iam à frente da marcha, homens de paletó e gravata, mulheres bem alinhadas, braços dados, seguidos por uma multidão silenciosa. O máximo a que se deram direito foi o de distribuir folhetos nos quais se explicitava a razão de seu protesto. Nada a ver com os panelaços que mais tarde se tornariam célebres em Buenos Aires.
No atual caso que acontece em São Paulo fica difícil tomar-se um lado. Condena-se a depredação e o vandalismo que nada têm a ver com o protesto contra a elevação das tarifas dos ônibus. Por outro lado não se podem apoiar ações desmedidas de repressão que tantas vezes pecam por indiscriminadas, atingindo até mesmo transeuntes que nada têm a ver com a ação que se desenvolve ao seu redor.
A essa altura dos acontecimentos nem adianta rogar para que o bom-senso prevaleça. Os manifestantes já marcam mais uma rodada e o governo avisa que não tolerará agressões e vandalismo.
As manifestações em São Paulo ilustram bem o modo como coisas aparentemente simples podem sair de controle e transformar-se num impasse de difícil solução. Elas refletem a insatisfação represada que parece encontrar válvula de escape na elevação das tarifas de ônibus urbanos. É preciso atentar para as razões mais profundas do que ora acontece para esta não seja apenas a primeira de uma série de protestos de um povo cansado de tanta impunidade e manobras políticas e econômicas que não visam o bem-estar comum.