Arquivo para julho, 2013
Aí gente, Ele, o Sol
Confesso que não tenho confiança no universo. Essa coisa de espaço cheio de constelações e buracos negros, infinito, definitivamente não é confiável. A observação do céu e as sempre intrigantes fotos do “lá fora” me causam desconforto. No meio disso tudo a Terra não passa de um grão de poeira, um nada no qual experimentamos a nossa loucura de estarmos vivos com as nossas idiossincrasias. Nenhuma religião, nenhuma filosofia, parecem ser suficientes para abrandar a sensação de insegurança que me passa essa estrutura gigantesca da qual faz parte o planeta no qual fui geneticamente sorteado para existir.
Tem mais: a dependência do nosso Sol, essa estrelinha pouco mais que nada em meio à imensidão é apavorante. O nosso querido Sol, o que nos fornece energia e permite que a vida exista, será ele confiável? Não haverá naquele entranhado de incandescências uma gestão apocalíptica de explosão inesperada? Espécie de vingança contra o sistema planetário que dele depende?
Mas, quê? Estou a falar mal do belo Sol que nos ilumina e surge radiante aos nossos olhos a cada manhã que começa? Serei eu um desses mal agradecidos que reclamam do astro-rei sem dar a ele o devido valor? Pois que se vejam as fotografias do Sol tiradas pelo telescópio Ibis que nos mostram o forte contraste entre a densidade e a temperatura do astro que nos ilumina. Mas, o que vêm a ser as finas estruturas que aos olhos de um leigo não passam de um incompreensível e confuso emaranhado de coisas aparentemente desconexas, mergulhadas num turbilhão de reações explosivas? Será assim o nosso amigo Sol, aquele que nos proporciona os belos entardeceres, doura a pele dos banhistas e espalha alegrias nos quatro cantos do mundo?
Amigos, o Sol é belo de longe, mas que não se queira vê-lo de perto. Ele nos enternece quando atira seus raios sobre as águas, gerando cores belíssimas. Palavras não bastam para descrevê-lo quando, maliciosamente, se deita no horizonte, escondendo-se do outro lado do mundo, brincando de fazer noites e dias, marcando o ritmo dos calendários.
Sou muito grato ao Sol por tudo o que me proporciona. Mas, não consigo confiar nele, tão grande, tão forte, imenso, brilhante, talvez eterno, mas não nem tanto. Se um dia desses as coisas que as fotos revelam deixarem o seu jeito habitual de ser, rebelando-se contra a natureza de gerar o fogo que nos alimenta, então o nosso mundo desaparecerá como tantos outros astros que, segundo se noticia, somem em meio à grande voragem dos buracos negros que tudo engolem, indistintamente.
É filme
O mundo anda tão louco que corremos o risco de nos confundir quanto à realidade dos fatos. Ficção e realidade misturam-se de tal forma que não dá para saber se até mesmo os nossos sentidos estão aptos para discernir as tramas que nos envolvem.
Hoje mesmo estive com uma senhora cujo carro foi abalroado violentamente por outro. Tamanho foi o impacto que o carro dela ficou completamente destruído. Para o seguro não restam dúvidas de que houve perda total do veículo, restando restituir à proprietária o valor segurado. Mas, e ela? Pois ela conta que no momento do acidente perdeu a noção das coisas, embora, incrivelmente, nada tenho lhe acontecido. Saiu de dentro dos ferros contorcidos sem um único arranhão e só demorou um pouco para se lembrar do que acontecera. Tamanho estrago e tanta sorte me levaram a perguntar a ela se na verdade não teria morrido e continuava a achar que estava viva. A mulher mostrou-se preocupada, beliscou-se, respirou fundo e só então sorriu dizendo: estou bem viva.
Aconteceu em Cannes um roubo de R$ 120 milhões em joias que estavam sendo exibidas em um hotel. Um homem - um único homem - entrou no Hotel Carlton Intercontinental. Ele estava armado, usava luvas e tinha o rosto coberto por um cachecol. Rapidamente e sem violência colocou joias e relógios incrustados de diamantes em uma maleta e fugiu. Segundo a polícia existe a possibilidade do ladrão estar ligado à gangue de ladrões de joias conhecida como Pantera Cor-de-Rosa que já roubou cerca de R$ 1 bilhão de joalherias europeias. Aliás, um dos membros da Pantera acaba de escapar de uma prisão francesa com a ajuda de cúmplices armados.
Convenhamos que o crime praticado em Cannes tem tudo para ser um filme. Roteiro perfeito, com a participação de um ladrão perfeito como aqueles que vemos nos filmes. Daí que ao ler a notícia corre-se o risco e ficar na indecisão sobre a realidade ou ficção do roubo.
Há um filme de Woody Allen no qual o personagem sai da tela e passa a circular no mundo, ao lado de uma espectadora de cinema. O herói do filme oferece à espectadora uma nova vida e a trama gira em torno desse fato. Como se vê a mistura entre ficção e realidade pode nos seduzir e até convencer. Por isso seria muito bom se a polícia de Cannes procurasse saber se o roubo das joias realmente aconteceu. Caso tenham dificuldades em resolver o caso os policiais poderiam pedir ajuda ao inspetor Clouseau que, segundo consta, é o melhor que há quando o assunto é a Pantera Cor-de-Rosa.
O “Dia os Avós”
Semana passada comemorou-se o “Dia dos Avós”. 26 de julho foi a data escolhida para essa homenagem porque é do dia de Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e, portanto, avós de Jesus Cristo.
Jesus - o Deus e o Homem - não é uma unanimidade em todas as religiões. A questão da Santíssima Trindade também não é universalmente aceita. Daí que não dá para negar que soa estranha a suposição de que Cristo tenha um avô. O fato é que em relação a Jesus o Deus se sobressai ao Homem: pensa-se nele mais como Deus, menos como homem, havendo até quem negue que o Homem tenha existido.
Ontem terminou a visita ao Brasil do Papa Francisco de quem se espera renovação da Igreja. A mídia tem-se ocupado exaustivamente da passagem do Papa por ocasião da Jornada Mundial da Juventude que se realizou no Rio. Ressalta-se o empenho do Papa em deixar de lado o aspecto político, dedicando-se à religião. O Papa surpreende pela simplicidade e quebra de protocolos, muitas vezes expondo-se até perigosamente em termos de segurança. Mas, é à alma do povo que o Papa se dirige, daí os momentos de emoção revelados a cada contato. Pode-se dizer que o Papa surpreendeu - e muito - não só pela sua postura como precisão nas orientações que transmitiu aos fiéis. De certa forma Francisco desmitificou a imagem que tínhamos dos Papas ao não fugir a nenhum questionamento, mostrar-se atento ao modo de vida hodierno e afirmar que cabe à Igreja transformar-se continuamente, respeitando-se os seus dogmas.
Mas, aos avós. Claro que merecem a homenagem, afinal também eu sou avô. Entrei no clube dos avós há pouco mais de um ano quando veio a este mundo o meu primeiro neto. Trata-se do infante Enrico que no momento se dedica aos afazeres reservados aos bebês.
Por outro lado há que se louvar a participação dos avós na criação dos netos. No tempo atual os jovens pais trabalham fora e há que ajudá-los na criação das crianças. Nessa hora ninguém melhor que os avós para os cuidados necessários, não faltando para isso grandes doses de amor.
Não conheci todos os meus avós. Com uma das avós cheguei a conviver. Minha outra avó só a vi quando menino, já muito velha e em seu leito de morte. Quanto aos meus avôs, paterno e materno, só os vi em fotografias.
Não sei dizer se o “Dia dos Avós” foi lembrado pelas famílias. Transcorreu numa sexta-feira, dia normal de trabalho e pouco propício a reuniões familiares como o bom e velho almoço de domingo. Mas, avós talvez não se ressintam tanto de possíveis esquecimentos, escolados que são no trato diário com toda sorte de acontecimentos.
O bebê real
Chegou ao mundo o bebê real cujo nascimento provocou muita comoção em todo o Reino Unido. Apresentado pelos pais - o príncipe William e sua mulher Kate Middleton – no dia seguinte ao seu nascimento logo foi para casa - o palácio de Kensington onde vivem seus pais.
Não demoraram os pais a divulgar o nome escolhido para o bebê real: George Alexander Louis, homenagem ao seu bisavô, o Rei George 6º, pai da atual Rainha Elizabeth. O bebê real responderá, também, por Sua Alteza, o príncipe George de Cambridge. O título faz jus ao fato do bebê real ser o terceiro na lista de possíveis ocupantes do trono no caso de morte da rainha Elizabeth. O primeiro da lista é o seu avô, Príncipe Charles, e o segundo o seu pai, Príncipe William.
Eis aí um caso de criança nascida em berço de ouro cujo destino é vir a ser o rei do Reino Unido.
Convenhamos que a nós, plebeus terceiro-mundistas, toda essa história pode soar muito estranha. Já vi muita gente falar mal da Inglaterra que, antes dos Estados Unidos, mandava no mundo, punha e dispunha em favor dos seus interesses. Rica e proprietária de uma armada considerada invencível a Inglaterra aprontou coisas nada boas mesmo aqui na América do Sul. Do mesmo modo que os EUA estiveram por trás da queda de regimes democráticos na América do Sul, propiciando a instalação de longas ditaduras, a Inglaterra teve participação efetiva na eclosão da Guerra do Paraguai. E por aí vai.
Do bisavô deste bebê real sabemos que era gago, assunto de que tratou o formidável filme “o Discurso do Rei”. George 6º ocupou o trono num momento muito difícil, justamente durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas, tradição não é lá coisa a que estejamos muito habituados, daí certa estranheza com toda a movimentação em torno do nascimento do bebê real. Vale lembrar que em nosso país existiram dois reinados, o segundo deles durando 50 anos sob o comando do rei D. Pedro II. O Segundo Reinado tem sido tema de muitas publicações e até hoje existem estudiosos garantindo que melhor seria a vida no Brasil caso optássemos pelo regime monárquico. Entretanto, anos atrás se realizou um plebiscito no qual os brasileiros deveriam decidir entre os regimes republicano e monárquico. Venceu a República e eis que estamos a surfar nos desdobramentos políticos dela.
Tem gente escrevendo sobre a utopia de se conservar no Reino Unido uma família monárquica que, afinal, não tem poder sobre os destinos do país. Há também os que nos lembram da alegria do povo inglês pelo nascimento do bebê real, provando que a família real pertence não só à tradição, mas ao imaginário do país. De todo modo todos se escreve que, críticas de parte, ninguém fala mal do bebê real.
Pode-se estranhar, mas o fato é que acaba de nascer um rei.
Djalma Santos
Não me perguntem o ano, mas vi jogar o então jovem Djalma Santos, defendendo as cores da Portuguesa. Teria eu por volta de 12 anos de idade - não sei ao certo -, morava no interior e estava em casa de um tio, em São Paulo. O apartamento do tio ficava na Alameda Nothman, bem atrás do Liceu Coração de Jesus. Pois na ocasião jogavam o São Paulo e a Portuguesa, no Pacaembu. Meu irmão mais velho me levou ao estádio e foi nessa ocasião que pude ver Djalma Santos jogando, ele que batia laterais com muita força, lançando a bola dentro da área dos adversários.
Djalma foi um grande jogador, dos maiores em toda a história do futebol brasileiro. De regularidade impressionante esteve na lista dos melhores jogadores da Copa de 58, embora tenha jogado apenas a partida final contra a Suécia.
Djalma, o grande Djalma Santos, morreu ontem e deixa saudades. Jogava muita bola, tanto que tinha o respeito até das torcidas adversárias.
Dias atrás escrevi que o mundo vai sendo progressivamente despovoado, obviamente me referindo não à redução da população, mas ao desaparecimento de pessoas que fizeram parte do mundo em que vivemos e conhecemos. Ontem também foi o dia em que o grande, o enorme sanfoneiro e compositor Dominguinhos faleceu após longa internação hospitalar. Conheci Dominguinhos num hotel ao tempo de minhas andanças pelo sertão da Bahia. Homem de grande simplicidade, sorriso fácil, atraia por simplesmente existir. Era uma enormidade tocando seu instrumento daí sua morte se constituir em perda irreparável para a música popular brasileira.
E chega a notícia da morte do boxeador Emile Griffith que foi campeão dos médios e teve sua carreira marcada pela morte de um adversário brutalmente atingido por ele durante uma saraivada de golpes. De Griffith me lembro de sua terrível luta contra o argentino Carlos Monzon, realizada no Luna Park em Buenos Aires. Griffith foi derrotado nessa luta inesquecível, mas deixou nas memórias a sua incrível técnica de defesa com os dois braços na horizontal, em paralelo à frente da cabeça e do tórax.
Devagar, mas com persistência, o homem da foice vai fazendo vítimas, abrindo espaço para novas gerações.
Sósias de Hemingway
Ingleses adoram apostar. Para eles qualquer motivo que envolva alguma dúvida quanto à possibilidade de ocorrência serve como motivo para jogar algumas libras na bolsa de apostas. Coisas do mundo. Hábitos do mundo.
Interessante a dedicação dos que a todo custo tentam se parecer com Elvis Presley. E que dizer dos que se aplicam nos trejeitos de dança imitando o incomparável Michael Jackson?
Mas, curioso mesmo é o fervor da verdadeira nação de admiradores e seguidores do escritor Ernest Hemingway. Ano após ano realizam-se concursos para a eleição dos melhores sósias do ganhador do Prêmio Nobel. Reunem-se vários homens de corpo avantajado barbas e cabelos semelhantes aos de Hemingway, roupas absolutamente iguais e que vença o melhor. O júri é formado por especialistas em Hemingway. Pelo que se vê nas fotografias não é muito simples escolher o vencedor do ano.
Neste momento estão reunidos na Flórida concorrentes ao prêmio de melhor sósia de Hemingway. São 125 pessoas inscritas no concurso que recebe o nome de “Papa”Hemingway Look-Alike Contest que faz parte do festival Hemingway Days. Antes disso, aconteceu em junho na cidade de Havana, Cuba, o encontro de 100 estudiosos, admiradores e especialistas que discutiram a vida do escritor.
Não tenho certeza, mas me parece que não exista no mundo algo semelhante em termos de admiração por um escritor e sua obra. O fervor dos admiradores de Hemingway permanece vivo mesmo tendo se passado mais de sessenta anos de sua morte.
Em todo caso eis aí uma ótima oportunidade para recomendar aos que ainda não leram Hemingway a leitura de seus livros, em especial do fantástico “O Velho e o mar”
Por fim é de se perguntar o que Hemingway diria sobre tudo isso caso estivesse vivo. Talvez se sentasse ao lado dos concorrentes para concorrer consigo mesmo. Talento para tanto certamente não faltaria a ele desde que embalo por umas boas doses de uísque ou tequila..
No mundo do futebol
Não se sabe até quando choraremos a derrota no Brasil na final da Copa de 1950. Ao longo dos anos notícias, livros, entrevistas e muito mais foram utilizados na tentativa de explicar o inexplicável: como pode o Brasil perder para o Uruguai, em pleno Maracanã, diante da empolgada presença de 200 mil torcedores prontos para comemorar o título de Campeão do Mundo?
Muita gente a quem conheci viajou ao Rio para assistir á final de 50. Anos depois ouvi o relato de um tio que esteve no Maracanã naquele fatídico 2 X 1 do Uruguai sobre o Brasil. Nomes de jogadores uruguaios como Maspoli, Obdúlio Varela, Gighia e Sachiafino eram pronunciados como o de carrascos da alegria nacional. O técnico do Brasil, Flávio Costa e jogadores como Barbosa e Bigode eram apontados como culpados pela derrota. Até hoje se fala sobre a onda de otimismo, a mudança do local de concentração dos jogadores, a invasão dos políticos tirando o sossego dos jogadores concentrados e até da camiseta branca utilizada pela seleção no jogo contra os uruguaios.
De todo modo a derrota de 1950 passou à história como um dos mais terríveis momentos da história do país. Passados 63 anos o fato perdura nas memórias, mantendo-se ativo nas gerações que se sucedem.
O futebol é sempre uma caixa de surpresas. A paixão nasce justamente da imprevisibilidade dos resultados, porque, uma vez as equipes em campo, tudo pode acontecer. As derrotas, as grandes derrotas, exigem que se elejam culpados por elas. Em 1950, como vimos, foram os técnicos e jogadores. Mas, de lá para cá o futebol se tornou um esporte em torno do qual giram montanhas de dinheiro. Jogadores de elite percebem salários muito altos daí se esperar deles participações cada vez mais destacadas nos jogos de que participam. Altos salários acompanhados de bens materiais que chamam a atenção, tais como carros de grife, fazem parte do mundo dos jogadores afamados cujos passes valem muito e são disputados por várias equipes. Claro que, subjacente a esse mundo dourado, existe uma vasta, vastíssima, gama de jogadores de menor destaque que mal ganham o suficiente para o próprio sustento.
Bem, todo mundo sabe disso. O que se sabe, mas não se compreende, é como podem jogadores de alto nível e muito bem assalariados não se dedicarem com afinco ao esporte que lhes paga tanto. O fato é que assistir a jogos do Campeonato Brasileiro do qual participam times de elite tem se tornado verdadeiro sofrimento. Há uma distância bem definida entre o que se espera do rendimento de jogadores e aquilo que eles praticam em campo.
Curiosa a situação da imprensa esportiva que labora para chamar a atenção dos torcedores, mas mostra-se tão crítica em relação ao desempenho dos jogadores, técnicos e diretorias de clubes. Pode-se dizer que a imprensa esportiva se sustenta da paixão dos torcedores, levando a eles detalhes por vezes insignificantes relacionados ao cotidiano de treinamentos e jogos.
Um grande radialista do passado, locutor esportivo de grande aceitação, certa vez explicou sua aposentadoria algo precoce, dizendo que se cansara de criar emoções em jogos nos quais quase nada de bom havia para ser narrado. Isso ele disse numa época em que os jogadores suavam muito a camisa e não recebiam, nem de longe, os vencimentos que hoje se pagam aos jogadores. Fosse ele vivo agora e narrasse jogos de futebol, creio que enlouqueceria.
A hora “H”
Essas mal traçadas nascem da notícia da morte de um conhecido ator de telenovelas. Vejo a foto do ator, lembro-me de algumas atuações dele e constato que, paulatinamente, o mundo vai sendo despovoado. Melhor seria ter escrito: o “meu mundo” vai sendo despovoado. Falo sobre o “meu mundo” porque as pessoas que morrem e são minhas conhecidas despovoam o universo que conheço. Reparo que a minha geração e a anterior a ela vão desaparecendo sorrateiramente. Claros se abrem nas nossas fileiras e não há como negar que o tempo não deixou de passar embora tenhamos nos esforçado para fingir que a vida é eterna.
Soube de pesquisa recentemente realizada junto a idosos sobre os medos que os apoquentam no tempo final da vida. Destacam-se os medos da solidão e o da falta de dinheiro. Para mim o medo é o de ser atingindo por doença dessas de longa duração e muito sofrimento. Os antigos diziam que os que sofrem muito antes de morrer estão a pagar por males praticados durante as suas vidas. Não creio. Vi pessoas medularmente boas e corretas sofrerem muito antes de fecharem os olhos; também vi personalidades peçonhentas morrerem sem nenhum sofrimento.
Alarma a constatação do progressivo desaparecimento de pessoas com quem convivemos no passado. Dias atrás, por puro caso, deparei com o nome de um engenheiro que trabalhou no setor automobilístico e lutou por criar uma indústria genuinamente nacional nesse setor. No fim das contas foi abandonado e vencido pelas montadoras multinacionais e terminou fracassando em seus negócios.
Pois conheci esse homem quando estava no auge de seus sonhos. Participei da cerimônia de lançamento de seus carros nacionais, cerimônia essa realizada com toda pompa que sugeria um futuro promissor. E deu no que deu. Mas o engenheiro está morto e o que sonhou e realizou certamente esquecido.
Pelo que percebo existe para cada pessoa um momento no qual ocorre o desligamento entre o que se foi na vida e o que se passará a ser daí por diante. Esse momento – a hora “H” - não necessariamente está vinculado ao instante em que se vai morrer, havendo casos nos quais a demora da vinda da morte é significativa.
Relata a mulher do ator que hoje morreu que desde alguns anos o marido estava mal porque surgiram sintomas de doença e ele deixou de representar. Só agora, passados alguns anos nessa situação, o grande cobrador lembrou-se de levá-lo para sempre.
Rendendo o máximo
Assisti a uma entrevista do ex-jogador de basquete Oscar e o ouvi dizendo que treino é tudo. É preciso ter garra. Oscar relata que só talento não adianta. Talento que funciona é o associado a treinamento, determinação, esforço continuo buscando superação. Oscar viu jogadores fantásticos, extremante talentosos, cujas carreiras não deram em nada. Vítimas da preguiça, segundo ele. O fato é que Oscar treinava oito horas por dia e só deixava a quadra quando conseguia atingir vinte arremessos de três pontos em sequência, sem errar nenhum. Um prodígio.
Oscar luta contra um mal vindo e inesperado câncer no cérebro. Encanta ver o otimismo dele. Mas, há que se dizer que alguns caras são de fato especiais, associam os dons que a natureza deu a eles a um espírito competitivo exemplar. Quando se observa um campeão mundial de boxe em ação em geral não se pensa sobre a determinação dele, sua aplicação nos treinamentos, sua incrível vontade de vencer. Talento ajuda, mas na hora do vamos ver é o treinamento, o esforço continuado que conta para que se consiga a vitória.
Vi grandes jogadores atuarem em campos de futebol, cada um com seu estilo. Ademir da Guia atuava em compasso com peças de música clássica, superiormente dotado que era de técnica fenomenal a qual ditava seus passos nem sempre rápidos, mas precisos. Tinha ele esse olhar de quem entende do jogo e sabe o que fazer mesmo nos mais aflitivos momentos. Exibia sua calma, parecendo não se abalar mesmo nas derrotas. Diferente e maior de todos foi Pelé a quem a natureza doou um físico espetacular, talento demais, intuição, precisão, técnica, domínio completo de sua função, habilidade, enfim todas as características que o levaram a ser o que foi no futebol: perfeito.
Cito os exemplos anteriores aos quais tantos outros podem ser acrescentados para chegar ao estranho caso do formidável Ganso que - sabe-se lá porque - dia-a-dia desce cada vez mais do pódio dos formidáveis. Há algo de estranho e incompreensível na trajetória desse jogador que, não faz muito tempo, encantou o país com seu maravilhoso futebol. Craque entre os craques, melhor entre os melhores, eis que de repente Ganso nem mesmo parece ser sombra do que foi em passado recente. Quem o vê nas partidas, apático e conformado, aparentemente desiludido de sua profissão, não consegue entender o que se passa. Milhares de torcedores esperam tanto de Ganso, mas ele permanece recluso em si mesmo, como se o futebol fosse coisa de ontem, passado que não se renova.
Eis aí um caso de enorme talento retraído. A Paulo Henrique Ganso, o grande jogador Ganso, talvez esteja faltando a garra dos vencedores, a vontade absoluta de auto superação, a decisão de entregar-se de olhos fechados à glória que o espera.
Impossível dizer qual será o destino de Ganso. Há comentaristas de futebol vaticinando que “aquele Ganso” não existe mais. Nesse caso Ganso será como um dos jogadores a quem Oscar viu brilhar por curto período de tempo. Mas, há quem veja nisso tudo uma fase que, mais cedo ou mais tarde, passará. Para estes o talento não morre e quem sabe esteja faltando ao jogador do São Paulo nada mais que uma boa dose de conversas, levando-o a recuperar a confiança em seu talento.
Torcemos para que o Ganso consiga superar essa fase de adversidade volte a brilhar no futebol.
Sentimento nacional
Anos atrás, durante viagem de ônibus em cidades do interior dos EUA, fiquei surpreso com as bandeiras do país colocadas à frente das casas. Na ocasião um homem que viajava no mesmo ônibus disse a guisa de explicação:
- São os nacionalistas.
Ruas longas nas quais não se via ninguém e bandeiras enfileiradas, tremulando no jardim das casas. Bandeiras quase sempre do mesmo tamanho, atestando o orgulho e o amor daquela gente pelo seu país. Um velho, sentando próximo a mim, aventurou-se a explicar as bandeiras:
- O americano é assim. As guerras os uniram num sentimento de amor ao seu país. Deriva daí certo desprezo pelo que não é americano. O mundo deve se curvar ao grande império do norte e os cidadãos desse império acreditam e usufruem da superioridade do seu país. Não é a toa que os demais países figuram na visão deles como nada mais, nada menos, que tributários da sua grande nação.
Até hoje não sei dizer sobre o acerto das coisas que ouvi naquele dia. Ficaram como fato incontestável as bandeiras e o sentimento nacional dos americanos. De todo modo não é o que se vê por aqui. Não por acaso o mundo se revela espantado com as manifestações que eclodiram no Brasil nos últimos dias. De repente aquele brasileiro padrão, pacato, musical, sexual, futebolístico, carnavalesco, cedeu lugar a um tipo que protesta, agride e exige. O fato parece tão desenraizado de nosso modo de ser que ainda hoje os críticos e estudiosos não encontram o modo adequado de explicá-lo. Paira no campo da sociologia brasílica uma enorme interrogação não se sabendo dizer de onde veio e para onde vai essa nova face que se revela nos brasileiros.
O império de Pedro II logrou manter a unidade nacional com pessoas falando a mesma língua e sendo geridas pelo mesmo governo central. Nisso a gente portuguesa se saiu melhor que seus vizinhos de língua espanhola os quais se repartiram nas várias nações da América Latina. Imagino que talvez seja mais fácil a manutenção de uma identidade nacional em países de menor área geográfica embora contra isso exista o que acontece justamente nos EUA. Não sei se é possível estabelecer essa relação, mas sempre me perguntei por que povos como os argentinos se mostram, pelo menos aparentemente, mais politizados que os brasileiros, É fato que um motorista de táxi na Argentina é capaz situar o seu passageiro a respeito da política em seu país e discutir pormenores dos últimos acontecimentos. Talvez já não seja assim aqui no Brasil, mas temo que grande parte da população do país não só não se interesse como não tenha conhecimento detalhado da vida política na pátria verde-amarela.
Num fim de semana desses fui até Assunção. Mais uma vez me surpreendeu o interesse e o conhecimento das pessoas sobre o que se passa em seu país. A suspensão do Paraguai pelo Mercosul, motivada pela deposição do então presidente Lugo, calou fundo no coração dos paraguaios. Agora os presidentes ligados ao Mercosul se reuniram em Montevideo e decidiram readmitir o Paraguai a partir da data de posse de seu novo presidente, o recém-eleito Horacio Cartes. Pois Cartes agradece a gentileza e a recusa por entender que a admissão da Venezuela no Mercosul foi ilegal. A isso se acrescente que a deposição de Lugo foi realizada em tempo recorde, mas foi legal e democrática além do que se realizaram as eleições previstas na constituição, elegendo-se um novo presidente.
Não sei as quantas anda o sentimento nacional dos paraguaios, mas presumo que deva estar em alta.