2013 julho at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para julho, 2013

A banalidade do mal

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Em cartaz o filme “Hannah Arendt” uma produção sobre a filósofa judia de origem alemã. Não vi ainda o filme, mas li que aborda a questão da “banalidade do mal’   defendida por Arendt.

A “banalidade do mal” refere-se à participação de pessoas no nazismo, em especial à de Adolp Eichmann, carrasco nazista que foi preso na América do Sul e julgado em Jerusalém, em 1961. Para a filósofa Eichmann não passava de um burocrata sem sentimentos e muito menos de antissemitismo. Era um cumpridor de ordens que obedeceria a qualquer um, inclusive aos seus superiores daí encaminhar milhares de pessoas para campos de extermínio.

Obviamente Arendt foi muito combatida por suas colocações em relação à personalidade dos nazistas. Entretanto, seus escritos dão o que pensar. Lembro-me bem do estardalhaço provocado pelo julgamento de Eichmann. Tínhamos o nazista como uma espécie de demônio responsável pela morte de milhares de inocentes. Impossível dissociar as imagens de Eichmann da frieza mostrada ao tempo de suas funções durante a guerra, cumprindo à perfeição determinações que dizimavam vidas. Um simples burocrata? Um esmerado burocrata responsável pelo extermínio de tanta gente?

Quem já trabalhou em condições precárias sabe que existe o risco de habituar-se à situação, havendo o perigo de se passar a agir mecanicamente. Entretanto, fica difícil aceitar que alguém consciente do fim que espera as pessoas que encaminha passe a fazer isso burocraticamente. Eichmann não era qualquer um. Político e mais tarde tenente-coronel teve participação ativa na formulação daquela que ficou conhecida como “solução final da questão judaica”. Depois se tornou chefe do Departamento da Gestapo, tratando da logística de extermínio dos judeus.

De Eichmann, capturado na Argentina, ficaram as imagens de seu julgamento. Sentado e protegido por uma câmara de vidro à prova de projéteis e som, certamente sabia o destino a ele reservado ao fim do julgamento noticiado em todo o mundo.

Adolp Eichmann foi enforcado em 1962, restando a quem acompanhou o processo a sensação de justiça realizada.

Dia de greve

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Acordo com o toque do telefone. É a moça que trabalha em casa, avisando que não virá porque os ônibus estão em greve. Ela diz que conseguiu chegar até o meio do caminho, mas os grevistas fecharam o trânsito de modo que só restou a ela voltar para casa.

O trajeto entre a minha casa e a empresa sugere um amanhecer de domingo. São pouco mais de nove horas da manhã de quinta-feira e não há trânsito. Nenhum ônibus circula nas ruas e paira sobre a cidade um grande silêncio. De repente surge um grupo de cerca de cinquenta pessoas, carregando bandeiras, caminhando e fechando a avenida. Tenho tempo de entrar numa travessa e não demoro a chegar ao lugar onde trabalho.

Mal me arranjo em minha mesa e um funcionário aparece para me avisar que estamos à meia bomba. A greve dos meios de transporte impediu que os funcionários chegassem ao serviço e não há previsão de que as coisas melhorem ao longo do dia.

Com pouco a fazer num dia paralisado, ligo o computador e fico sabendo que a greve afeta a vida em várias cidades do país. Grevistas fecham estradas importantes e paralisam o movimento de veículos entre cidades.

O que se nota é que as pessoas estão amuadas, receosas. Movimentos de protestos e greves são bem-vindos porque se faz necessário um grande ajuste das coisas no país. Entretanto, parece que há gente demais protestando sem que se configure um movimento determinado. De dias para cá as pessoas compreenderam que qualquer grupo de pouco mais de vinte pessoas pode fechar ruas e estradas sem que nada aconteça a elas. Assim, saem às ruas pequenos blocos, advogando interesses nem sempre comuns a toda gente.

Desnecessário repetir que ninguém sabe no que isso tudo vai dar. Os governantes perdem popularidade e apelam para medidas de impacto nem sempre condizentes com as necessidades do país. De repente a classe política se engaja no tal partido que diz ouvir a voz das ruas, trasmudando-se o criticado em combatente solidário com as reivindicações populares.

Não é possível dizer como veremos os acontecimentos atuais quando observados no futuro. Que dirão os estudiosos do futuro sobre o momento crítico que atravessamos? Hoje eu diria que não é tão absurdo se pensar na possibilidade da perda de controle do governo sobre a situação, iniciando-se uma revolta de proporções ainda maiores.

Urge reformar os discursos e a disposição em agir corretamente dado o gigantismo da onda de insatisfação que varre o país.

Casarão demolido

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Imagino para onde irão os espíritos que se mantinham aferrados às suas antigas casas quando elas são demolidas. Constroem-se prédios até sobre velhos cemitérios e a terra realmente soterra as gerações passadas.

Aquele homem que anda pela Av. Paulista, São Paulo, num certo dia de 1909, observa mansões nos dois lados da rua e talvez imagine que seu mundo é indestrutível. Como pensar que as grandes mansões, abrigando gente tão rica e poderosa, viriam abaixo, substituídas em meio à futura febre de progresso? Como imaginar um mundo que não é aquele em que vivemos, o nosso mundo que se mostra aos olhos com toda a força de uma eternidade que, na verdade, é precária?

O tempo passa e as máquinas derrubam. Antigas paredes que presenciaram o fôlego de vidas da noite para o dia transformam-se em nada mais que montes de entulho. Nada além de pó, o mesmo pó no qual se transformaram as pessoas que ali viveram no passado.

Assim, as memórias se apagam, o mundo muda e não nos damos conta disso. Do mesmo modo civilizações desaparecem, deixando parcos resquícios a indicar sua anterior existência.

Está nos jornais que em 2014 será enviada a Marte uma sonda espacial com a missão de averiguar se já houve vida naquele planeta. Será que no futuro uma civilização marciana enviará à Terra uma nave para procurar sinais da nossa civilização então extinta?

O mundo gira e a vida passa. O tempo passa. Ontem uma das restantes velhas mansões da Av. Paulista foi demolida. As fotos do local mostram nada mais que entulho, apagando-se definitivamente as memórias de tudo o que aconteceu ali. Em breve certamente no local será erguido um espigão, prédio moderno, enorme, a concorrer com tantos outros que fizeram a ocupação dos terrenos onde ficavam os antigos casarões.

A demolição e a construção de um prédio figuram como normais. Não passam de exigências de um novo tempo no qual velhas residências ficam cada vez mais deslocadas em meio aos arranha-céus. Entretanto, não se pode dizer que se trate de um parto sem dor. O que se está a demolir é um mundo desfeito que desaparece definitivamente, levando consigo os restos de memória que nos fazem sentir e comportar como seres humanos.

Vendendo tapetes

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A barraca de tapetes fica ao lado de outra, maior, na qual se vendem orquídeas. As pessoas passam pelos tapetes expostos quase sem olhar, atraídas pela festa de cores oferecida pelas orquídeas.

Eu me ajeito perto da barraca de tapetes e fico olhando as pessoas entrando para apreciar orquídeas. A maioria mulheres porque elas adoram flores. O preço parece ser bom porque muitas mulheres saem da barraca carregando vasos. Todas trazem, além das orquídeas, o largo sorriso de um achado inesperado e negócio bem feito.

Puxo conversa com o vendedor de tapetes. É um homem de pouco mais de trinta anos, jeito de gente boa, atencioso. Fico sabendo que ele mesmo faz os tapetes no tear de sua loja. Produz durante algum tempo e quando a quantidade é razoável, sai em seu caminhãozinho, estradas afora, passando de cidade em cidade, vendendo tapetes.

Ele me conta que sua loja de comércio fica numa cidade pequena, interior de Minas Gerais. Ele viaja pela Fernão Dias, seguindo na direção de São Paulo. Quando as vendas são boas não chega a entrar no Estado de São Paulo porque acaba o estoque. Desta vez chegou longe porque está mais difícil vender tapetes. Ele acredita que isso acontece porque a inflação está em alta. Ele diz que quando o preço da comida começa a subir as pessoas se assustam e as compras caem.

O vendedor de tapetes se chama Nelson. Na cidade dele é conhecido como Nelsinho dos tapetes. Ele me convida para visitar a loja dele quando viajar pela Fernão Dias. A cidade é pequena, tem não mais que 15 mil habitantes e lá a vida é calma. Não tem crime, não senhor. Nem é preciso trancar as portas. Todo mundo se conhece. Entrando na cidade é só perguntar para qualquer um onde fica a loja do Nelsinho. Todo mundo sabe, não tem erro, não senhor.

No fim das contas acabo comprando um tapete pequeno do Nelson. O produto e o preço são muito bons. Ao sair penso na vastidão do Brasil e nos pequenos negócios que garantem a subsistência de milhões de pessoas. E dizer que os altos jogos econômicos do governo, os desacertos e desvios, atravessam, camada por camada, o vasto tecido que compõe o mundo dos negócios, chegando ao último degrau onde se situa um vendedor de tapetes numa feira.

Avalia o Nelson que a continuarem as coisas como estão suas viagens se tornarão mais longas: no negócio dele existe uma razão direta entre a elevação da inflação e os quilômetros de estrada a percorrer, cidade após cidade, até conseguir desovar o  estoque de tapetes.

Santo Antônio

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Vi o velho Rubens ajoelhado diante do altar. Face constrangida, olhos lacrimosos, terço na mão, orava, rogando aos céus a ajuda impossível. O neto o traíra, levando-o a vender a fazenda para aplicar o dinheiro que se multiplicaria. O neto viveu no paraíso com o dinheiro do avô, morando na cidade grande e alimentando toda sorte de vícios. Ao velho Rubens restaram apenas o desespero e a espera do milagre que nunca viria.

Também vi ajoelhado aquele Valdir que vingou-se do próprio tio que o havia lesado num negócio. Valdir esperou pelo tio numa curva da estrada e, ao vê-lo, atirou em seu peito, impiedosamente. Perseguido pela sombra do tio morto Valdir refugiou-se  na oração, implorando misericórdia aos céus. Quando o vi ele ainda não sabia que minutos depois o Zeca da polícia ia algemá-lo e prendê-lo, fato que desesperou a mulher dele e filhos os quais jamais entenderam a razão do crime.

Também vi o padre que diziam cortejar mocinhas, a carola que cantava nas procissões, as multidões que beijavam o Senhor morto em seu esquife, a missa de corpo presente do Tanarico Mendes, o casamento do Manfredo que se desfaria dois dias depois e o batismo de uma criança que viria a ser importante juiz.

Posso dizer que estavam todos presentes na igreja porque, isso garanto, eu os vi. Também os viu o Santo Antônio que nunca saiu do principal nicho do altar e ouviu a toda essa gente, nem sempre podendo ajudar.

Minha avó contava que nas noites os mortos visitam as igrejas onde rezaram , talvez por isso eu os tenha encontrado, agora que todos  dormem o sono que nunca termina.

Escrito por Ayrton Marcondes

6 julho, 2013 às 7:10 pm

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Esse tal de Snowden

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Esse cara chamado Snowden se meteu numa encrenca danada. Os EUA querem o pescoço dele, o sangue também. Ex-funcionário da CIA Snowden trabalhou como consultor na Agência de Inteligência dos EUA. Tendo acesso a dados sobre espionagem dos EUA - dentro e fora daquele país - Snowden tornou-os públicos, despertando a ira do governo. Alega-se que o ex-funcionário colocou em risco não só a segurança do país como a de inúmeras pessoas. Obviamente, os dados revelados despertaram reações negativas em todo o mundo. Até o presidente Obama enfrentou problemas em suas recentes negociações com mandatários europeus.

Que americanos sempre tiveram esse olhar de dominadores a quem tudo é permitido em relação aos demais povos do mundo, isso não se discute. As ações dos governos dos EUA em seu quintal da América Latina vêm sendo reveladas aos poucos. O filme “O dia que durou 21 anos”, em cartaz nos cinemas, mostra em detalhes a participação ativa do governo dos EUA que levou Jango a renunciar, instalando-se o período de ditadura militar no Brasil.

Arrazoados e interesses de parte o que fica mesmo é a pergunta sobre quem é esse tal de Snowden. Afinal, por que cargas d´água um sujeito se dá ao desfrute de agir como agiu, provocando uma reação em cadeia que está longe de terminar e colocando em risco a própria vida? Seria o caso de um apóstolo da democracia, um herói dos direitos humanos, alguém disposto a entregar-se às feras em nome do bem comum? Ou apenas um cara meio louco que se deixou levar pela fantasia de grandeza e visibilidade pessoal ao ter tantas informações em mãos e nem pensou nas consequências?

Imagino que algumas pessoas tenham acesso aos dados disponibilizados por Snowden, mas nenhuma delas se habilitou a divulgá-las, temerosas da reação norte-americana. Aliás, no caso de Snowden, a reação está em andamento. No momento o ex-agente está no setor internacional do aeroporto de Moscou de onde não pode sair porque não têm documentos. Além disso, ontem avião do presidente Evo Morales foi proibido de voar sobre espaços aéreos de alguns países europeus porque vinha de Moscou e suspeitava-se que Snowden estivesse a bordo, fugindo para a América do Sul. Ninguém duvida que as ações envolvendo o voo de Evo foram orquestradas pelos EUA.

Agora só resta esperar para saber no  que isso vai dar. Esse tal de Snowden está mesmo é ferrado. O s EUA nunca vão desistir dele a quem classificam como traidor. O problema de Snowden é que de uns tempos para cá o mundo ficou pequeno demais e a cada dia torna-se mais difícil a alguém procurado simplesmente desaparecer. Bin Laden vivia escondido em cavernas, mas quando pôs o nariz para fora acabou sendo encontrado e morto.

Não é por nada não, mas esse tal de Snowden bem que poderia trabalhar como ator numa versão do filme “Cabra marcado para morrer”. Ator perfeito para o papel.

Manifestações epidêmicas

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Quem diria, de repente estamos em julho. Não é que o semestre passou depressa demais sem deixar tempo para que digeríssemos as novidades?

Não há no Brasil - nem no mundo todo - alguém que possa jurar, sem mentir, que adivinhou esse grande movimento de manifestações que se espalha por todo o Brasil. Manifestações epidêmicas, contagiosas, perigosas e bem-vindas.

O problema das epidemias é o de que, na verdade, todo mundo está à mercê delas. Não é assim com a gripe? Tem até gente vacinada que acaba sucumbindo aos vírus, embora digam que isso pode não ser possível. Mas, acreditem, não existem vacinas e anticorpos contra manifestações. O bem/mal se apodera do coração, do cérebro, e transforma o até agora pacífico cidadão num reclamante geral, inconformado com toda sorte de coisas erradas e inaceitáveis.

Perigo? Não se trata do perigo de atos grotescos, praticados por vândalos. Isso é coisa de bandido, extremista ou o que for. Coisa de cara fora dos trilhos ou apto a sair deles na primeira oportunidade como aquele sujeito que pilhou uma joalheria porque outras pessoas faziam a mesma coisa. Não é isso não. O perigo - esse sim muito preocupante - é a reação em cadeia em andamento nos meios oficiais onde, da noite para o dia, há empenho em colocar em ordem tudo o que se deixou atrasado. Câmara e Senado estão agora se preparando para a corrida de São Silvestre. Vai ter muito deputado e senador correndo nas ruas, nos 31 de dezembro, acreditem. Treino serve para isso mesmo, não? Veja a correria com que se jogou para escanteio a PEC37. O brasileiro descobriu um jeito muito simples de mudar o que quiser: basta protestar nas  ruas, acuando as medrosas autoridades.

Se agora votam às pressas tudo o que estava parado, por que não o fizeram antes? Vai saber. O fato é que quem deve precisa ser cobrado daí a recente necessidade de mostrar ao povo que sempre se esteve a favor de tudo o que contribui para o bem-estar comum.

Os manifestantes têm insistido sobre a necessidade de melhoras no transporte, na educação e na saúde. Mas, não tem muita gente brigando pela segurança. Rapaz, a segurança é, talvez, o que mais nos aflige no dia-a-dia, tão importante quanto os outros temas. Existem projetos envolvendo temas como a idade de maioridade penal, a progressão de penas etc. A discussão desses assuntos e outros ligados à esfera da segurança é para ontem. Senão viveremos sempre com a sensação de desconforto por não termos o que fazer para impedir barbaridades como essa do menino boliviano morto durante assalto a casa dele.

Por falar nisso, os programas policias da TV estão abusando das imagens da família boliviana que perdeu tragicamente o filho. O choro da mãe do menino terá sido reproduzido em vídeo milhares de vezes. Pobre mulher, pobres pessoas simples que até na desgraça têm suas imagens exploradas ao limite nos meios de comunicação.