Arquivo para agosto, 2013
“Não saí para procurar homem…”
Não se conhecem e o acaso as coloca sentadas lado a lado num ônibus. Poltronas 13 e 14. Uma delas fala ao telefone com uma pessoa a quem chama de Amiga. Não há uma frase em que não use a palavra “Amiga”. Ela combina com a “Amiga” encontrarem-se mais à noite. Quando desliga a do lado puxa assunto, perguntando onde ela costuma ir. Seguem-se comentários sobre lugares onde se canta o funk. Trocam referências sobre casas noturnas conhecidas de ambas e indicações daquelas que uma delas não conhece. A certa altura concordam sobre uma casa noturna da qual gostam muito embora a ressalva de que o lugar fica chato quando muito lotado ou se acontecem as brigas frequentes.
A que estava ao telefone conta à colega de viagem que é cozinheira. Trabalha em São Paulo na casa de gente muito rica. Gente boa, mas cada um come coisas diferentes dos outros. Ao almoço só vem a dona da casa; o marido e os filhos jantam com ela, mas nunca aparecem pra almoçar. Conta, ainda, que está no ofício de cozinheira há oito anos. Por três anos foi “chef” de uma casa de massas, mas cansou e pediu as contas. A certa altura a “chef” é interrompida pela outra que diz adorar gastronomia, tanto que se especializou em alimentos. A partir daí começam a falar sobre modos de fazer pratos, tipos de massas, queijos, carnes etc. A “chef” confessa adorar gorgonzola, sendo que basta muito pouco desse queijo para tornar certos pratos muito saborosos.
O ônibus desce a serra em meio a neblina e as mulheres conversam, agora falando mais baixo. Depois de algum tempo voltam ao assunto das casas noturnas. Já com intimidade a outra conta para a “chef” que namora há um ano. Conheceu o namorado por puro acaso, na noite. Ia para um lugar, acabou num outro que tocava rock, isso por puro acaso - repete. Confessa que nem saiu para procurar homem, veja só como são as coisas. Tinha se separado há algum tempo e homem era tudo que nem queria ver pela frente. E aconteceu com esse cara que conheceu na noite, homem legal, gente muito boa.
A conversa se estende até que o ônibus, finalmente, para na estação rodoviária. A “chef” ainda tem tempo para ligar para o homem dela, avisando que acaba de chegar à cidade e perguntando se ele está no dia em que faz turno à noite. Combina se encontrar com ele logo depois e diz que está com saudade.
Só quando as duas se levantam para descer eu as vejo. Não são moças, nem bonitas. Despedem-se com um beijo e provavelmente não mais se encontrarão, exceto se o acaso cuidar de juntá-las em alguma circunstância.
- Até, a gente se vê.
Dizem isso e desaparecem.
País justo
Tinha eu 17 anos de idade quando pleiteei uma bolsa de estudos para o curso superior. Não tinha dinheiro para pagar faculdade de modo que não me restava outra opção. Entre as exigências constava anexar uma declaração de Imposto de Renda do meu pai. Eram os anos 60 do século passado e meu pai jamais havia feito uma declaração, até porque não percebia rendimentos que a justificassem.
Fui a uma agência da Receita Federal em cidade do interior de São Paulo. Atendeu-me o chefe de serviço que me distinguiu, inicialmente, com o epíteto de “vagabundo”. Para ele só um “vagabundo” teria a peitolina de comparecer a um órgão federal para pedir um documento daqueles, inda mais de um sujeito que não declarava. Aos berros me disse que pobre tinha mais é que trabalhar do que se meter a cursar faculdade para a qual não dispunha de meios. O cara perdeu a cabeça. Passou a falar sobre as mudanças de que o país necessitava. Avisou que a Receita chegaria a todos e o governo cobraria o que a ele era devido. Gente como meu pai acabaria se dando mal.
Rapazote, ouvi tudo aquilo assustado e sem dizer palavra. Salvou-me um funcionário do órgão que, vendo a minha aflição, deu um jeito de afastar-me do chefe. Esse funcionário acompanhou-me até a porta, recomendando que eu não ligasse porque o chefe era assim mesmo.
Passados tantos anos - uma eternidade - não me esqueci da humilhação. Depois dela cursei faculdade e, vida afora, cumpri, anualmente, as exigências do fisco, pagando os impostos devidos. Por tudo isso me sinto, enquanto cidadão do país, desorientado ao receber, diariamente, notícias sobre as medidas econômicas do governo, os descalabros dos desvios, a corrupção e mesmo a impunidade de gente que movimenta quantias fabulosas de dinheiro, inimagináveis para as pessoas comuns. Ontem um deputado, condenado pela Justiça por corrupção e atualmente cumprindo pena em presídio, teve seu mandato preservado pelos seus pares na Câmara Federal. E por aí vai.
Fala-se muito em um país justo, coisa duvidosa de que um dia venha a acontecer. A pergunta “que país é este?” deixou de ser feita porque se sabe muito bem a resposta.
Há uns dois anos soube por um amigo que o “chefe” da repartição que desancou sobre mim toda a verborragia que começara pelo meu enquadramento ao pelotão dos vagabundos estava mal de saúde e sofria no leito. Entre os meus defeitos não constam o rancor e o ódio. Mas, confesso que não consegui me penalizar pela situação dele.
O caso do senador boliviano
Quando você pensa que já viu de tudo surge o caso do senador boliviano que entrou no Brasil sob os auspícios de um diplomata brasileiro. O senador estava a mais de 400 dias recluso na embaixada brasileira da Bolívia acusado que foi de corrupção pelo governo boliviano. Opositor do regime de Evo Morales o senador se diz perseguido daí ter pedido asilo político ao Brasil.
A situação permaneceu nesse chove não molha, sem solução até que o diplomata brasileiro decidiu - por conta própria – retirar o senador do território boliviano. Viajaram de carro - o diplomata e o senador – por cerca de 2200 km até entrar no Brasil e chegar a Corumbá, no Mato Grosso. Agora o senador está em Brasília e o pau está comendo para todo lado. A Bolívia fala grosso exigindo explicações do governo brasileiro que, como vem acontecendo, adota atitude por demais cautelosa; o ministro das Relações Exteriores do Brasil é demitido; o diplomata diz que tomou a atitude depois de avisar ao governo brasileiro que a situação na embaixada na Bolívia tornara-se insustentável, havendo possibilidade de suicídio do senador; a presidente da República está danada da vida com a situação e disse poucas e boas a respeito das declarações do diplomata que servia o governo na Bolívia.
Pois é. O diplomata que trouxe o senador avisa que tem meios de se defender judicialmente. O governo certamente quer vê-lo fora da diplomacia. Há diplomatas brasileiros apoiando a ação do colega que estava em serviço na Bolívia. E é constrangedor ouvir o embaixador da Bolívia no Brasil praticamente com o dedo em riste, exigindo que o Brasil não só se explique como devolva o senador a quem acusa de banditismo.
Sobressai nessa história a falha do governo que deixou essa história se arrastar por tanto tempo. Há, também, que se reconhecer a coragem e empenho do diplomata brasileiro que arriscou a si e sua carreira tomando atitude que a maioria teria evitado, talvez para não se expor.
Enquanto escrevo, o imbróglio continua. Tempos novos esses, tão novos que envelhecem com a mesma rapidez em que nascem. O caso do senador boliviano - roteiro de filme - de tão inusitado dá a impressão de que, afinal, nada neste mundo é impossível. Agora o esforço vai ser para dar-se um jeito de acertar as coisas. Isso certamente acabará acontecendo de vez que o tal “jeitinho” faz parte do modo de agir nacional. Quanto ao senador acho que ninguém gostaria de estar na pele dele nesse momento.
Fazendo a egípcia
Vou comprar um “Aurélio” de papel. Dei-me conta de que há muito deixei de lado o hábito de ler dicionários. Culpa dos computadores, da computação. O último dicionário que comprei veio com um CD que instalei no computador e passei a usar. Tempos depois doei o dicionário em papel por julgá-lo desnecessário. Pura burrice. O manuseio do livro, a possibilidade de abrir numa página ao acaso e me deixar levar pelas palavras e seus significados deixou de existir. Para quem se mete a escrever a proximidade do dicionário e a leitura descompromissada das palavras é essencial.
Interessante, também, o modo como novas palavras são juntadas às já existentes, prova de que a língua é mesmo viva. Que dizer de expressões que da noite para o dia caem no gosto popular e passam a fazer parte do discurso comum utilizado pelas pessoas? E as gírias? E os modismos como esse que vem de embrulho com a novela “Saramandaia”, os quais já começam a ser falados por aí, incorporando-se ao dia-a-dia das pessoas? O uso do sufixo “mente” acrescentado às palavras é comum na novela da Rede Globo daí que, por exemplo, “dias passados” é trocado por “pratrazmente”. E por aí vai.
Leio que uma cantora foi vítima de roubo em aeroporto do Brasil. Tirava fotos com um fã e o cara deu um jeitinho de “abafar” o celular dela. Fato esse que obrigou a cantora a publicar na internet um aviso a seus conhecidos dizendo que não poderia atendê-los por estar sem o celular. Temendo que as pessoas interpretassem mal o fato de não atender as ligações a cantora justificou-se dizendo: “Se falarem comigo, não vou responder. Mas, não é porque estou fazendo a egípcia. É porque estou sem telefone”.
Pois confesso que fiquei intrigado com esse “não é porque estou fazendo a egípcia”. Sinceramente, eu desconhecia o significado da expressão. Fui procurar e descobri que significa “ignorar”, “virar a cara”, “fazer que não vê uma pessoa”.
Então, se você se decidir a ignorar alguém, automaticamente estará “fazendo a egípcia”. Emprega-se, também, a expressão para situações como sair de fininho de uma festa, evitando falar com pessoas que tomariam parte do seu tempo.
Como se vê a língua é mesmo viva.
Porco-espinho e ouriço
Para começar vale lembrar de que porco-espinho e ouriço são animais diferentes. O porco-espinho tem esse nome porque às vezes produz aquele ronco como fazem os porcos. Adultos medem cerca de 50 cm e pesam até 4 kg. Os espinhos medem 10 cm. Trata-se de um animal dócil, mas que se torna perigoso quando atacado. Nessas ocasiões ele se enrola todo, ficando expostos apenas os espinhos duros. Então ele começa a se virar para trás e ao contato com o animal que nele se encosta solta os espinhos que penetram na pele do agressor. Por essa razão os animais respeitam o porco-espinho e o temem. Veterinários informam que é muito difícil e doloroso retirar da pele de animais os espinhos,
Os ouriços são pequenos, medindo cerca de 10 cm e pesando até 400 gramas. Seus espinhos medem 2 cm e são o único meio de defesa desses animais. Trata-se de um animal dócil que se enrola tornando-se uma bola de espinhos quando ameaçado. Mas, de modo diferente ao que acontece ao porco-espinho, os espinhos de um ouriço não se desgarram do corpo dele.
Na meninice vivi em lugarejo próximo a mata densa. Era frequente que entrássemos no mato para cortar caminhos, em busca de frutos ou simplesmente para brincar. Temíamos demais os ouriços que confundíamos como o porco-espinho. Lembro-me de um homem da roça que, certa vez, foi ferido por um porco-espinho. Embora os espinhos tenham sido retirados a lesão “arruinou” palavra essa usada no lugar para referir-se a infecções graves. Assim, sempre tínhamos os olhos bem abertos para a possível presença desses animais que nos metiam medo e inspiravam cuidados.
Hoje se noticia o nascimento de ouriços muito especiais. Trata-se de três animaizinhos albinos que na verdade nasceram no mesmo dia em que veio ao mundo o bebê real, filho do príncipe William e de sua mulher Kate. Os três estão num zoológico particular de Moscou e foram colocados num castelo em miniatura. Batizados com os nomes de George, Alexander e Lous os três principezinhos chamam a atenção. O pequeno George naturalmente recebeu esse nome em homenagem ao bebê real que, segundo afirma o príncipe William, vem dando trabalho por chorar muito durante a noite.
Por sorte os bebês ouriço não choram. Curioso mundo no qual ouriços recém-nascidos são colocados para viver em castelos.
Matanças
Uma senhora me diz que ontem não conseguiu ler o jornal que recebe diariamente em casa. Tomava o café da manhã quando viu a foto das crianças mortas na Síria. A foto de muitos corpos de crianças, um ao lado do outro, provocou na senhora o desconsolo a que somos arremetidos diante de coisas irremediavelmente perdidas.
Não se trata de censura, mas certas fotos deveriam não ser publicadas. A foto das crianças sírias mortas é daquelas que nos fazem duvidar da racionalidade do homem. Não se julga possível que alguém possa ter causado tamanha barbaridade, roubando a vida de jovens com todo o futuro pela frente. Mesmo em tempos de guerra espera-se que permaneça pelo menos algum resquício de humanidade entre as partes conflitantes. Diferenças políticas, ideológicas ou qualquer outra razão não justificam a morte em massa de inocentes.
Mas, vivemos tempos de barbáries. Semana passada a repressão do novo governo egípcio resultou na matança de quase mil pessoas. Soldados simplesmente atiravam em pessoas que tentavam fugir dos projéteis. Massacre ordenado pelas forças que tomaram o governo, massacre a céu aberto que, pelo visto, não resultará na punição dos responsáveis.
Suspeita-se que as crianças sírias tenham sido mortas por terem aspirado gases tóxicos cujo uso é proibido. Os rebeldes acusam o governo pela utilização de armas químicas. O governo retruca, dizendo que tudo não passou de uma armação dos rebeldes. Como se vê ninguém será responsabilizado pelo crime hediondo e inaceitável.
A fotografia das crianças sírias mortas, seus corpos envoltos por lençóis, não me saem da cabeça. Não assisti aos noticiários da TV porque tive medo de que a tragédia síria fosse exibida em vídeo. Crianças mortas, terrivelmente mortas, compõem um quadro que nos faz perguntar se de algum modo não temos parcela de culpa no fato ocorrido, se não nos é possível fazer alguma coisa para que a loucura na Síria seja estancada.
A barbárie no mundo precisa ser contida.
Trânsito em São Paulo
Afirma-se que a complexidade das coisas é proporcional aos tamanhos das engrenagens que as sustentam. Não sei se isso se aplica às populações humanas. De todo modo cidades grandes e que continuam crescendo parecem gerar problemas proporcionais ao seu tamanho. São Paulo, infelizmente, é um exemplo desse fato.
Lembro-me bem daquela São Paulo do final dos anos 50. Era já uma metrópole, mas bem menos agitada que nos dias atuais. Na década de 60 o trânsito na Rua Vergueiro em direção aos bairros do Paraíso e Vila Mariana era terrível nos horários de pico. A Av 23 de Maio, inaugurada nos anos 70, ajudaria a desafogar as ruas centrais dividindo com elas o tráfego em direção aos bairros - tomei muitos ônibus e bondes na Praça da Liberdade, seguindo em direção à Vila Mariana onde morava.
Tenho um parente que a todo custo quer se mudar de São Paulo. Ele diz que simplesmente não aguenta mais. Perde duas horas em seu carro para ir da casa dele ao escritório e mais de duas para voltar. Para a distância que percorre entre os dois pontos seriam necessários no máximo 20 minutos caso o trânsito fluísse normalmente. Além do que de tempos para cá o parente anda assustado: esteve em meio a um tiroteio entre bandidos e um motorista de carro que reagiu à tentativa de assalto. Com mulher e filho pequeno dentro do carro o parente chegou a pensar que talvez não saíssem vivos da inusitada situação em que se encontravam.
O problema dos paulistanos é a ausência de perspectivas de melhoras em curto e longo prazo. Para manter a economia em alta o atual governo estimulou o crédito e o comércio de carros. Resultou desse fato crescimento significativo da frota de veículos que entopem as ruas da cidade. Agora o novo prefeito decide estimular o transporte público, criando faixas exclusivas para os ônibus. A medida é interessante, mas reduz dramaticamente a área de circulação dos demais veículos. Na cidade habitualmente congestionada ocorre a congestão do trânsito. As pessoas simplesmente não podem optar pelo transporte público porque ele é deficiente e não atende todas as regiões que dele necessitam. O metrô é pequeno demais para uma cidade tão grande. Resta aos proprietários de veículos a utilização deles para ir e voltar ao trabalho.
O imbróglio atualmente existente em São Paulo dá o que pensar. Como resolvê-lo? No passado alguns diretores de trânsito conseguiram amenizar os problemas de suas épocas adotando medidas inteligentes. Hoje, talvez, nenhuma inteligência seja suficiente para dar conta de um número excessivo de veículos, motos, bicicletas, faixas exclusivas, transporte urbano precário e metrô com capacidade inferior às necessidades da população.
O prefeito diz que as pessoas terão que desistir dos carros e apelar para o transporte público. Seria bom caso fosse simples. O que não dá é para ficar horas preso dentro de veículos, esperando que um milagre aconteça para desatar os nós do trânsito.
Mas, não é por isso tudo que deixaremos de amar a nossa querida São Paulo.
Abraço de urso
Tempos atrás assisti a um filme daqueles que nos fazem encolher na cadeira. O roteiro girava em torno da queda de um avião numa região gelada, restando sobreviventes. Além de enfrentarem o frio terrível os sobreviventes tinham pela frente outro desafio: escapar da horda de lobos ferozes que os cercava. Todo o filme gira em torno do desespero dos sobreviventes tentando retornar à civilização, sempre vigiados pelos lobos que os devoram um a um.
Morei em casas, no interior, onde aranhas eram comuns. Eventualmente tive contato com escorpiões e cobras. Certa noite cheguei a casa onde morava e meus filhos desceram do carro. Um deles estava junto à porta da cozinha quando reparei na presença de uma cobra coral verdadeira bem perto dele. Segurei como pude a minha aflição, instruindo o menino a se afastar devagar. Só depois me animei a espantar a cobra do lugar com auxílio de um pau. Nunca me esqueci da terrível sensação de estar exposto à ação de um animal venenoso.
Vez ou outra acontece o ataque de ursos polares em acampamentos dos EUA e do Alaska. Ouvi pelo rádio do carro que ontem aconteceu um ataque desses aos turistas. Imagino o terror de ver-se frente a frente com um enorme urso, animal perigosíssimo e extremante forte. De abraço de urso não se escapa.
Um meu parente já falecido tinha estranha afinidade com ursos. Não sei dizer por que, mas o parente associava a figura de ursos a traições. Certa vez candidatou-se ele numa eleição municipal de cidade pequena, mas foi derrotado porque o padre local fez campanha para o candidato adversário. Desde essa ocasião o parente ao se referir ao padre tratava-o como “urso”. Mais: quando sonhava com o padre arriscava no jogo do bicho, empenhando o dinheiro no “23” que é o número do “urso”. Até que certa vez as musas ouviram seus reclamos e o atenderam: deu urso no primeiro prêmio e o parente encheu os bolsos com o dinheiro que recebeu.
Segundo entendidos ursos atacam quando se sentem ameaçados ou para proteger seus filhotes. Também atacam quando pressentem disputa por alimentos. Sendo animais imprevisíveis recomendam-se cuidados como o de deixar alimentos longe de acampamentos, procurar sinais de ursos e fazer barulho. Falar, usar spray de pimenta e defender-se figuram entre saídas para o caso de um ataque desses animais.
Ao meu amigo
Por acaso revi um amigo a quem estimo muito. Falava ele sobre a imigração italiana na cidade de São Paulo. A fala fora inserida em meio a um noticiário da TV Globo News. Revi, portanto, o meu amigo num programa de televisão e me perguntei por que raios não nos temos falado há tanto tempo.
Tínhamos o costume de almoçar juntos cerca de quatro vezes ao ano. Como sempre o almoço era marcado para o centro de São Paulo, o velho centro de que gostamos tanto.
“Centros velhos de cidades, ainda que decadentes, preservam a fisionomia do passado. Existe um enigma, espécie de auréolas, em torno dos antigos prédios, as quais de um momento para outro podem ressuscitar atmosferas de outros tempos em toda a sua plenitude. De fato, não é impossível que de repente as ruas centrais cedam lugar à passagem de antigas gerações de pessoas que pisaram no mesmo solo no qual hoje seguimos. Nada morre de verdade nos velhos centros das cidades.”
Depois que revi o meu amigo na TV perguntei-me por que não nos temos falado, justamente nós a quem nunca falta assunto dado que nossas conversas sempre foram intermináveis. Mas se me basta apenas pegar o telefone, discar um número e eis que do outro lado soará a inconfundível voz do amigo…
Atribuo a culpa da minha ausência ao tempo que passa. Na complexa travessia de nossas vidas nesse louco mundo aos poucos nos descobrimos avarentos em relação às palavras. Há quem diga que a transição para o silêncio começa devagar e prossegue lenta e perigosamente. De todo modo aprende-se a não dizer, a evitar comentários que antes faríamos apenas pelo gosto de jogar conversa fora. Talvez por isso eu tenha me afastado de tanta gente de quem tenho saudades.
Escrevo com a pretensão de que o meu amigo algum dia leia esse texto. Tenho a certeza de que ele entenderá as razões da minha prolongada ausência, até porque, se bem o conheço, acontece a ele agora o mesmo que se passa comigo.
Da beleza
Afinal, é bom ou não ser bonito?
Dirão que ser belo(a) só pode ser muito bom. A beleza abre portas, cria oportunidades, encanta. Homens bonitos são estimados pelas mulheres, atraem a atenção feminina, chegam a ser disputados. Belas mulheres sempre foram um colírio para a comunidade masculina. Beleza de rosto associada a formas sensuais compõem figuras irresistíveis aos anseios da massa masculina. Não por acaso as revistas semanais e mensais expõem, nas suas capas, belas mulheres, embora se saiba que toda aquela perfeição não existe. Recorre-se à ajuda do amigo Photoshop para corrigir alguns detalhes que contrariam a perfeição que se pretende vender através das imagens. Daí muita gente dizer que mulher de verdade não é a gostosa da revista, mas aquela que se tem em casa, essa verdadeiramente natural e sem a perfeição garantida por programas de computador.
Entretanto, se beleza é fundamental ela nem sempre é tão bem recebida. Não se pode negar que a beleza desperta invejas e maldizeres, isso para não falar em assédios nem sempre benvindos. Quem não conhece pessoas bonitas que não são bem recebidas entre colegas de trabalho, justamente pela boa aparência? Alguém já escreveu que o feio não gosta do belo, não se dá bem com ele que, involuntariamente, desperta comparações. Não é este o caso de dois filhos de um mesmo casal, um muito bonito, o outro nem tanto? E não existe aquela pessoa que se aproxima das crianças e elogia muito a beleza de uma, simplesmente ignorando a presença da outra?
Entretanto, não há o que discutir: a beleza é bom atributo e sorte de quem é bonito. Mas, mesmo a afirmação anterior tem suas contrapartidas. Deixando de lado os princípios de avaliação sobre se alguém é bonito ou não, esquecendo-se das diferenças populacionais - o belo daqui, nem sempre é considerado belo lá – ainda assim alguém pode ser muito prejudicado justamente por sua beleza. Hoje se noticia que no Irã uma jovem venceu eleições para o cargo de vereadora, ficando em 14º lugar entre 163 candidatos. Entretanto, a moça não poderá assumir o cargo político apesar de ter sido eleita para ele: os votos dela foram anulados por ser ela… “bonita demais”. Isso mesmo: não querem uma mulher muito bonita circulando nos prédios públicos iranianos. Assim, sem mais, anulam-se os votos legalmente recebidos e o mundo continua girando como se nada tivesse acontecido.
Minha mãe tinha um jeito particular de analisar a beleza das pessoas. Quando alguém da família ia se casar e perguntava-se a ela se a pessoa com quem o parente contrairia matrimônio era bonita ela ficava entre “bonito(a)” e “um tipo de beleza” Esse “um tipo de beleza” era o modo gentil dela de dizer que cada pessoa tem o seu encanto, tanto que se arranjara com alguém para se casar.
Ainda acho que o tal “um tipo de beleza” figurava como eufemismo no discurso de minha mãe para não dizer que a pessoa era feia. Mas, nunca perguntei isso a ela.