Arquivo para agosto, 2013
Sobre um crime
Fala-se muito e se falará durante bom tempo sobre o caso da família chacinada na Vila Brasilândia, São Paulo. Pai, mãe, um filho de 13 anos, a avó dele e mais uma mulher foram mortos a tiros. O pai e a mãe eram policiais e consta que dormiam no momento em que foram mortos. Até agora se acredita que o filho – menino de 13 anos de idade – tenha sido o criminoso, tendo se suicidado após a chacina.
Familiares e pessoas que conheciam o menino duvidam de que ele fosse capaz de tanto, dado que tinha relações afetuosas com o pai e a mãe. Por outro lado sabe-se que o menino sabia atirar e dirigir, tendo sido ensinado pelo pai. Há, também, o depoimento de outro garoto, colega de escola, que garante ter ouvido do menino que cometeria a chacina e depois fugiria.
Existe, também, a turba formada por jornalistas, cronistas policiais, ex-policiais, delegados, psicólogos, sociólogos, enfim muita gente que se arrisca a fazer leituras e suposições sobre o lamentável fato.
De todo modo, o crime da Brasilândia incomoda. Tanta celeuma em torno das mortes acontece justamente porque incomoda. Quer-se a todo custo esclarecer os fatos porque só então os cadáveres estarão realmente sepultados. Olha-se para fotos do menino abraçado ao pai e não se vê na face bonita e feliz nenhum resquício do perigoso assassino que teria consumado os crimes. Torna-se difícil acreditar que um moleque de 13 anos teria sido capaz de tamanha atrocidade cujo final roubou a sua própria vida. Daí levantarem-se hipóteses de que a cena do crime teria sido preparada, sendo produzida por pessoas especializadas que a teriam montando de modo a não existirem dúvidas sobre os fatos ocorridos na casa. Mas, essa é só uma das linhas de raciocínio que se ouvem nos programas de rádio e televisão.
Seria muito conveniente se alguma hipótese que livrasse o menino de culpa viesse a ser confirmada. Não se pode negar que o parricídio e o matricídio impressionam muito, afetam o modo como se encara a vida familiar e gera desconforto na relação sagrada entre pais e filhos. A ter praticado o crime o menino logrou infringir um dos pilares que mantêm estável a sociedade.
Como se vê o bate-cabeças a que assistimos diariamente tem suas razões de ser. Mas, é preciso enterrar logo essa história, acomodá-la ao passado para que a vida siga dentro da lógica de sempre.
Em tempos de embargo infringente
Acredito que muita gente não saiba o que venha a ser “embrago infringente”. Desconhecedor das letras jurídicas esse tipo de embargo não fazia o menor sentido para mim até que li na coluna do jornalista Janio de Freitas que “trata-se de um recurso de defesa para a repetição de determinado julgamento em razão do apertado escore quando votado”. No mensalão aconteceram alguns 5 a 4, daí as defesas partirem para os embargos infringentes que podem até resultar na redução de penas para alguns dos condenados pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF).
Tem aparecido na TV uma fala do presidente do STF, Joaquim Barbosa, na qual ele se refere ao fato do Supremo ter que decidir sobre um julgamento feito por ele mesmo dado não existir instância superior. Situação essa no mínimo curiosa.
O que o homem das ruas se pergunta é se toda essa intrigante situação não acabará resultando no livramento da prisão de pessoas condenadas pela mais alta corte do país. Não se esconde que existe certo receio de que no final das contas tudo acabe resultando em pizza por conta das brechas decorrentes dos meios de defesa disponíveis.
O perigo de uma mudança em sentenças comemoradas popularmente dado que se sentiu que a lei existe também para os poderosos é o de que se perca de vez o restante de confiança que se tem no Judiciário brasileiro. Na verdade esperava-se que os responsáveis pelo mensalão, condenados pelo Supremo, a essa altura já estivessem cumprindo as penas a eles atribuídas. Mas, nesse ponto, também não se pode negar a eles os direitos a recursos previstos em lei. Se hoje em dia um homicida consegue até responder ao crime que praticou em liberdade por que não se dariam aos mensaleiros direitos de defesa até que se esgotem?
De modo que fica-se à espera de que a justiça seja feita. A mais alta corte do país é formada por juristas de renome, altamente capacitados, dos quais se espera serenidade e o cumprimento da lei. Mas se sairmos às ruas e perguntarmos o que se espera do STF certamente se constatará que a maioria aguarda o cumprimento das penas anteriormente atribuídas aos responsáveis pelo mensalão.
O ruido das teclas
Tom Hanks escreve sobre sua preferência pelas velhas máquinas de escrever em relação aos modernos computadores, ipods e afins. A questão primordial relaciona-se ao ruido provocado ao bater nas teclas. De fato os computadores nem de longe possuem o encanto das antigas máquinas capazes que sáo de gerar verdaeiras sinfonias ruidosas aos ouvidos de quem as toca. Já li sobre escritores que não conseguem abandonar as velhas máquinas de aço. Para esses nem pensar em teclados de computadores, apesar das enormes facilidades de edição que oferecem.
Escrevi livros inteiros com a minha velha Parker 51. Tinteiro e maraborrão à mão, o diabo era quando numa página esscrita existiam erros: era preciso reescrevê-la de cabo a rabo muitas vezes para mudar um simples parágrafo.
Depois, comprei uma Remington, mas confesso que sempre fui mau datilógrafo. Daí que recebi muito bem a chegada dos primeiros editores de texto, embora as dificuldades iniciais de acentuar as palavras em português. No velho WORDSTAR eram necessários muitos dedos nas teclas para conseguir um simples circunflexo. Depois as coisas evoluiram e hoje dispomos de tudo o que qualquer pessoa pode precisar para digitar um texto - além de impressoras boas e baratas para a impressão imediata.
Creio que tudo isso possa parecer conversa de saudosista. O fato é que não me conformo com a impressão de que os recursos tecnológicos hoje disponíveis sempre existiram. De repente parece que o mundo sempre foi como é agora e não tivessemos passado.
Imagino como serão as coisas daqui a vinte, trinta naos, ou mais. Quem sabe se não bastará olhar para uma tecla e a letra aparecerá na tela de um dispositivo muito avançado em relação aos que hoje conhecemos. Então creio que poderá até ser crime falar sobre as antigas máquinas de escrever.
Retorno à civilização
Tem aquela história muito repetida do sujeito que tenta convencer um índio que está pescando de que é bom trabalhar, ganhar dinheiro, progredir, e mais tarde aposentar-se para, enfim, gozar de coisas como uma boa pescaria.
Há quem sonhe com uma vida tranquila, longe dos problemas do dia-a-dia que normalmente enfrentamos. Conheci um sujeito, já morto, que certa vez decidiu ir aos EUA e se complicou para obter o visto. Acontece que entre os documentos exigidos pela embaixada dos EUA figurava o da declaração de Imposto de Renda que o sujeito não tinha. Quando ele me disse que nunca declarara o IR perguntei sobre a razão dessa decisão, ao que ele respondeu:
- Eu nunca quis isso para mim.
Desde essa ocasião fiquei com a sensação de que, afinal, para fazer ou não parte do mundo que me cerca basta querer ou não querer. O tal sujeito tinha casa, carro e trabalhava sem nunca ter sido registrado. Recebia por fora, não declarava nada e sabe-se lá como conseguia comprar e vender propriedades. Mas, dizem que no Brasil tudo é possível, coisa que também não reúno qualificações para discordar.
Agora, surgem esses dois vietnamitas – pai e filho – que reaparecem após passarem 42 anos – isso mesmo, 42 anos - vivendo numa floresta. Os dois fugiram na época da Guerra do Vietnam após a casa em que viviam ter sido bombardeada, tendo ocorrido mortes de alguns dos parentes. Outro filho do homem que vivia na floresta tentou por várias vezes convencer ao pai e ao irmão para que retornassem á civilização. Eles sempre se negaram até que agora, estando o pai com mais de 80 nos de idade e muito fraco, finalmente se rendeu.
Não se trata de caso único. Se bem me recordo anos atrás foi encontrado um japonês que se refugiara numa floresta ao tempo da Segunda Guerra Mundial. Quando reapareceu o japonês ainda supunha que a guerra não havia terminado por esse fato podendo-se fazer ideia do nível de isolamento em que vivera por décadas.
Estar ou não no mundo talvez possam realmente tornar-se opções para pessoas cujas índoles escapam ao nosso modo gregário de viver. Isolar-se ao extremo, abdicando do contato com seus semelhantes e viver décadas em condições primitivas é incomum. Seria interessante investigar o ponto de vista de pessoas que escolheram esse modo de vida e a percepção que passam a ter agora do mundo do qual se subtraíram.
Vem-me à memória o grande livro “Walden” do escritor norte-americano Henry Thoreau . Naturalista, historiador, filósofo e crítico da ideia de desenvolvimento, aos 27 anos o escritor foi viver isolado perto do lago Walden onde escreveu sobre a vida simples, cercado pela natureza. Entre outros trabalhos Thoreau publicou o ensaio “Desobediência Civil” que ele entendia como forma individual de se opor a um estado injusto.
Thoreau foi um gênio que influenciou gerações de escritores e ainda hoje é lido em todo o mundo. Não se satisfazia com o modo como as pessoas viviam e passou muito tempo meditando sozinho em florestas.
Falha moral
Há seis anos recebia-se com espanto a notícia de que o rabino Henry Sobel fora flagrado roubando gravatas numa loja de Miami. Do rabino, conhecido pela retidão e decisões arrojadas como no caso da permissão de que o enterro do jornalista Herzog fosse realizado entre outros judeus, esperava-se tudo, menos um ato da natureza do que foi noticiado.
Na ocasião o rabino veio a público para desculpar-se, atribuindo o ato ao uso de medicamentos fortes que estava tomando. Agora, anos depois, Sobel confessa que na época foi montada por amigos uma versão explicativa no sentido de preservar a sua imagem. Entretanto, ele agora se sente em paz para dizer a verdade, atribuindo o ato praticado em Miami a uma “falha moral”.
Pois bem me lembro de que anos atrás os supermercados etiquetavam os preços nos produtos colocados à venda nas bancadas. Na época não se dispunham das facilidades tecnológicas como o uso de câmaras que permitem observar tudo o que acontece no interior das lojas. Daí que era muito comum se ver pessoas trocando etiquetas de produtos, obviamente visando pagar preços mais baixos ao passarem pelos caixas. Aquilo era constrangedor e vez ou outra algum cliente, surpreendido em ato de “falha moral” por algum funcionário de segurança, era levado à gerência.
Sempre me perguntei se as pessoas que trocavam etiquetas não passariam de faltosos ocasionais. Será que aquelas mesmas pessoas acaso tivessem oportunidade não seriam capazes de crimes maiores? Ou seria que uma “mudancinha” no preço de um produto não passaria de um pecado venial, moralmente aceitável dado vir a ser pouco significativo? Ou crime é crime, transgressão é transgressão, não importando o tamanho da ação?
Não me atrevo a continuar as minhas suposições de vez que para mim roubo é roubo e ponto final. Mas, fico curioso em relação a essa história de “falha moral”. Será ela momentânea, episódica, ou revelará a verdadeira natureza de quem sucumbe aos apelos de algum tipo de transgressão?
O fato é que a tal “falha moral” mais parece uma justificativa utilizada para amenizar condutas indesejáveis. Tempos atrás o todo poderoso chefe do FMI, Strauss-Khan, ficou retido nos EUA acusado que foi de tentativa de estupro de uma camareira de um hotel. O estardalhaço em torno do caso foi enorme. Strauss-Khan era na época o principal concorrente de seu partido para as eleições presidenciais que se realizariam na França e dizia-se que teria grandes chances de se sair vencedor. A relação com a camareira custou a Strauss-Khan muito caro, dado que teve que renunciar ao cargo de diretor do FMI e não pode seguir adiante na luta política francesa. Algum tempo depois, livre da acusação de estupro que não se conseguiu provar, Strauss-Khan pode sair dos EUA e disse que a camareira mentiu. Entretanto, admitiu ter se relacionado sexualmente com ela, atribuindo esse seu ato a uma “falha moral”.
Talvez seja o caso de fazermos um profundo exame de consciência para verificar se ao longo de nossas vidas não teríamos praticado atos que poderiam ser justificados por algum tipo de “falha moral”.
Grandes crimes
De tempos para cá não se passam semanas sem que ocorra um crime que estarreça a opinião. A coisa de um mês um bandido atirou na cabeça de um garotinho boliviano, matando-o. Crime bárbaro, injustificável, animalesco. Antes dele houver o caso do dentista queimado vivo por ladrões e, cerca de um mês antes, o terrível assassinato da dentista queimada viva em seu consultório.
Agora surge ocaso de um casal de policiais assassinados dentro da casa deles. Mortos, também, o filho do casal de 13 anos e mais duas senhoras que moravam no mesmo lugar.
Para a polícia o menino teria sido o autor dos disparos, matando os pais, as duas mulheres - uma delas avó dele - depois se suicidando. Há imagens do menino perto da escola onde estudava e acredita-se que ele tenha levado o carro do pai, encontrado estacionado longe da casa onde moravam.
Mas, há quem discorde da versão dada pelos policiais. Pessoas que conheciam o menino juram que ele seria incapaz de matar. Por outro lado um amigo de escola relata que o menino sonhava matar os pais e fugir com o carro para viver num lugar distante. Queria ser um matador profissional.
Eis aí um crime que chama a atenção. Pertence ele à galeria dos grandes crimes cuja ocorrência parece obedecer uma espécie de periodicidade. Trata-se de casos que abalam a opinião e nos fazem repensar o mundo em que vivemos.
Triste que alguns desses crimes permaneçam sem explicação e, pior, muitos em que os marginais que os praticaram permaneçam impunes.
O que nos atrai nos crimes tenebrosos é a necessidade de que sejam não só esclarecidos como explicados. Por trás de cada um deles existe uma mente criminosa que nos desafia.
E o Jacaré?
Dias atrás reencontrei um amigo a quem não via desde os tempos do ginásio. Cinqüenta anos passados veio ele com sua aparência de papagaio. Na hora me lembrei dele, na verdade do apelido antes do nome. Chamávamos a ele de Papagaio com o que, ao que eu me lembre, ele não se incomodava. Mas, não tive jeito de chamá-lo pelo apelido, sabe-se lá como ele reagiria.
Na minha infância conheci um dono de cartório a quem todo mundo chamava de Jacaré. Aliás,não só a ele como ao seu estabecimento de negócios. Ia-se ao Jacaré para escrituras, certidões e toda a papelada de cartórios. Para mim ele sempre foi o “seo” Jacaré. Esse Jacaré foi vítima de um derrame que o impediu de continuar com o cartório. Recuperado e voltando a trabalhar ele se deu conta de que perdera “apenas” a capacidade de lidar com números. Todo o restante fora preservado em seu cérebro, mas os números…
Vi nos jornais que encontrarm no Brasil o fóssil de um jacaré que viveu aqui a milhões de anos. Era muito feio o tal jacaré, com uma mandíbula longa e fina na ponta. Deve ter sido um predador feroz e seu aspecto meteria medo caso ainda se encontrasse em nosso mundo. Talvez para amenizar o horror provocado pelo seu ancestral hoje se publicou a foto de um simpático jacaré albino que vive no aquário de São Paulo. Não se explicou do que sofre o albino, mas na foto ele está, graciosamente, sendo submetido a uma sessão de acupuntura.
Ao tempo da minha infância nunca me dei conta do porque chamavam de Jacaré ao dono de cartório. Pois tinha ele todo o jeitão desse jacaré albino que vi no jornal. Pelo que se conclui que a maldade humana é infinita e não se perdoa nem mesmo às pessoas que, por sorte ou azar, se assemelhem a animais.