2013 outubro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para outubro, 2013

No mundo da dança

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Meus pais sabiam dançar. Gostavam de festas e vez por outra a casa se enchia para algum tipo de comemoração. Na sala havia uma radio-vitrola na qual tocavam-se discos 78 RPM. Eram os anos 50 e os LPs ainda eram raros. Lembro-me de meu irmão trazendo um toca-discos importado, explicando que nele poderiam ser tocados LPs com mais de uma música gravada.  Os LPs, discos de vinil, dominaram até os anos 80 quando surgiram os CDs. Hoje em dia verifica-se retorno ao vinil em busca de melhor qualidade de som.

Meus pais dançavam ao som dos poucos discos que tinham. A certa altura meu pai afastava a mesa do centro da sala, abrindo espaço para os passos da dança. Os dois gostavam do tango e músicas interpretadas por gente como Orlando Silva.

Nunca soube dançar, talvez por isso eu não seja muito afeito a musicais. Obviamente, é impossível não se render à beleza de grandes musicais como os apresentados na Broadway que agora vem sendo encenados aqui. Também o cinema tem-nos brindado com musicais fantásticos. Como não gostar do “Fantasma da Ópera”? Ver Gene Kelly, Fred Astaire e Ginger Rogers dançando é, ainda hoje, um colírio para os olhos.

Entretanto, há que se lembrar de que a indústria do cinema nem sempre respeita limites. Houve época durante a qual os cinemas foram inundados por musicais de qualidade inferior. Trocavam-se, simplesmente, falas por cantorias. O sujeito estava dentro de seu apartamento, atendia ao telefone, falava, desligava e, do nada, saia cantando algo que para nós não parecia ter qualquer significado embora as legendas nos ajudassem.

Importa, também, lembrar de que grandes standards musicais até hoje muito executados foram compostos para servirem como trilhas sonoras de filmes ou peças teatrais. Nomes como os de Cole Porter, Irving Berlin e George Gershwin são responsáveis por boa parte das músicas que amamos.

Se tivesse que escolher um musical como o que mais me agradou sem dúvida elegeria “West Side Story” aqui traduzido por “Amor, sublime amor”. Assisti ao filme baseado no musical da Broadway. Inesquecível a disputa entre os rapazes dos “Jets” e dos “Sharks”, a beleza de Natalie Wood no papel de Maria e a incrível trilha sonora do maestro Leonard Bernstein. Oscar Peterson gravou as músicas de “West Side Story” num disco que tem o mesmo título. “Tonight” é lindíssima e vale a pena ouvi-la ao som do piano de Peterson.

Finalmente, não dá para não citar as cenas gravadas pela minha retina de menino, nas quais meus pais dançam na sala de uma casa que já não existe. Para os meus olhos de menino eram de grande beleza aquelas cenas de um musical comandado por discos de 78 RPM. É assim que gosto de me lembrar de meus pais, encontro-me com eles e os deixo dançando num baile sem fim.

A “Breganha”

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“Breganha” é o nome dado a uma feira de trocas que se realiza aos sábados de manhã em ruas próximas ao mercado de Taubaté. Não sei dizer como as coisas se passam lá atualmente, nem mesmo se a “Breganha” ainda se mantêm com o mesmo movimento. Há muitos e muitos anos não vou a Taubaté, cidade onde morei ao tempo em que cursava o Científico. Para quem não sabe o atual Ensino Médio era dividido em dois cursos com duração de três anos cada um: o Clássico e o Científico. Direcionavam-se, assim, as carreiras dos estudantes segundo as áreas de seus interesses futuros quanto à formação profissional.

A “Breganha” consiste numa espécie de vale-tudo em relação a mercadorias. Ali é possível comprar ou trocar o que quer que seja. Há artigos bons e muita coisa que pode ser classificada como simples lixo. Rádios velhos, televisões usadas, móveis de todo tipo, bicicletas, peças, engrenagens, motores, pneus, enfim tudo o que se possa imaginar em termos de coisas usadas, muitas delas simplesmente inúteis.

De tudo o que se vende e troca na “Breganha” o que mais me chamou a atenção numa das vezes em que apareci por lá foi a banquinha de um sujeito que vendia dentaduras. Isso mesmo: dentaduras. Dirão que isso é impossível porque se existe uma coisa realmente pessoal neste mundo isso é uma dentadura. Afinal, dentaduras são feitas segundo moldes produzidos a partir das gengivas dos interessados. Pequenas imperfeições incomodam muito, ferem as gengivas, provocam dor e tornam impossível a mastigação. Aliás, conversei sobre isso com um dentista, perguntando a ele se seria possível uma pessoa se adaptar a uma dentadura produzida para outra. Ele se mostrou cético embora afirmando que impossível não é. No fim as coisas se ajustam, mas isso depois de grandes sofrimentos.

Pois vi pessoas banguelas experimentando dentaduras na barraquinha da “Breganha”. As dentaduras mantidas dentro de copos com água saíam dali diretamente para a boca dos que queriam testá-las. Uma senhora experimentou algumas e por fim optou por uma delas. Não me recordo do preço. Sei que a pechincha é uma regra no lugar daí quem vende sempre pedir um pouco acima.

Até hoje me pergunto como deve se sentir alguém que carrega na boca a dentadura que serviu a outro. Disseram-me que boa parte das dentaduras vendidas na “Breganha” tinha pertencido a pessoas que morreram. Agora serviriam para ajudar a mastigação de outras pessoas fato que me fez raciocinar se nãos seria caso de dentaduras fazerem parte de espólios, passando de pais a filhos.

Sou levado a falar sobre a “Breganha” e dentaduras porque leio que cerca de 30 mil objetos foram esquecidos no metrô de São Paulo em 2013. Trata-se de objetos variados entre os quais figuram dentaduras. Não deixa de ser curioso o fato de que alguém consiga perder sua dentadura no metrô. Como isso pode acontecer?

Não tenho ideia de como andam as coisas no mundo das dentaduras. Quem sabe com o acesso a tratamentos dentários tenha diminuído a perda de dentes e as dentaduras já não sejam corriqueiras como no passado. Isso sem falar no implante de dentes.

Conheço um homem que usa dentadura e se diverte contando que, para dormir, a deixa dentro de um copo com água sobre o criado-mudo de seu quarto. Não sei se de fato isso acontece. Mas, me lembro de um rapaz, meu parente, que ganhou um reló é,comércio de dentaduras usadas, feir gio à prova d´água e toda a noite o colocava dentro de um copo com água durante as horas de sono. Fazia isso para utilizar o recurso agregado ao relógio. Esse rapaz tinha outros repentes, mas isso já é outra história.

Escrito por Ayrton Marcondes

30 outubro, 2013 às 11:16 am

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Postado em Cotidiano

Crimes hediondos

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Não sei se existem regras suficientes para classificar um crime na categoria de hediondo. Leio que para ser hediondo um crime não precisa ter sido cometido com crueldade e nenhuma compaixão. Segundo a lei nº 8.072/90 trata-se de crimes que merecem reprovação por parte do Estado. São aqueles mais graves, capazes de causar aversão e revolta.

Atualmente é tamanha a variedade de crimes praticados rotineiramente que fica difícil decidir se esse ou aquele é hediondo ou não. Nesta semana um sujeito deixou uma mala na calçada, defronte a portaria do prédio onde mora. Horas depois um carrinheiro interessou-se pela mala, mas, devido ao peso, decidiu abri-la antes de levá-la. Aberta a mala o carrinheiro deu com o corpo de uma mulher cortado em pedaços. Não se demorou a descobrir que se tratava da mãe do sujeito que deixara a mala na calçada. Mãe e filho moravam juntos. O filho, homem entre 30 e 40 anos de idade, nunca trabalhou. Matou a própria mãe, livrou-se do corpo dela deixando-o na calçada.

Semana passada encontrou-se o corpo de uma mulher dentro da geladeira, no apartamento em que morava. A mulher não tinha ainda 40 anos de idade e era executiva de uma empresa. No corpo dela marcas de violência, inclusive na área genital. A filha desconfiou do desaparecimento da mãe que não atendia ao telefone. Quando foi até onde a mãe morava deparou-se com o cheiro de matéria em decomposição. O requinte do assassino incluiu o ato de esvaziar a geladeira para poder encaixar o corpo.

Poderia passar o dia relatando casos de mortes violentas, estupros, assassínios de crianças, suicídios, execuções, torturas etc. Acontecem a toda hora. Muitos desses crimes são hediondos, revoltam e nos trazem sentimento de impotência.

Nunca tive medo de sair de casa, andar nas ruas, nem de ficar parado dentro do carro por conta do trânsito. Confesso que tenho me tornado um tipo temeroso. Confiro bem as portas de casa antes de me deitar e me preocupo com os meus filhos que circulam nas cidades.

Tanta violência!

Prestação de serviços

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Acabo de saber da morte de um velho pedreiro que atuava na minha cidade natal. Tinha um defeito na mão direita, resultado do impacto de materiais pesados sobre os dedos. Mas, isso não o impediu de continuar trabalhando, aliás, parece ter-se aprimorado em sua arte com o passar do tempo.

Certa vez construí uma casa e o serviço foi realizado por um sujeito alto que tinha atrás de si toda uma equipe de trabalho. Terminada a obra recebi a visita do pedreiro de minha cidade que me perguntava por que eu o preterira na construção. Não tive o que dizer a ele, profissional competente e confiável que era. Na verdade a obra correra por conta de um administrador que selecionara o sujeito alto. Ficou nisso.

Ouço e leio que no Brasil há falta de mão-de-obra especializada. Vejo na TV propagandas estimulando pessoas a frequentar cursos técnicos, especializando-se em vários tipos de serviços. Na prática o que se vê é muita gente que pode ser taxada de “curiosa”. O profissional é meia-boca, despreparado para atender a problemas graves. Tempos atrás um vazamento na área de serviço e meu apartamento deu muito trabalho. Para começar as reclamações constantes do vizinho de baixo que se dizia torrencialmente inundado pelas montanhas de água que desciam pelas paredes. Obviamente exagero, mas que fazer? Pois veio um encanador recomendado que, pelo visto, não tinha a menor ideia de como resolver o problema. Ainda bem que o fiz parar a tempo, antes que destruísse toda área de serviço. Um segundo encanador localizou facialmente o vazamento, abriu a parede, trocou umas peças de encanamento e agora eu e meu vizinho estamos em paz.

Esse assunto pode parecer banal, mas não é. Falo sobre isso porque com frequência precisamos de suporte/socorro de profissionais capazes de solucionar pequenos problemas. A regra é cobrar caro, mas sem garantias quanto à qualidade dos serviços. Acho que todo mundo tem pelo menos uma história a relatar sobre esse tipo de coisa que tanto nos atormenta. Desde o cara da oficina que não deixa o carro no ponto certo ao eletricista que esquece um fio desencapado tem-se todo um contingente de profissionais não habilitados para os serviços que prestam.

Por essa razão creio ser muito importante o empenho dos governos em oferecer oportunidades que permitam a especialização da mão-de-obra. Ganham as pessoas que precisam dos serviços, ganham os prestadores, ganha o país.

Não escreveria sobre isso não fossem os problemas que tenho enfrentado em relação às necessidades de prestação de serviços.

Papagaio de pirata

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Há quem dê até a própria vida para aparecer. Conheço um cara que é adepto do bloco “eu mesmo”. Para ele tudo é ele, é o que “eu fiz”, “eu construí”, não existe nada além dele. Não perde oportunidade para discursar, alonga-se nas palavras sempre tendo o cuidado de incluir algumas citações que demonstrem sua cultura. Fulano de tal disse, não-sei-quem declarou, o filósofo grego tal preconizou… e por aí vai.

Há quem faça de tudo para marcar presença junto a poderosos e importantes, embora ele mesmo não passe do suprassumo da não importância. No Brasil há do Beijoqueiro que aparece de repente nos lugares mais inusitados com a missão específica de agarrar e beijar celebridades. A carreira do Beijoqueiro teve início em 1980 quando beijou nada mais, nada menos, que Frank Sinatra. Seus lábios estiveram nas faces de Roberto Carlos, Leonel Brizola, Sara Kubistchek e muitos outros. Tal o compromisso do Beijoqueiro com sua atividade que foi necessário mantê-lo preso quando o papa João Paulo 2º esteve em visita ao país.

Notório, também, o “papagaio de pirata”, alcunha utilizada para denominar conhecido personagem que se dedica a aparecer em companhia de gente importante, sendo ele ilustre desconhecido. Jaime Dias Sabino, o Jaiminho, foi vida afora um papagaio de pirata profissional. Sempre de terno e gravata Jaiminho foi fotografado ao lado de políticos e mesmo carregando a alça de caixão em enterros de celebridades. Era um grande figurante que aparecia em velórios com aspecto consternado, dirigindo-se aos familiares do morto para cumprimentá-los. Embora muitas vezes taxado como inconveniente, Jaiminho conseguiu ser fotografado em palanque ao lado de Brizola e Darcy Ribeiro e outras vezes com celebridades.

Conheço um cara - não sei se ainda está vivo - que no dia da morte de Vinicius de Moraes mostrou-se muito consternado em seu ambiente de trabalho, dizendo que acabara de perder um grande amigo. Ato contínuo pegou o telefone e ligou para o Rio, sendo atendido pela filha do poeta morto com a qual conversou longamente, lamentando a perda do amigo. Infelizmente o telefone no qual o meu conhecido falava - para todos ouvirem, aliás - tinha extensão de modo que se verificou que na verdade ele não falava com ninguém, tratava-se de um monólogo com a intenção de impressionar os presentes.

Mas, Jaiminho, finalmente morreu e teve o seu velório ao qual nenhuma celebridade compareceu. Acompanhado por oitenta pessoas o “papagaio de pirata” foi enterrado, merecendo ser notícia nos jornais. Está vago, portanto, no país, o ofício de intrometer-se ao lado de pessoas importantes para ser fotografado ao lado delas.

Escrito por Ayrton Marcondes

26 outubro, 2013 às 2:08 pm

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Na capital do Polo Norte

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A cidade chama-se Murmansk e localiza-se no noroeste da Rússia. É conhecida como “capital do Polo Norte” porque lá as temperaturas em janeiro e fevereiro alcançam -30ºC. Nessa cidade estão presos os ativistas do Greenpeace, acusados de pirataria. Entre elas há uma brasileira que tem mobilizado a chancelaria do país em favor da libertação dela.

Na minha imaginação não existe no mundo pior inverno que o da Rússia. Atribuo essa impressão a Dostoievski e a Napoleão. Na minha juventude li o livro de Dostoievski aqui traduzido com o título de “Recordações da Casa dos Mortos”. Trata-se da história de um sujeito que conta sobre sua prisão na região da Sibéria. De Napoleão ficaram-me as imagens do exército francês em sua retirada da Rússia, sucumbindo ao inverno rigoroso.

Para mim a ideia de um lugar onde as pessoas se movimentam entre montanhas de gelo e neve só começou a mudar durante a realização das Olimpíadas em Moscou. De repente víamos na TV os russos, gente como a gente. Tanto que na ocasião um amigo comentou que os “comedores de gente” eram iguais a nós. Muito mais tarde apareceu o Gorbatchov que mudou a burocracia russa. A queda do muro de Berlim colocou ponto final na Guerra Fria, isso para alívio do mundo porque sempre pairava no ar a possibilidade de uma guerra total.

O Greenpeace advoga que os  ativistas presos na Rússia nada mais fizeram que um protesto. As autoridades russas falam em pirataria o que representa a possibilidade de penas de até quinze anos na prisão. Pode até ser que a acusação de pirataria seja mudada para vandalismo cuja pena máxima é de seis anos.  Quanto à possibilidade de que os ativistas recebam perdão isso parece fora de questão. É bom lembrar que os ativistas estão presos na Rússia, o mesmo lugar em que mulheres pertencentes a um grupo musical estão cumprindo pena de dois anos de reclusão. O crime delas foi dançar numa igreja em protesto contra o presidente Vladimir Putin.

Embora muita gente interceda - os ganhadores do prêmio Nobel pediram ao governo russo a liberação dos ativistas - parece que a situação dos presos não se resolverá sem condenações. Noticia-se que a brasileira presa em Murmansk está bastante apreensiva. Caso não venha a ser perdoada ela passará por um duro teste de sobrevivência numa cela de 10m² quando o grande frio do começo do ano vindouro começar. Mas. até janeiro quem sabe a pressão internacional logre conseguir algum tipo de benefício aos ativistas recolhidos á prisão na capital do Polo Norte.

Dentro do ringue

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Conheci um francês sobre quem nunca soube ao certo se o que ele contava era verdade ou não. Dava aulas de inglês, ganhava bastante, tinha um carrão no qual sempre se viam muitas moças. Comentava-se que o francês era mesmo levado da breca. Ele nunca explicou direito como viera parar no Brasil. De seu passado sabia-se apenas que fora lutador profissional de telecatch e que se alistara na Legião Estrangeira. Servira na África durante algum tempo antes de vir para o Brasil.

O francês era boa praça e de vez em quando tomávamos uma cerveja juntos. Numa ocasião perguntei a ele como se sentia dentro do ringue no tempo em que fora lutador. Explicou-me que as lutas de que participava eram combinadas. Era preciso saber lutar, ter força e agilidade. Os golpes recebidos tinham, sim, impacto. Mas eram recebidos por uma espécie de couro duro, acostumado a receber porradas. Ser golpeado, cair, levantar-se e revidar era tudo o que se esperava de um lutador num tipo de luta que reunia muita ação e teatralidade. Mas, que doía, doía. No dia seguinte, após uma exibição, ele tinha dores no corpo todo.

Sempre acompanhei lutas de boxe. Além de ataque, defesa, técnica e eficiência nos golpes o boxe é um tipo de luta no qual força, preparo físico e muito treino são necessários para que se tenha no ringue um bom boxeur. De vez em quando aparece alguém dotado de qualidades raras e se torna campeão dentro de uma categoria. O boxe é um tipo de luta na qual uma vez no ringue o sujeito depende só dele. As cordas que delimitam o quadrilátero funcionam como um bloqueio dentro do qual quem luta corre até mesmo o risco de vir a morrer.

Ainda não me acostumei ao UFC. Tempos atrás ouvi um dirigente desse tipo de luta dizer que não se trata de esporte violento. Difícil concordar com o dirigente. No último sábado tive a oportunidade de assistir à luta em que Cigano perdeu para o norte-americano e confesso ter desviado os olhos da telinha em alguns momentos. O rosto de Cigano transforma-se num rio de sangue e, ainda assim, ele continuava em pé, apanhando muito. No dia seguinte li que Cigano não se lembrava de ter lutado os últimos dois rounds, pensava ter sido nocauteado no terceiro.

Milhares de pessoas em todo o mundo se comprazem em ver dois homens lutando ferozmente. As lutas despertam instintos primitivos e provocam uma espécie de catarse. Entretanto, nem sempre as coisas terminam bem. Ontem um jovem lutador mexicano de boxe morreu em consequência dos golpes recebidos em sua cabeça numa luta em que foi nocauteado. Três dias antes de sua morte fora levado diretamente do ringue a um hospital onde foram diagnosticados coágulos em seu cérebro. Foi em consequência desses coágulos que o mexicano veio a falecer.

Dirão que são ossos do ofício. Não é tão simples assim.

No mundo dos famosos

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A mocinha sobe afoita no ônibus que mal para no ponto. Logo que entra abre um sorriso porque encontra a amiga. Sentam-se num mesmo banco e começam a falar, uma atropelando as palavras da outra.

Ninguém parece ouvir o que elas dizem. A maioria dos passageiros tem de meia idade para cima e se mostra indiferente a tudo que passa. Cidade grande despersonaliza, transforma gente em ilha, cada um carregando sua Cruz nessa vida de classe média baixa para a qual o governo sempre deixa no ar um traço falso de esperança.

A certa altura o motorista breca de repente e as pessoas são jogadas para frente. Por sorte ninguém viaja em pé senão teria sido um desastre. O motorista pragueja, pela janelinha grita imprecações ao cara da Kombi que o fechou, mas o Kombi não lhe dá atenção. Logo a Kombi dobra numa esquina e desaparece, ficamos nós e as vozes das duas mocinhas que falam e parecem nem ter notado a confusão.

O assunto delas é a vida dos famosos. Sabem tudo da gente da televisão, da turma que trabalha nas novela. Uma delas diz que está louca para saber o final da novela “Sangue bom” que acaba nesta sexta-feira. Nem pensar sobre a possibilidade da Amora se dar bem, ela tem mais é que pagar por tudo de mal que fez. De repente a outra, aquela que subiu no ponto, pergunta se a amiga sabe que a Grazzi deletou todas as fotos do Cauã Remond. A amiga não contém o seu espanto e logo fico sabendo de particularidades sobre a vida dos dois atores. A mocinha diz que não deixa de ler nem um número da revista “Quem” e a amiga informa que nada substitui a “Caras” na vida dela.

Chega a minha vez de descer. Levanto-me, vou até a porta e dou uma olhadela nas duas mocinhas antes de me apear. Elas estão muito próximas, rostos quase colados e trocam informações sobre gente que parece viver em outro planeta, dentro da telinha. São duas mocinhas muito simples, provavelmente comerciárias e sinto uma ponta de inveja porque estão muito felizes. Naquele momento nada no mundo é para elas mais importante do que o assunto sobre o qual falam, assunto interminável, movido a novidades publicadas nas revistas que trazem notícias de um planeta distante sobre seres irreais que se reúnem sempre no horário das novelas para povoar os sonhos das gentes que os assistem.

O jazz

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Eu era pouco mais que um menino quando comecei a ouvir jazz. Meu irmão mais velho apaixonara-se pela música dos negros norte-americanos e comprava discos importados. No começo o jazz me provocava estranhamento. Era difícil compreender o que me parecia uma descontinuidade dentro de sequência musical. De repente um sax deixava de lado a sonoridade anterior e o músico que o soprava entrava numa espécie de experimentação. Na verdade tratava-se de improvisação que se constituía no forte do jazz. (Certa vez toquei no som do carro “Smoke gets in your eyes” interpretado por nada menos que Thelonius Monk e uma senhora presente me perguntou por que, afinal, aquele pianista errava tanto…).

Não dá para dizer que o jazz “foi” a música do século XX, mas os seus criadores e grandes intérpretes pertenceram àquele período. Os grandes do sax como Charlie Parker, Ben Webster, Coleman Hawkins e Lester Young criaram um modo de tocar explorando todas as variantes possíveis do instrumento. Hoje em dia ninguém toca sax impunemente: há sempre uma dívida a quitar com os antigos mestres. No som do grande saxofonista Stan Getz é sempre possível se identificar alguma semelhança com o jeito de tocar de Lester Young. Mas, Getz, assim como outros, logrou criar estilo próprio, desenvolvendo-se tanto que há quem imagine que foi Young a ser influenciado por Getz… A mesma coisa pode ser dita em relação a muitos outros músicos. Winston Marsalis é um enorme pistonista, mas há em seu toque débitos com Miles Davis, Dizzy Gillespie e outros. Hoje em dia os pianistas tocam de um modo que nos leva a pensar o que afinal havia de especial no jeito de tocar de Bud Powel. Acontece que os pianistas de hoje tocam como Bud Powel tocava.

Não tive oportunidade de assistir ao vivo muitos dos expoentes do jazz. No primeiro festival de jazz realizado em São Paulo tive a sorte de conhecer músicos de excelência como Milt Jackson, Ray Brown, Gillespie, Zoot Sims e muitos outros. Nas ocasionais apresentações de jazzistas em teatros ouvi tocar gente como Stan Getz, Gerry Mulligan, a orquestra de Harry James e o sempre espetacular Oscar Peterson. Na última década do século passado conheci o Viilage Vanguard e o Blue Note nos quais assisti a apresentações de alguns ícones do jazz.

Atualmente ouço pouco jazz. Os grandes nomes desse gênero musical já nos deixaram e hoje em dia os músicos em atividade parecem estar à procura de novos caminhos. É muito difícil destacar-se dentro de um gênero que abrigou num espaço de cerca de 70 anos o que houve de melhor em termos de criatividade e domínio de instrumentos. Numa galeria em que pontificam nomes como os de Duke Elligton, Count Basie, Gene Krupa, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Charles Mingus, Thelonius Monk e muito outros torna-se difícil a alguém se sobressair.

Há quem diga que o jazz nunca mais será o mesmo, embora hoje em dia grandes nomes estejam em atividade como Herbie Hankoc e Keith Jarret. Mas, o jazz é um tipo de música que oferece variantes ilimitadas daí tudo ser possível.

Para quem não conhece as raízes do jazz e não teve a oportunidade de ver grandes jazzistas em ação uma boa indicação é assistir aos vídeos sobre esse gênero musical disponíveis no You Tube. É possível se ver Charlie Parker e Hawkins, Dizzy Gillespie, Roy Eldrige, Oscar Peterson, Sara Vaugham, Dave Brubeck, Artie Black, Buddy Rich, enfim praticamente todos os grandes músicos de jazz em apresentações  memoráveis.

Casos de enforcamento

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Outro dia falei sobre o enforcamento de Saddam Hussein cujas imagens não me saem da cabeça. O poderoso governante do Iraque nada mais era que uma espécie de animalzinho assustado no momento em que era conduzido à forca. Na ocasião um amigo pesquisou e escreveu sobre o assunto, concluindo que a morte na forca não é instantânea e acarreta muito sofrimento. Saddam caindo no vazio com a cabeça presa ao laço gerou cena mais terrível que a de todos os enforcamentos vistos nas produções de Hollywood. Era o poder que capitulava sob a forma de um homem sanguinário finalmente vencido.

Bem menos importante que Saddam é o iraniano Alireza M. Esse homem de 37 anos foi condenado por tráfico de drogas. Levado à forca foi executado e diagnosticado como morto. No IML observaram-se bolhas dentro do saco plástico onde estava o seu corpo. Alireza não morrera, resistira ao enforcamento. A notícia alegrou a família dele, particularmente suas duas filhas. Entretanto, um juiz já determinou que assim que Alireza tiver alta hospitalar será novamente enforcado.

Eis aí uma questão complexa, difícil de resolver. Entidades humanitárias se colocam em favor de Alireza alegando a falta de humanidade em submetê-lo a novo enforcamento. O traficante já passou pelo pior que pode acontecer a um homem e sobreviveu. Não será justo puni-lo novamente.

Não sei o que o leitor acha disso, se favorável ou não a nova sessão na forca. Acontece que no Irã as coisas se passam de modo mais duro que nas nossas plagas. Lá existe pena de morte por apedrejamento e conta-se que mesmo nesse processo existem casos de sobrevivência. Consta que só neste ano foram enforcadas mais de 500 pessoas no Irã, não fazendo parte desse número cerca de 200 casos não contabilizados.

Um médico de quem privei a amizade, já morto, pendia para o radicalismo e sempre repetia que a ordem no mundo só seria estabelecida com a adoção da lei de Talião: olho por olho, dente por dente.

Hoje em dia o mundo do crime movimenta somas inimagináveis de dinheiro com o comércio de drogas. Como ficaria a situação dos traficantes se fosse estabelecida aqui uma lei como a que vigora no Irã? Não se está dizendo que se deva aprovar a pena de morte no país, embora certos crimes nos constranjam tanto que nos levem a admitir que os facínoras que os praticam não mereçam continuar vivos. Mas, como seriam as coisas com uma punição mais rigorosa a bandidos?

Quanto ao iraniano Alireza confesso que não sou favorável a novo enforcamento. O homem já passou por algo inimaginável para quem está vivo. Eis aí um caso de um sujeito que voltou da morte e, talvez por isso e muito mais, mereça viver.