Arquivo para dezembro, 2013
Mandela
Morreu Mandela que deixa atrás de si a impressão de que, afinal de contas, o ser humano pode ter conserto. A trajetória de Mandela, mais que exemplo, é inspiração. Sua vida nos leva a concluir que a luta pelas coisas boas, pelas causas justas, sempre vale a pena. Além do que é preciso perseverar de nada valendo o empenho fugaz que logo se apaga e não leva a nada.
Um homem que ficou preso durante 27 anos e saiu da prisão para mudar o seu pais e tornar-se Presidente da República não é e nunca foi qualquer um. As batalhas que travou em seu espírito durante o tempo de reclusão certamente não só foram vencidas como não o fizeram perder a fé na missão que se impôs.
Hoje Mandela está sendo reverenciado em todo o mundo. Não há jornal, rádio, televisão ou outro meio de comunicação que não destaque a grandeza desse negro que acabou com o apartheid e estabeleceu na racista África do Sul a igualdade entre brancos e negros. Nesse momento os episódios da vida do líder são lembrados e repete-se a cronologia de todos os momentos de sua vida.
Penso que em Mandela é preciso ressaltar o perfil do verdadeiro estadista. Numa época em que o mundo carece cada vez mais de líderes capazes de conduzir com isenção e responsabilidade os destinos dos povos que governam Mandela ergue-se como modelo a ser seguido.
Boa viagem Mandiba!
Arte confiscada
Encontradas numerosas telas de pintores importantes em posse
de um descendente de um oficial nazista. Essas telas foram confiscadas por
ordem do Reich e uma lei ainda em vigor na Alemanha impede que sejam devolvidas
a museus e descendentes de antigos proprietários. Quadros que se julgavam
desaparecidos reaparecem e alguns deles emocionam amantes da arte.
Há um filme francês no qual gente simples, operários e
trabalhadores de estrada de ferro, arriscam suas vidas para impedir que os
nazistas se apossem de obras de grandes pintores. Embora não sejam iniciados em
arte os homens que se encarregam da arriscada tarefa têm consciência de que estão
salvando um patrimônio de seu país e isso vale tudo. Não sei se a trama do
filme se apoia em algum fato verídico, mas parece que na prática o nazismo logrou
apoderar-se de obras de arte surrupiando-as em países com os quais estava em
guerra.
O grande filósofo judeu Walter Benjamin foi uma das vítimas
do nazismo. Ao tentar fugir da França Benjamin foi obrigado a pernoitar na
fronteira e não resistiu ao medo de ser entregue à Gestapo, suicidando-se ao
ingerir alta dose de morfina. Um dos trabalhos mais importantes de Benjamin é A Obra de Arte na Era da Sua
Reprodutibilidade Técnica no qual aborda a destruição da aura existente nas obras de arte a
partir do processo de reprodução técnica da obra. A partir do momento em
que uma obra é reproduzida em inúmeras cópias ela perde sua autenticidade e
autoridade, deixando para trás o aspecto elitista e tradicional. Desse modo
deixa de ser privilégio de apenas alguns para atingir a grande massa. Destrói-se
a
aura da obra de arte, abalando-se o próprio conceito de arte, que de fenômeno
estético singular, passa a ser um evento de massas.
Na China existe uma cidadezinha na qual inúmeros artífices
se se dedicam ao trabalho de reproduzir em telas obras de arte de grandes
artistas. Pode-se adquirir essas cópias encomendando-as via internet, além do
que são distribuídas comercialmente em todo o mundo.
Muita gente estranha o altíssimo valor de obras de artes
leiloadas pela Christie´s em New York. Há alguns anos foram leiloados quadros
de pintores como Toulouse-Lautrec, Picasso, Gauguin, Modigliani e outros
arrecadando-se, na ocasião, 400 milhões
de dólares. Nesse leilão o óleo “Femme accroupie”, de Pablo Picasso, foi
vendido por 27,5 milhões de dólares. O grande valor dessas obras deve-se ao
fato de serem únicas e originais. Nada a ver, portanto, com as cópias dos mesmos
quadros - em geral fotografias - que vemos por aí.
Pedro Rocha
Não me lembro do ano, mas o jogo aconteceu na década de 1970, no Morumbi. São Paulo e Palmeiras jogavam pelo Campeonato Paulista. Jogo de fim de campeonato, estádio lotado, bela tarde de domingo. Eu me sentava mais ou menos na altura do meio do campo, na parte superior do estádio que hoje se chama de arquibancadas. Pedro Rocha vestia a camisa do São Paulo e estava jogando muito. No meio do segundo tempo Rocha recebeu uma bola no grande círculo, carregou a pelota até a linha média do Palmeiras e desferiu um chute mortal, de longa distância: golaço, enlouquecendo a torcida são-paulina. Ele era assim, tinha sobre a bola domínio completo, intimidade de berço, natural como poucas vezes acontece entre os praticantes do esporte. Viera para o São Paulo já coberto de glórias, defendendo a seleção uruguaia e o grande time do Penarol. Trazia o apelido de “Verdugo” que dá bem a dimensão de suas qualidades. Anos antes participara de um jogo vestindo a camisa da seleção do mundo que atuava contra o Brasil no Maracanã. Fez o diabo em campo, era mesmo demais com a bola nos pés. Chutava bem com as duas pernas, tinha excepcional visão de jogo e certamente pertence à pequena galeria de craques que se caracterizaram como os melhores de todos os tempos. Chamavam-no de “Pelé Branco” e contava com a admiração de Pelé. Para a torcida do São Paulo era o “Dom” Pedro Virgílio Rocha, mágico que sabia tudo de futebol que praticava com elegância e precisão. O “Dom” se aplicava a ele perfeitamente. Dom Pedro Virgílio Rocha morreu ontem aos 70 anos de idade. Nos últimos cinco anos sofria de mal cerebral que o retinha em casa. Jogou bola numa época em que não se ganhava o dinheiro que hoje se paga aos jogadores de exceção. Vivia com uma aposentadoria de R$ 1800,00 e o São Paulo contribuía com o seu tratamento. Pedro Rocha foi um grande ídolo que trouxe grandes alegrias aos amantes do futebol. Deixa saudades. Inesquecível.
Quanto vale a vida?
O vídeo mostra um cara dirigindo um carro na Rodovia dos Bandeirantes. É uma manhã de domingo e o motorista participa de uma corrida contra dois motoqueiros. Saliente-se que a estrada não foi interrompida para que se realize a competição. Transito normal, carros dentro das faixas, seguindo viagem. Nessas condições resta ao motorista uma frenética busca de espaços para manter a velocidade do carro. Corta pela direita e pela esquerda, costura aqui e ali, segue em frente passando dos 250 km/hora. Já os caras das motos dão tudo o que seus motores podem alcançar e conseguem atingir velocidades de até 300 km/hora. Não custa repetir que é uma manhã de domingo e o trânsito na estrada é normal, cada veículo na sua faixa, exceto os desses corredores que jogam tudo para vencer a disputa combinada entre eles.
Um repórter entrevista um dos motoqueiros e pergunta a ele como se sente ao correr muito acima dos limites permitidos de velocidade. A resposta é interessante. O motoqueiro diz não dispor de outro lugar para correr. Ele adora a velocidade e “não pretende abrir mão de seu lazer”.
Nas respostas do motoqueiro não se percebe qualquer preocupação com a possibilidade de um acidente. Também não parece se preocupar com o fato de que, em caso de provocar um acidente, outras pessoas poderão ser vitimadas. O que importa é a felicidade pessoal, voar em meio ao trânsito, entregar-se de corpo e alma naquilo que diz ser o seu lazer.
Pois o valor da vida é mesmo diferente para cada um de nós. Para algumas pessoas viver perigosamente faz parte do cotidiano. Trata-se de uma sede de aventuras que nada consegue aplacar. Mas, no fundo, será mesmo que os corredores da estrada não se preocupam nem um pouquinho com a possibilidade de serem esmagados num terrível acidente?
O nosso olhar tem isso de pender para o lado pesaroso. Tragédia acontecida eis que nos pomos a deplorar pela sorte dos envolvidos. Sábado morreu o ator dos filmes da série “Velozes e Furiosos”. O ator norte-americano acabara de sair de um evento no qual se empenhara em conseguir doações para vítimas do furacão que destruiu uma região das Filipinas. O ator saiu dentro de um Porshe dirigido por um amigo. Logo em seguida o carro bateu num poste e pegou fogo. Nenhum dos dois sobreviveu.
O ator despediu-se desse mundo aos 40 anos de idade. Não há como não olhar para as fotos dele sem se perguntar sobre as razões do acidente que roubou a sua vida. Se fosse possível fazer voltar o tempo por apenas alguns instantes, avisá-lo sobre o que aconteceria a ele logo em seguida…
Mas, não. A vida é uma só e não é possível voltar atrás. Há quem jogue com a sorte como se faz numa roleta na qual tudo pode acontecer. Jogo perigoso esse porque nele a “casa” conta com mais chances. Jogo viciado no qual em geral a possibilidade da morte é muito maior que a de ocorrência de qualquer outro resultado.
Memórias
Um amigo me dizia que nos últimas décadas de vida os fios da velhice e da infância se ligam. Para ele trata-se de dois polos equidistantes cuja fusão desafia toda a lógica. Segundo sua teoria é por essa razão que na velhice se tornam frequentes lembranças de memórias perdidas dos primeiros anos. Acontecimentos soterrados na memória emergem de repente e com tanta força que parecem ter ocorrido recentemente.
Os médicos não compartilham da opinião do meu amigo. A aterosclerose cerebral tem como sintoma o esquecimento de fatos recentes. Pessoas de idade relatam minuciosamente fatos passados e não se lembram de coisas acontecidas de véspera. Desesperadores são os sinais do mal de Alzheimer no qual a memória se apaga progressivamente. Um norte-americano especializado em História do Brasil concedeu a algum tempo entrevista na qual declarou ter o Alzheimer. Autor de vários livros ele aguarda a perda da consciência de si mesmo, fato progressivo, irreversível e não menos terrível.
Sempre fui confuso com nomes e me vigio para saber se essa condição se mantém estável. De uns tempos para cá me parece que, na verdade, não dou a atenção devida aos nomes de pessoas que me são apresentadas. Decorre daí que minutos depois não consigo me dirigir à pessoa chamando-a pelo nome. Isso não acontece com aqueles de quem privo convívio frequente. Mas, preocupa, embora tenha sido do mesmo jeito durante toda a minha vida. Em meu favor declaro que, entretanto, tenho muito boa memória visual: sou capaz de identificar um semblante conhecido mesmo quando deixei de vê-lo há alguns anos.
Mas, como não poderia deixar de ser, tenho me lembrado de fatos passados dos quais me esquecera. Em geral trata-se de acontecimentos da minha infância nos quais retornam pessoas e cenas vívidas. Ontem, por exemplo, retornei ao grupo escolar no qual aprendi as primeiras letras. No segundo ano primário tive uma professora que ensinava muito bem com palavras e com as mãos. Naquele tempo bater nas crianças fazia parte da metodologia de ensino. Lembrei-me do dia em que escrevi uma palavra colocando a letra “n” antes do “p”. A professora, que circulava pela sala sempre pronta para entrar em ação, ao ver o meu erro deu-me um tremendo safanão e me fez repetir dez vezes a regra: antes de “p” e “b” sempre se coloca “m”. E ali estava eu, em pé no canto da sala, refreando as lágrimas e repetindo a regra para toda a classe ouvir.
Eu teria uns seis anos de idade quando dois de meus irmãos entraram em luta corporal numa garagem que havia em nossa casa. Ao ouvir o barulho da briga meu pai correu e meteu-se entre eles, separando-os. Dos dois que brigaram o mais velho morreu dois anos depois; o outro viveu até mais ou menos recentemente quando foi vitimado em acidente elétrico. Mas, com que clareza eu os revi enquanto brigavam. Eram jovens e meu pai precisou de muita agilidade e força para separá-los. Já afastados se xingavam apesar das reprimendas de meu pai que a certa altura não conseguiu disfarçar um sorriso ao ver seus rebentos já crescidos e tão fortes.
Essas pessoas estão mortas, mas a lembrança delas continua em meu cérebro que com frequência recebe visitas de gente que já se foi e fatos nos quais eu as vi tão cheias de vida.