2014 fevereiro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para fevereiro, 2014

Carnaval

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Encontro um vizinho na garagem do prédio. Tarde da noite vem ele como cachorro para a necessária voltinha no quarteirão. Bom sujeito, alegre, sempre participativo, meu vizinho me pergunta se vou viajar no carnaval. Devolvo a pergunta querendo saber onde ele vai “pular” as cinco noites.

O meu vizinho diz que já gostou muito de carnaval, agora prefere o sossego. Vai se enfiar num sítio e gozar um pouco da solidão. Quem trabalha o tempo todo precisa dessas paradas para deixar o espírito em ordem.  Depois - acrescenta - o carnaval já não é o mesmo e a festa é para jovens.

O carnaval já não é o mesmo? Talvez o maior pecado do carnaval seja a mesmice. Daqui de casa ouço toda noite os ensaios de um bloco que vai sair num dos desfiles da cidade. Pela janela vejo uma multidão que se arrasta atrás de um carro de som. O que querem aquelas pessoas? O que se pretende ao juntar-se a um bando de estranhos e sair à rua ouvindo as músicas de sempre, a cada ano repetidas à exaustão?

O carnaval entra nas nossas vidas como um momento de fuga da realidade. Vigora um frenesi que só existe nesses quatro dias de libertação. Ari Barroso retratou em seus sambas a alegria e a dor do carnaval. Deu-nos ele o folião de raça que se deixa perder num cordão atrás de uma mulata dos sonhos. O folião só volta pra casa na quarta-feira para ser recebido pela mulher que sabe que o seu pedaço está mal, resmungão, mas pertence a ela e isso é o que importa.

Discordo do meu bom vizinho quando ele diz que o carnaval é festa para os jovens. O carnaval é achado de um povo que balança o corpo para se esquecer da vida dura, dos problemas somados que fazem da vida essa coisa tão complicada. O carnaval é, antes de tudo, uma trégua, uma revanche contra tudo que nos aborrece.

Não importa se o carnaval é o mesmo de sempre ou não. O que vale são esses dias onde cada um recebe o seu alvará de loucura e pode sair por aí fazendo o que lhe der na telha.

Feliz carnaval.

Escrito por Ayrton Marcondes

28 fevereiro, 2014 às 11:59 am

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Juízes e julgamentos

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Quando menino conheci o Ministro Nelson Hungria, notável jurista brasileiro. Era amigo de meu pai a quem visitava vez ou outra. O grande homem saia de Brasília e incluía em seu percurso de viagem a passagem pela nossa casa. Certa ocasião apareceu ele sem avisar e não encontrou meu pai. Fiquei com ele um bom par de horas e tratou-me como igual. Relatou-me viagem que fizera à Rússia e os problemas que enfrentara na então cortina de ferro.

Na época Nelson Hungria era o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Alto magistrado da República portava-se ele com simplicidade, nem de longe demostrando a importância que tinha.

Lembrei-me de Hungria ontem ao assistir parte da sessão do STF na qual os ministros votavam a questão de formação de quadrilha pelos envolvidos no mensalão. Hungria tinha um porte de ministro que nunca me saiu da cabeça de modo que, para mim, todo ministro deveria ser como ele. Talvez por isso eu me sinta tão decepcionado ao assistir à atuação dos ministros atuais. Muita retórica, voltas e mais voltas em seus discursos, com a proteger-se da opinião que muitas vezes só no final acabam por revelar.

Sabemos o quanto é difícil a separação de tendências pessoais do rigor e isenção exigidos no momento de interpretação das leis e aplicação de penas. Cada cabeça uma sentença diz o dito popular. Mas, a imagem de ministros entregando-se a bate-bocas talvez despropositados seguramente nos leva a pensar no quão falíveis podem ser essas pessoas que julgam destinos de cidadãos, corporações e do próprio país.

Talvez melhor seria se as sessões do STF não fossem transmitidas ao vivo. Não tomaríamos consciência sobre as disputas internas dos ministros e a confiança coletiva seria melhor preservada.

Não imagino como teriam sido as reuniões do STF ao tempo de Nelson Hungria, mas algo me diz que eram pelo menos mais cordiais.

Afogamentos

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Confesso: sempre tive medo de águas daí que nunca me arrisquei a nadar. Em viagens de navio sempre me pergunto o que me aconteceria em caso de naufrágio. A tragédia do Titanic sempre me fascinou e o premiado filme forneceu-me as imagens de desespero que me faltavam em relação ao rumoroso caso.

No meu caso o medo se justifica: perdi dois irmãos por afogamento. A história parece ficcional dado que quando crianças os dois irmãos cairiam num riacho. O menor morreu e o maior safou-se. Passados vinte anos aquele que tinha se salvado afogou-se nas águas de uma lagoa. Episódio terrível, comovente, inesquecível.

Moro no litoral e ainda me surpreendo com o número de afogamentos que acontecem na região. A proximidade com os grandes centros e a facilidade de acesso movimentam muita gente que procura praias em fins de semana para se divertir. Pessoas que não possuem a menor intimidade com o mar arriscam-se e acabam por perder a vida. Isso sem falar nos que se aventuram em pescarias e não voltam.

Li que em São Paulo ocorrem frequentes afogamentos na represa Billings a qual é muito perigosa. A proximidade das casas com a represa gera a possibilidade de pessoas entrarem na água para um banhozinho que pode ser fatal. De nada adiantam as advertências de bombeiros, alertas de salva-vidas e placas avisando sobre perigo. A ideia de que isso nunca vai acontecer comigo é maior que o medo, funcionando como estopim para possíveis afogamentos.

Noticiaram-se nos últimos dias dois afogamentos de pessoas durante a prática de esportes aquáticos. Ontem um empresário afogou-se durante treinamento de stand-up paddle, esporte que se pratica com prancha e remo. Divulgou-se que em ambos os casos as vítimas não sabiam nadar. Praticar esporte aquático sem saber nadar configura-se num risco inaceitável.

Ouvi pelo rádio um bombeiro fazendo alertas sobre o perigo de afogamentos. Explicou ele que o socorro a quem está se afogando nunca deve ser dado diretamente por alguém que não possua algo que possa boiar. Disse que até um estepe de carro pode ajudar, mas enfatizou que pessoas não treinadas podem morrer junto com a que está se afogando.

Não gosto de filme sobre tsunamis. Assisti na TV a um cujo título é “Impossível” e fiquei chocado com a força destruidora da água. Nessa situação nadar talvez seja útil, mas o problema é a colisão de objetos com os corpos das pessoas carregadas pela água. Sobreviver a essas condições é verdadeiramente um milagre.

Vi no jornal a foto dos familiares do empresário, aguardando a retirada do corpo dele da água. Lembrei-me da madrugada em que meu pai voltou para casa e contou sobre a retirada do corpo de meu irmão das águas do lago. Eu tinha uns seis anos de idade na ocasião e posso descrever com precisão o horror que se desenhou no rosto de minha mãe ao receber a notícia. Éramos um grupo ferido pela morte absurda, mas eu não fazia, na época, ideia da extensão daquela dor.

O tempo pode cicatrizar feridas, mas nunca as cura de verdade.

Os “selfies’

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Você gosta de se olhar no espelho? E quanto a ser fotografado?

Pois é. Nem todo mundo vive de bem com a própria aparência. Nada a ver com beleza ou feiura. Convenhamos que existem pessoas muito feias, embora muitas não se achem. Por outro lado alguns são agraciados por Afrodite no momento em que são concebidos. Nem adianta dizer que os conceitos de beleza e feiura podem variar de acordo com a época considerada. O que importa mesmo é momento em que estamos vivos, tendo à nossa frente o continuo desfile de nossos semelhantes.

Entretanto, a tecnologia tem trazido novos meios para as apresentações pessoais. Até poucos anos antes tirar uma fotografia exigia o uso de máquinas e filmes com 24 ou 36 exposições. Ver-se numa foto demorava o tempo de levar o filme a um laboratório onde seriam reveladas. Filmes sempre foram uma caixinha se surpresas porque quase sempre as tão esperadas fotografias corriam o risco de deixar a desejar.

Hoje em dia quase ninguém se lembra dos filmes porque as fotos se tornaram instantâneas. É o mundo digital em ação disponibilizado para as mãos de qualquer usuário. Telefones tornaram-se máquinas fotográficas e mesmo filmam com boa qualidade. De modo que…

De modo que? Pois é, de modo que as pessoas podem até fazer fotos de si mesma. Os “selfies” estão na moda e já se fala nisso por toda parte. Para quem ainda não prestou atenção à novidade o fato é que proliferam na internet fotos de pessoas tiradas por elas mesmas. São os tais “selfies”.

Não imagino o tipo de prazer que possa ser vivenciado por alguém que aponta a lente de uma câmera para o seu próprio rosto, faz um clique e depois publica a foto nas redes sociais. Vi uma reportagem na qual se mostrou que hoje em dia milhares de pessoas fazem isso e gostam muito. Nada de errado, mas, seguramente, sinal de mudança de comportamento das pessoas.

Bem, nem sempre a coisa dá certo. Há quem embarque nas novidades e não se dê bem. Aconteceu a três ladrões roubarem o celular de um publicitário e enviarem fotos de si mesmos a um serviço on-line no qual a vítima costuma guardar seus arquivos. Qual não foi a surpresa do publicitário ao encontrar fotos dos ladrões que o roubaram em meio a seus arquivos.

Os ladrões aparentemente são menores de idade e não sabiam que as fotos do celular que roubaram seriam automaticamente enviadas para ser guardadas na nuvem da internet. E lá apareceram eles, cada um na pose escolhida para os seus “selfies”.

Se me contassem essa história anos atrás eu diria que os autores de ficção estariam muito imaginativos. Sabe-se lá qual será o futuro da realidade em que vivemos.

Valentia

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De repente me lembrei daquele Vicente, homem fechado, contido dentro da violência que nele era natural. Era do tipo lhano, boa gente, educado. Tinha o temperamento dos vulcões que quedam silenciosos até que, sem aviso, entram em erupção. No Vicente as lavas podiam ser golpes de faca ou mesmo balas de revólver. Sobre ele pesava o assassinato de um tio que o roubara na divisão dos lucros da lavoura. Certo domingo esperou pelo tio que voltava para casa: na curva da estrada acertou-o com um disparo fatal.

Vicente, a quem conheci em meus tempos de menino, era um sujeito duro e valeu-se disso nos anos em que esteve na prisão. Saiu de lá e voltou para o seu meio como se nada tivesse acontecido. Não se importava com a lei dos homens. Fizera justiça com as próprias mãos punindo a quem o lesara. Depois disso continuou sendo o homem de sempre sem se afastar um só milímetro de seu perfil natural.

A memória do Vicente me veio ao ler sobre um homem que jogou o carro que estava dirigindo sobre várias pessoas, ferindo-as. Esse fato corrobora com a tese de que dentro de cada homem existe um vulcão que pode acordar de repente de um longo sono. Assim, inesperadamente. Pode até acontecer que a explosão ocorra no íntimo de alguém que nunca tenha demonstrado qualquer sinal de apelo à violência. Mais que questão de temperamento, eis aí um modo de ser que habita as heranças que trazemos de nossos antepassados remotos.

Nos EUA dá-se muito valor ao comportamento assumido por pessoas quando sob pressão. Essa característica é levada em conta quando se trata de candidatos a cargos executivos. Um presidente do país não pode ter um piti num momento de crise pois isso poderia ter consequências graves.

No fim das contas vale dizer que o homem é um animal. Domesticado, socializado, ainda assim um animal que, inesperadamente, pode entrar em erupção.

Escrito por Ayrton Marcondes

24 fevereiro, 2014 às 11:35 am

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Mundo virtual

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A questão “de onde viemos e para onde vamos?” é respondida com uma série de outras indagações. Pairam sobre a existência de nossa civilização e o até hoje inexplicável vazio do universo dúvidas que nem mesmo as mentes mais argutas conseguem elucidar. A teoria darwiniana explica a origem das espécies e como chegamos ao que somos, mas há quem não concorde com ela apesar das evidências de que seja correta.

Tema de filmes e escritos ficcionais a existência de mundos virtuais é algo que incomoda. Quando assisti Matrix fiquei intrigado diante das passagens das personagens entre mundos paralelos. Nunca me saiu da cabeça a cena em que Neo, a personagem principal, chega a uma avenida na qual pessoas em aparente movimento, carros, etc estão paradas. Neo passa por pessoas paralisadas que noutra dimensão certamente estão em movimento. Dentro dessa lógica a ideia de que nesta mesma Terra possa existir um mundo paralelo com outra civilização com a qual não podemos fazer contato não deixa de ser instigante, embora difícil de ser aceita.

A teoria não é nova, mas agora um matemático de Oxford afirma que na verdade o nosso mundo pode ser virtual, ou seja, fabricado por computadores. Civilizações muito avançadas seriam dotadas de computadores poderosos capazes de criar mundos simulados. A Terra e o universo que nos cerca seriam uma dessas simulações e todos nós seres virtuais. Para quem gosta de jogos eis aí um “Second Life” no qual nosso mundo e existências são virtuais.

Ouvi de uma jornalista a declaração de ter medo desse assunto. Disse ela não ter gostado do filme “O show de Truman” no qual um homem vive dentro de um mundo criado, vigiado por câmeras que transmitem para o exterior tudo o que ele faz. A existência dentro de um estúdio gigantesco e a transmissão desse reality show geram uma atmosfera virtual na qual os valores que professamos ficam abalados.

Não posso imaginar o que aconteceria caso se provasse que o mundo em que vivemos é na verdade virtual. Nesse caso como seriam os seres avançados que possuiriam supercomputadores capazes de gerar mundos virtuais? Será que princípios da física e verdades matemáticas como o Teorema de Pitágoras são válidos apenas porque funcionam num mundo programado para tal? E quanto à existência de Deus?

O melhor dos mundos talvez seja esse mesmo no qual vivemos. Até provas em contrário - espero que nunca apareçam – nosso mundo não é virtual e nossas existências muito reais. A ideia de que possamos viver num mundo simulado abalaria nossas crenças e mudaria o sentido de tudo o que fazemos.

Caminhos da loucura

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O assassinato do cineasta Eduardo Coutinho pelo próprio filho tem motivado a publicação de diferentes opiniões sobre o comportamento das famílias em casos de esquizofrenia. Desde já é bom lembrar que hoje os tempos são outros. Existem locais para internação que diferem em muito dos antigos hospícios com o uso de choques elétricos e outros meios mais agressivos de tratamento.

O grande problema enfrentado pelas famílias nas quais um dos membros é esquizofrênico é o de, justamente, não saber avaliar que tipo de atitude tomar em relação a essas pessoas. Erros de avaliação podem resultar em tragédias como aconteceu a Eduardo Coutinho.

Uma amiga de quem me perdi a muitos anos teve mãe esquizofrênica. Viviam ela e a mãe sozinhas. Em seus tempos de menina a minha amiga foi vítima de toda sorte de exigências disparatadas, entre as quais a de passar dias trancada em seu quarto, recebendo apenas comida que a mãe trazia a ela quando se lembrava. Obviamente, uma infância marcada por situações tão difíceis só poderia resultar em sérias consequências sobre o psiquismo da pessoa a elas submetidas. O resultado foi que a minha amiga durante boa parte de sua vida mostrou-se presa a códigos de comportamento que por vezes beiravam o absurdo. Felizmente, em algum momento após longo tratamento, ela libertou-se e tornou-se a esplêndida pessoa de quem tanto gostávamos. Esse caso me faz lembrar da menina do filme “Carrie, a estranha” submetida às exigências anormais de sua mãe, embora a minha amiga obviamente não tivesse os poderes sobrenaturais de Carrie.

Tive um grande professor de psiquiatria que costumava dizer que “louco é louco” e como tal deve ser tratado. Exagero? Contava ele sobre um professor norte-americano, psiquiatra, que viera ao Brasil e fora visitar um de nossos manicômios. Andava ele numa das alas quando avistou um dos internos ajoelhado, aparentemente rezando. Envolvido pela singularidade do gesto do interno em ambiente tão grotesco, o professor aproximou-se dele e colocou a mão sobre o seu ombro. A reação foi imediata: munido de uma gilete o interno voltou-se bruscamente e, de um só golpe, atingiu a carótida do professor, matando-o.

A lição que se pode tirar da impressionante morte do cineasta Eduardo Coutinho é a de que os casos de esquizofrenia devem ser analisados por gente especializada e respeitada a conveniência de internação quando necessário. Seguimento de casos sem a opinião e cuidados recomendados por especialistas podem resultar em tragédias, como essa que tristemente envolveu aquele que todos concordam ter sido o maior cineasta brasileiro.

Escondendo a idade

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Tem muita gente criticando pessoas que tendem a esconder a idade que possuem. Quando eu era criança um sujeito de 60 anos não passava de um velhote. Aliás, “velho” era mesmo a palavra, nada de idoso ou a terrível “melhor idade”. Ele é velho - sentenciava-se e assunto acabado.

Hoje em dia os recursos da cirurgia plástica, as tinturas para cabelos, os treinamentos em academias, a alimentação controlada e as reposições hormonais fazem milagres. Os homens perderam o receio de críticas por cuidarem da aparência. Dificilmente se vê alguém de 60 anos ou mais na televisão com os cabelos totalmente brancos. Olhe que as tinturas são tão bem aplicadas que nem se percebem os cabelos tingidos.

Eu pensava que os homens não se preocupassem em esconder o envelhecimento. Imaginava que homens dificilmente se submeteriam a cirurgias faciais ou aplicações de Botox. Ledo engano. Tempos atrás em conversa com conhecido cirurgião plástico ele me disse que boa parte de suas cirurgias são realizadas em homens. Verdade que as mulheres o procuram em maior número, mas isso não significa ausência de homens nas mesas cirúrgicas.

Há pessoas que envelhecem muito cedo, provavelmente em razão de suas heranças. Outros envelhecem, mas mantêm traços mais jovens e boa forma. Cada um carrega em suas células o DNA que determina o que acontecerá a ele/a ao longo da vida. Espera-se que a engenharia genética evolua ao ponto de se poder retardar ou até mesmo parar o envelhecimento. Não imagino como seria um mundo em que pudéssemos viver mais de 100 anos. A vida é boa, mas cansa. A morte pode ser um fantasma a nos atormentar, mas sempre figura como uma esperança de termo dos nossos problemas. Há quem diga que gostaria de morrer, mas em geral quem diz isso está apenas saturado. Morrer é algo tão definitivo e o pós-morte enigma insolúvel. Talvez por isso nos agarremos tão fortemente à vida.

Escrevo sobre isso porque o Lazio, time de futebol italiano, contratou um jogador que declara ter 17 anos de idade embora aparente bem mais.  O jogador é um camaronês cujos amigos de infância juram que ele está próximo dos 40 anos de idade. Já se exigem exames para determinar a verdadeira idade do jogador e o empresário dele justifica a aparência de mais velho pelos sofrimentos que teria sofrido na infância.

Milana, o jogador camaronês, reagiu retirando seu perfil do Face book e bloqueando suas fotos no Instagram. Além disso, deixou a seguinte mensagem: “Inveja é a fraqueza do homem, e pessoas com a alma pobre ferem os outros quando você está na Série A. Amo vocês! Força Lazio”.

Assim, assim. A ver como isso vai acabar.

Curso de homem-bomba

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Por mais que me esforce não consigo entender a lógica do pensamento dos homens-bomba. Trata-se de um suicídio premeditado que arrasta junto de si número considerável de inocentes. Isso sem falar nos danos materiais causados pelas explosões.

Nesse caso específico nenhuma explicação me convence a começar pelas justificativas de diferenças culturais. Radicalismo, fé e terrorismo se misturam nessa marcha de sacrifícios que parece não ter fim. Fica em aberto não só o significado como, também, o sentido da vida. Acreditarão os homens-bomba numa imediata vida após a morte ou num breve retorno ao planeta sob a forma de reencarnação? Ou o sacrifício a que se submetem justifica-se pela grandeza de um ato em favor dos interesses de seu grupo?

Li que um pai enviou o filho para uma missão na qual ele morreria. Aconteceu ao jovem de 14 anos de idade não ter conseguido atravessar um rio e retornar para sua casa sem levar a termo a missão que a ele fora confiada. Fracasso total não aceito dentro dos padrões da família.

Dias atrás, ainda neste janeiro, um estudante chegava à escola quando reparou na presença de um estranho vestido com casaco suspeito. O estudante pôs-se a correr atrás do suspeito e por fim abraçou-o. Nesse momento aconteceu a explosão que matou os dois. Isso aconteceu no Paquistão e o estudante foi considerado herói por ter salvado as vidas de inúmeros colegas de escola. Mas, afinal, por que explodir-se dentro de uma escola, levando consigo crianças inocentes?

Por fim, descubro que existem cursos de treinamento para homens-bomba. Nesta semana aconteceu um acidente no Iraque enquanto um instrutor mostrava a seus alunos - os futuros-homens-bomba - como manipular os explosivos. A explosão inesperada matou não só o instrutor como aos 22 alunos de seu curso. Isso sem falar nas outras quinze pessoas que estavam próximas e ficaram feridas.

Eis aí um caso que dá o que pensar. O certo seria lamentar a morte dos futuros homens-bomba. Aliás, seria muito cristão lamentar que seres humanos, provavelmente jovens, tenham perdido a vida tão brutalmente. Mas, quando penso no que cada um desses jovens poderia fazer, provocando explosões e matando inocentes, confesso que não consigo me condoer pela morte deles.

Curso de formação para homens-bomba, era só o que faltava nesse louco mundo.

Vida de palhaço

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Já vou avisando que não se trata de chorar as pitangas, reclamar da vida, dizer que fazemos o papel de palhaços diante das coisas que temos que engolir no dia-a-dia.

Nada disso. Aqui se fala da alegria, do mundo do circo, das hipnóticas atuações de palhaços. Começo me lembrando de um deles, se não me engano um húngaro, que quase me fez morrer de rir durante a apresentação de um grande circo em São Paulo. Era ele um grande artista, desses capazes de estabelecer conexão imediata com o público. Tal foi a desempenho dele que nunca o esqueci. Ainda hoje me pego rindo quando me lembro desse palhaço e sua fenomenal atuação.

Entretanto, nem todo mundo tem a glória de se apresentar em grandes circos. Nem todo mundo é Burt Lancaster, Tony Curtis e Gina Lollobrigida, trabalhando no filme “Trapézio”. Disso sou testemunha dado que no passado vivi em lugarejos visitados por trupes de pequenos circos.

Sempre atraído pela magia do mundo do circo, nunca perdia os espetáculos das pequenas trupes. Eles chegavam num caminhão carregado com a lona, cadeiras e outros apetrechos. Depois de curto período de montagem pregavam nos postes e paredes seus cartazes, convidando o público para comparecer aos espetáculos. A propaganda também era feita através de um passeio com o caminhão pelas ruas ao som de um alto-falante pelo qual se apregoavam as maravilhas do espetáculo.

Vale lembrar de que no final das contas o espetáculo era de uma pobreza total. O dono do circo era sempre o apresentador, a mulher dele aparecia de maiô fazendo acrobacias, um sujeito contava piadas e dois palhaços entretinham o público entre um número e outro. Num ou noutro circo aparecia um mágico que, em geral, se limitava a algumas diabruras com lenços e baralhos.

Devo a um dos palhaços desses circos itinerantes um dos maiores fiascos de minha vida. Certa noite crianças foram convidadas ao picadeiro para participar de uma competição: estourar bexigas. Fui escolhido pelo palhaço e recebi uma bexiga de borracha que deveria assoprar até que ela estourasse. Éramos cinco diante do pequeno público e o vencedor seria aquele que primeiro estourasse a sua bexiga. Bem, fui o último colocado e, se bem me lembro, nem consegui estourar a bexiga que me competia. Pelo que muito se aproveitou o palhaço diante da minha dificuldade, convidando o público a soprar o ar como estímulo para o sucesso da minha tarefa.

Assim que sai do picadeiro fui-me sentar no fundo, junto da porta. Pouco tempo depois e já sem despertar a atenção dos presentes, saí de fininho.

Quando meus filhos eram pequenos eu detestava soprar as bexigas a serem utilizadas nas festinhas de aniversário. Confesso que até hoje não me dou bem com bexigas de borracha. Dirão, talvez, que se trata de trauma de infância. Prefiro dizer que desenvolvi certo trauma de palhaços a quem gosto de ver, mas de longe.