Arquivo para julho, 2014
Adeus à Copa
Não vi inteiro o jogo em que o Brasil foi derrotado por 3 X 0 pela Holanda. Vez ou outra ligava a televisão para ver como iam as coisas. Por azar numa das vezes liguei justamente na hora do terceiro gol do time holandês. Ao ver a expressão gravada na face dos jogadores brasileiros não pude deixar de sentir pena. Pena deles e de nós todos que acreditávamos tanto.
Nós que acreditávamos tanto. Nós que confiávamos na nossa tradição. Nós que nunca deixamos de nos considerar os melhores. Nós que sempre soubemos que em nenhum lugar do mundo se geravam craques como na nossa terra. Nós que viramos piada no mundo. Nós que estamos encabulados, envergonhados, mais que isso: muito tristes. Tristíssimos.
Depois da catástrofe diante da Alemanha tentei me apegar no que escreveu um jornalista. Dizia ele que sofríamos em vão. A seleção não é do país, ela pertence a uma organização particular chamada CBF que ganha muito dinheiro com o futebol e quase nada faz por ele. Os jogadores que vestem a camisa verde-amarela jogam no exterior e ganham rios de dinheiro. O técnico passou os últimos meses fazendo comerciais de TV e ganhando grana grossa com isso, além do salário pago pela CBF. Então - perguntava o jornalista - o que tem o país a ver com isso? Mais: e eu o que tenho a ver com isso?
Consegui me apegar a esse discurso e dei de ombros para a derrota do Brasil. Achei que de fato eu não passava de trouxa por levar a sério algo profissionalmente muito rendoso independentemente dos resultados. Infelizmente tudo isso só serviu para que eu me afastasse da derrota por breve período. Logo me voltaram imagens de nossas grandes seleções e da glória de nossos grandes craques do passado. Daí para a vergonhosa queda diante da Alemanha foi um passo.
Neste momento muita gente está escrevendo ou dizendo alguma coisa sobre o futebol brasileiro. Fala-se sobre a necessidade de renovação. O governo fala em interferir depois volta atrás. Espera-se que o técnico Felipão peça demissão, mas ele não parece não se dar por achado.
O fato é que estamos em crise. De repente passa-se a perguntar se no país já não nascem craques como antes. Teria passado para sempre a fase em que o Brasil era a pátria do futebol?
Não sei durante quanto tempo conviveremos com essa enorme ressaca. Mas, nada como o tempo para cicatrizar feridas. Devagarinho nos esqueceremos do amontoado de jogadores pedidos dentro do campo, correndo para todo lado sem obedecer a um esquema tático. Vai ser difícil tirar da cabeça os gols da Alemanha, aqueles sete gols.
Mas, na vida tudo passa. Quem sabe em futuro não muito distante nós ainda voltaremos a acreditar no futebol do país.
Esses rapazes que perderam hoje para a Holanda não avaliam a dimensão do mal que fizeram à sempre trêmula confiança dos brasileiros.
A lógica do mercado
O mercado internacional reagiu bem à derrota do Brasil. Confesso que não entendi bem o significado disso ao ler a notícia. Afinal, que tem a ver alhos com bugalhos?
Pois é. No entanto o entendimento é bem simples. Entendeu o mercado que a derrota prejudica a presidente Dilma e contribui para que ela venha a perder a eleição de outubro próximo. Caso isso aconteça a política econômica do país, atualmente em baixa, sofrerá reajustes necessários e será impulsionada. Continuar com a linha econômica atualmente adotada representa estagnação e perdas.
A reação positiva à derrota evidenciou-se pela subida do valor de papéis de estatais. Papéis da Petrobrás subiram 3,02% na Bolsa de Nova York. Os da Vale tiveram aumento de 1,04%.
Nãos sei se é o seu caso, mas tenho alguma dificuldade em compreender os fatores que influem sobre a cotação de ações. Trata-se de um jogo complexo, sensível a inúmeras variantes, que movimenta somas astronômicas de dinheiro. Entretanto, não deixa de ser surpreendente que a trágica derrota da seleção tenha influência sobre o mercado de ações, pelo menos da forma que se deu.
Enquanto isso vai rolando, por aqui seguimos nossa rotina de tristeza. Ontem a Argentina se tornou finalista e os argentinos fizeram festa enorme em São Paulo. Fiquei impressionado com o que disseram alguns argentinos sobre o acolhimento dos brasileiros à festança. Segundo eles de forma alguma os argentinos deixariam que brasileiros fizessem festa igual se acaso vencessem em solo hermano. Dizendo-se povo apaixonado os argentinos elogiavam os brasileiros pelo modo com que se comportam, para eles até meio incompreensível.
Eis aí o retorno da imagem de povo cordato. O Financial Times publicou que é meio difícil entender um país no qual quase todo mundo é agradável. Falavam de nós, admirados pela nossa cortesia. Aliás, cortesia essa que não é tão grande assim entre nós.
No fim a Copa foi mesmo um sucesso. Pena que no que mais nos interessa - o futebol - tenhamos dado vexame. Dois dias depois da tragédia continuamos inconformados. Pena que daqui a 50 anos as crianças pequenas de hoje estarão falando sobre o grande desastre de 2014. Assim como não nos esquecemos de 1950.
Depois da queda
Estou nesse negócio de torcedor de futebol desde 1956. Não me lembro das Copas de 50 e 54 porque era bebê. Mas, em 56 a seleção brasileira excursionou pela Europa numa viagem desastrosa. Quando chegou à Inglaterra para jogar em Wembley foi recebida com a manchete nos jornais: “O circo chegou”. Perdemos o jogo para a seleção inglesa por 4 X 2. Eu era menino: não sofri. Mas, a paixão já começava a fustigar o meu coração.
Cresci ouvindo os meus parentes mais velhos falando sobre o desastre de 50. Alguns deles estiveram no Maracanã e assistiram ao jogo. Anos decorridos falavam sobre o segundo gol do Uruguai como se ocorrido na véspera. Pátria e futebol estavam de tal modo plasmados na cabeça deles que não conseguiam distinguir a derrota da realidade nacional. O Brasil fora derrotado no Maracanã, deixando para o futuro a maior tragédia da nossa história.
Perdemos em 54 para a Hungria, mas nos vingamos em 58 na Copa da Suécia. Ouvi a transmissão da memorável conquista de 58 pelo rádio. Era inacreditável. De repente o fenômeno Pelé encantava a nós e ao mundo. Nascia ali o futebol vitorioso, maior aliado dos brasileiros a estimulá-los contra a dureza do dia-a-dia de um país terceiro-mundista e atrasado. Nossa única glória era mesmo o futebol vitorioso, fantástico, fenomenal.
Ganhamos outras Copas, choramos em 82 com a derrota da grande seleção comandada por Telê. Tornamo-nos os únicos pentacampeões mundiais, orgulho da raça. Como na letra do samba, “maior no futebol é o brasileiro”.
A trajetória gloriosa terminou ontem. Derrotados e humilhados em nossa própria casa pela seleção da Alemanha só nos restou enfiar a viola no saco e fingir-nos de mortos. A casa que já vinha tremendo finalmente caiu de forma vexaminosa.
Os rapazes que perderam ontem por 7 X 1 da Alemanha talvez não tenham ideia da grandiosidade de sua derrota. Não perceberam, talvez, que craques do passado que já falecidos, certamente se viraram dentro de seus esquifes, revoltados. Não imaginaram que a derrota deles fez nascer enorme mancha sobre a gloriosa tradição do país no futebol. Não concluíram, talvez, que o que se jogava na semifinal de ontem era a maior parte do orgulho nacional.
Antes de ler nos jornais de hoje eu já tinha imaginado que ontem finalmente enterramos o fantasma de 50. O emblema da grande tragédia presenciada pelos nossos avós foi finalmente substituído por outro infelizmente maior e vergonhoso com o qual, queiramos ou não, teremos que conviver daqui pra frente.
Sonhei na madrugada com os gols alemães que não me saiam da cabeça. Ouvi o riso e as piadas de nossos tradicionais adversários que gozaram ao máximo o momento da nossa desgraça.
Levantei-me cedo hoje. Sai à rua sentindo-me desorientado. A ressaca da derrota é dolorosa e realmente pesa mais na manhã seguinte quando nos conscientizamos da dimensão do estrago irreversível.
Andando na calçada topei com uma televisão quebrada. Um vizinho me contou que, terminado o jogo de ontem, um homem saiu de sua casa com a televisão e quebrou-a, dizendo que naquele vídeo não veria mais nenhuma imagem.
Encontrei nas ruas um mundo quieto. Na padaria um alemão tomava café e ouvi duas vendedoras cochicharem que o melhor seria ele não fazer nenhuma gracinha porque a coisa poderia pegar.
Agora são quatro horas da tarde. Ainda me sinto atordoado.
Projetos de vida
Sonhei com pessoas que já morreram. Estavam elas em atividade, correndo atrás de seus projetos de vida. Nem de longe pareciam desconfiar - ou se incomodar - como fato de que todo o seu empenho, paixões e vontade de superar obstáculos teriam fim com a morte. Agora aquelas pessoas tão cheias de vida a quem revi no sonho sobrevivem apenas nas memórias, isso quando nos lembramos delas.
No sonho refiz uma viagem que fiz com um tio aos arredores de São Paulo. Meu tio era um ótimo sujeito e dele dizia-se que não tinha lá muita sorte - havia quem o classificasse como azarado mesmo. Homem de posses limitadas preocupava-se ele com a família daí vez ou outra tentar algum tipo de investimento. Foi assim que, por exemplo, adquiriu títulos de um clube que seria construído no Guarujá. Pagou as mensalidades do clube até quando morreu e não sei dizer se alguém da família alguma vez visitou o lugar.
No dia da viagem íamos eu e meu tio na Via Dutra para dar uma olhada num investimento que ele realizara. Tratava-se da Vasconcelândia, projeto de construção de um parque nos moldes da Disney idealizado pelo humorista José de Vasconcelos. Naquela época Vasconcelos gozava de grande popularidade, extraordinário humorista que era. Ele se apresentava em shows com teatros lotados, gravava discos de suas apresentações e suas piadas estavam na boca do povo.
No sonho revi a nossa chegada à Vasconcelândia. Tratava-se de um projeto de criar uma cidade infantil numa área de 1 milhão de metros quadrados em Guarulhos. Vasconcelos era um visionário e investiu no lugar tudo o que conseguiu ganhar durante a sua carreira. No fim logrou construir uma administração, um restaurante e um parque infantil. O projeto naufragou por falta de investidores que se interessassem.
Mas, no dia em que estivemos lá a situação parecia animadora. Encontramos máquinas fazendo terraplanagem com muita remoção de terra. Meu tio animou-se, as coisas andavam e em data não prevista quem sabe ali se teria uma cidade infantil.
Curioso como as imagens da Vasconcelândia me voltaram no sonho. Meu tio animado ao meu lado com aquele ímpeto de realizador que sempre o caracterizou. Passo a passo refiz com ele a visita ao futuro parque até que acordei, pensando na brevidade da vida e na duração dos sonhos.
Sonhamos dormindo e mesmo acordados. Criamos nas nossas cabeças projetos que nos parecem eternos. Vivemos cada dia como se a vida fosse infinita. Às vezes acontece alguma coisa que nos leva a recolocar os pés no chão. Foi esse o caso desse sonho. Meu tio morreu há anos após passar mal dentro do metrô. Os últimos anos de vida de José de Vasconcelos foram passados sob a tutela do mal de Alzheimer. A Vasconcelândia nunca chegou a existir e hoje é uma área fechada pertencente a uma empresa. Sobrei eu aqui com meus sonhos e memórias, sabe-se lá até quando.
A grande ressaca
A Copa ainda não terminou, mas já s e pensa no rescaldo da grande competição. Da noite para o dia os estrangeiros sumirão de Copacabana, da Vila Madalena, dos estádios, de toda parte. Ficaremos nós, os de sempre, com a nossa realidade que não muda. Começarão as críticas aos enormes estádios que custaram uma fortuna e não terão público para preencher todos os seus lugares. E as tais obras da Copa, as inacabadas, como ficarão? Será que haverá empenho em terminá-las, favorecendo o bem público?
Pois é. Mas, o que mais parece preocupar é que terminados os grandes jogos da Copa será reiniciado o Campeonato Brasileiro. Lembram-se dele? Aquele dos jogos ruins, da prática de um futebol sem brilho, desinteressante. Campeonato que nos faz perguntar sobre o que, afinal, aconteceu ao nosso futebol. Os craques brasileiros que defendem a seleção voltarão para o exterior, aos times em que jogam. Teremos na TV a transmissão daqueles jogos que dificilmente nos empolgam. Jogos a que assistimos motivados pela paixão. Torcedor é sinônimo de sofredor todo mundo sabe disso. Em breve estaremos sofrendo nos joguinhos dos nossos times.
Não é que a Copa esteja sendo fenomenal. Mas, queira-se ou não, os jogos até agora realizados foram ricos em emoção. Muitos gols, prorrogações, decisões por pênaltis. Tem valido tudo na garra das equipes para defenderem as cores de seus países.
Vivemos durante a Copa um período de intermezzo. A realidade deu um tempo, sendo substituída pela emoção. Não se fala noutro assunto no país que não o futebol. Decidida a Copa voltaremos à política, à economia paralisada, à inflação, à disputa presidencial que ocorrerá em poucos meses.
Meus amigos, não se apoquentem. Depois do jogo final da Copa entraremos num período de ressaca. Ressaca nacional que vai durar até o primeiro grande acontecimento, em geral a noticia da descoberta de alguma fraude milionária, envolvendo gente de colarinho branco.
Não temam: daqui a poucos dias o Brasil voltará a ser o de sempre, esse que mesmo durante a Copa se deu o desfrute de uma queda de viaduto bem no caminho do Mineirão onde a seleção jogará amanhã. Afinal, nem tudo é perfeito, que há de se fazer.
Brasileiros em ação
Ontem eu me lembrei do que ouvia quando menino sobre a Copa de 1954. No Brasil crucificava-se o juiz do jogo entre o Brasil e a Hungria, o 4 X 2 que desclassificou a equipe brasileira. O juiz, um certo Mr Ellis, teria roubado escandalosamente para Hungria, prejudicando o time brasileiro. De tal forma divulgou-se isso que quando alguém surrupiava alguma coisa dizia-se que dera uma de Mr Ellis.
Naquela época a opinião nacional era mediada pelo que os locutores de rádio diziam. Na falta de transmissões televisivas ficava-se na dependência dos narradores e comentaristas esportivos que interpretavam ao seu modo, quase sempre apaixonadamente, os lances dos jogos e a arbitragem. Acontece que em 54 o Brasil tivera que enfrentar uma fantástica geração de jogadores húngaros liderados pelo grande Puskas. Até hoje não se entende bem como aquela seleção da Hungria acabou sendo derrotada na final pela Alemanha que se sagrou campeã mundial. Além do que o videoteipe do jogo dos brasileiros contra os húngaros não mostrou exatamente que a derrota pudesse ser atribuída aos erros do juiz. A seleção brasileira tinha bons jogadores, mas naquele momento a Hungria era mesmo um rolo compressor.
A lembrança do jogo de 54 me veio ontem por conta da lesão de Neymar. Desta vez tivemos oportunidade de ver, ao vivo e a cores, a entrada do jogador colombiano que resultou na quebra de uma vértebra de Neymar, afastando-o dos jogos finais da Copa. Obviamente, a gravidade da lesão provocada pela violência da entrada do colombiano está dando o que falar. Discute-se sobre a intenção maldosa do jogador colombiano que atacou Neymar metendo-lhe o joelho nas costas irresponsavelmente. Atingido, Neymar não mais se levantou e saiu do campo numa maca, sendo levado diretamente ao hospital.
Mas, foi intencional ou não o lance proporcionado pelo jogador da Colômbia? Houve maldade? Eis aí uma discussão que apaixona os torcedores. Ainda que o lance seja repetido à exaustão na televisão, encontram-se opiniões divergentes mesmo entre pessoas diretamente ligadas ao futebol. Para que se tenha ideia entre ex-jogadores predomina a certeza de que a agressão foi proposital embora existam os que consideram que tudo não passou de um lance normal do jogo com consequência não prevista. Posições antagônicas como essas rolam por aí, embora a maioria considere que o lance foi proposital.
Futebol é paixão e os brasileiros são apaixonados por esse esporte. A comemoração da vitória da seleção foi empanada pela triste contusão de Neymar. Mas, o tempo passa depressa e já na terça-feira a seleção estará em campo para o grande jogo contra a Alemanha. E os brasileiros estarão, todos, em ação. Nos estádios, nas praças públicas, nos bares, nos clubes, nas casas, em todos os lugares brasileiros estarão irmanados, torcendo loucamente por mais uma vitória, desta vez sem Neymar.
A invenção do telefone
Certamente é inimaginável um mundo sem telefones. Os jovens habituados à internet e à disponibilidade de celulares que permitem contatos instantâneos em qualquer lugar onde estejam não imaginam que há poucos anos as ligações eram feitas via telefonista. Se a tecnologia continuar avançando talvez um dia cheguemos ao teletransporte que hoje só existe no mundo ficcional.
Quando estudante de nível médio tive dois professores apaixonados pela ciência. Nas aulas eles nos estimulavam, frequentemente chamando a atenção para grandes cientistas e as descobertas que fizeram. Frequentemente citado era Alexander Graham Bell (1847-1922), inventor do telefone. Graham Bell descobriu como transmitir a voz utilizando correntes ondulatórias e fundou a primeira companhia telefônica. Sua invenção obviamente estava fadada a espalhar-se por todo o mundo, tornando possível a comunicação à distância entre pessoas.
Lembrei-me dos meus antigos professores ontem ao assistir um filme na TV sobre a vida de Graham Bell. No filme, de 1939, intitulado “A vida de Graham Bell” conta-se sobre as dificuldades que o cientista teve para patentear a sua invenção. O caso foi decido na Justiça dado que ao mesmo tempo outros pesquisadores trabalhavam no mesmo projeto. No final coube a Graham Bell a glória de passar à história como inventor do telefone.
Tudo isso estaria nos conformes não fosse o fato de que, em 2002, os Estados Unidos reconheceram Antonio Meucci como verdadeiro inventor do telefone. Em 1856 o italiano Meucci construiu um telefone eletromagnético para comunicar o escritório com o quarto de sua casa onde ficava sua mulher doente. Por estar sem dinheiro acabou vendendo o protótipo a Alexander Graham Bell que, em 1876, patenteou a invenção como sua. Como se tratava de uma patente com valor na casa de milhões de dólares Meucci tentou conquistá-la juridicamente. Entretanto, sua morte durante o processo acabou relegando seus direitos ao esquecimento.
Imagino qual seria a reação de meu antigo professor a um reconhecimento póstumo da invenção de Meucci. Era o meu professor grande admirador de Graham Bell a quem sempre citava como exemplo de gênio e determinação. Mas, o meu professor morreu há muito e não sei dizer se chegou a ter conhecimento sobre o papel de Antonio Meucci na invenção do telefone.
Esquartejamentos
Tínhamos um professor de Medicina Legal que era um sujeito muito interessante. Nas aulas teóricas ele projetava slides com os quais ilustrava os conceitos que ensinava. O diabo eram mesmo esses slides. Tratava-se de uma coleção de coisas horríveis, fotos de acidentes e crimes tendo presentes as vítimas no estado em que tinham ficado. Nunca me esquecerei de um homem atropelado na Via Dutra sobre cujo corpo passaram vários veículos. A redução do corpo a uma massa disforme, um monte de carne com partes irreconhecíveis era dessas coisas a não serem vistas tal a dimensão do horror que causava.
Mas, o nosso professor caracterizava-se pelo seu fino humor. Finíssimo humor, aliás. Acontecia sempre após uma série de slides muito desagradáveis de se ver que ele projetar a imagem de uma bela mulher seminua. O detalhe é que ele a apresentava com o mesmo tom de voz e naturalidade dos demais slides. Tudo muito natural, portanto. Mas, é de se lembrar de como aquelas imagens de mulheres nos traziam de volta ao mundo das coisas bonitas, contribuindo para dissipar o mal estar que os demais slides causavam.
Certa vez o notável mestre nos contou sobre um crime no qual ele fora chamado para fazer perícia. Disse ele ter sido levado a um pequeno apartamento no centro de São Paulo onde um homem mantivera relações sexuais com uma prostituta. Ao fim do encontro o homem acabou matando a prostituta e depois se desesperou porque não sabia como se livrar do corpo. Foi quando teve a ideia de esquartejar o cadáver e livrar-se das partes jogando-as na privada. Ao fim de algumas horas nessa tétrica empreitada e já coma privada entupida o assassino largou tudo como estava e fugiu. Como perito coube ao nosso professor o exame do corpo esquartejado e das condições em que o crime fora perpetrado. Obviamente tinha ele slides que mostravam tudo o que encontrara e exibiu-os com a naturalidade de sempre, obrigando-nos em alguns momentos a fechar os olhos diante de tanto horror.
Lembrei-me do caso da prostituta esquartejada ao ler hoje sobre um esquartejamento em São Paulo. O caso agora esclarecido vinha sendo investigado e noticiado, atraindo interesse dos leitores de jornais. Há algum tempo foram encontrados em lugares diferentes da cidade partes de um corpo humano que mais tarde descobriu-se pertencerem a uma mesma pessoa. A notificação do desparecimento de um motorista conduziu as investigações à conclusão de que as partes do corpo encontradas pertenciam a ele. Seguiu-se a informação de que o motorista tinha uma prostituta como amante. Só agora foram presas três prostitutas que confessaram ter matado o motorista. Segundo as mulheres o assassinato deveu-se aos maus tratos infligidos pelo motorista à amante. Vingança, portanto. Depois do crime seguiu-se o esquartejamento realizado pela amante e a distribuição das partes no centro de São Paulo. A cabeça, por exemplo, foi encontrada na Praça da Sé.
O esquartejamento do motorista me devolveu o mal estar que senti na aula do meu professor sobre a prostituta assassinada. Hoje, como naquela ocasião, fiquei pasmo com a frieza com que pessoas se aninam a esquartejar um cadáver. Trata-se de um degrau abaixo do nível mínimo de civilidade a que estamos habituados. O esquartejador passa a fazer parte de um sistema de horror aquém da capacidade de discernimento dos seres humanos comuns. Por outro lado é de se imaginar o sofrimento da amante que maltratada não encontrou outra saída que não a de livrar-se do violento amante.
Naqueles slides coloridos do professor predominava o vermelho. Era sangue por toda parte, nas paredes, no chão. O assassino acabou sendo preso e conclui-se que havia matado a mulher porque a mãe dele também fora prostituta. Vingar-se da mãe matando e esquartejando a pobre mulher, esse o motivo de seu crime.
Nem sempre o mundo em que vivemos se mostra compreensível.
O “Padrão FIFA”
Se há uma coisa que a Copa do Mundo que agora se realiza deixará como herança aos brasileiros é o tal “Padrão FIFA”. Da noite para o dia a expressão foi incorporada ao linguajar do povo. É “Padrão FIFA” pra cá, “Padrão FIFA” pra lá e assim vai.
O diabo é que o “Padrão FIFA” passou a servir como referência. Comparações entre obras e serviços públicos disponibilizados para a população passaram a ter como referência de qualidade as exigências da FIFA para a realização da Copa no país. Comparam-se serviços oferecidos ao povo com as tais exigências. Pergunta-se por que as fortunas empregadas para atender à FIFA não foram utilizadas para melhorias nos atendimentos da saúde, nos transportes públicos etc.
Isso sem falar na bronca gerada contra a FIFA por submeter o governo do país a tantos vexames. Era de dar pena ver o esforço de autoridades de alto escalão ao acompanhar as terríveis vistorias da FIFA em obras para a Copa. Corria-se atrás da aprovação de dignitários da FIFA. Um país submetendo-se a exigências! Isso sem falar no desconforto pela circulação de notícias no mundo todo nas quais se dizia que a Copa talvez não fosse acontecer tal a bagunça existente no país que descuidara-se na organização para o grande evento.
Pois a Copa está acontecendo e dá para se dizer que tudo corre muito bem. Os aeroportos estão dando conta, o acesso aos estádios é satisfatório e esses mesmos estádios são bonitos de dar inveja. Mais que isso, a competição está boa com surpresas pelas atuações de equipes consideradas mais fracas. Que se diga: um sucesso.
A Copa vai acabar, mas o “Padrão FIFA” vai ficar porque está na boca do povo. Ontem chamei um pedreiro para contratar um pequeno serviço na minha casa. Ele analisou o problema e me disse quanto cobraria. Então perguntei se ia ficar bom. A resposta dele:
- Vai ficar “Padrão FIFA”. Comigo é tudo no “Padrão FIFA”.
Pode?