Arquivo para agosto, 2014
Do fundo da memória
Do que me recordo bem é que chovia. Chovia muito. Semanas inteiras de céu nublado e água jorrando dos céus. Chovia e chovia. Chovia porque chovia. De madrugada a chuva piorava. E vinham os trovões. E os relâmpagos que chamávamos de coriscos. A chuva batia forte no telhado, fazendo um barulho danado. Os relâmpagos iluminavam a noite. De repente um estrondo, profundo, terrível. Era um raio que depois de um tempo se repetia.
As mulheres andavam pela casa carregando baldes, correndo atrás de goteiras. Em meio às tempestades faltava a luz elétrica e as velas nos salvavam do escuro. Cobriam-se os espelhos com toalhas, temendo que refletissem raios. Acendiam-se ramos de mato bento no Domingo de Ramos aos quais se atribuía proteção milagrosa.
Depois de alguns dias o sol reaparecia com ares de quem volta de viagem longa. Então o mato verde, iluminado, parecia encantado. As pessoas andavam nas ruas, nem alegres, nem tristes. A rotina do lugarejo tinha a simplicidade do pouco a fazer, das gentes sentadas nos bancos da praça, esperando por novidades que não viriam.
Às seis da tarde tocava o sino da Igreja. Então pelo alto-falante da igreja soavam as notas do Ângelus que faziam tristeza enorme na gente. Nas casas as mulheres ajoelhavam-se com os filhos diante de pequenos altares e puxavam o terço. Os homens ficavam no bar, jogando sinuca e bebendo.
O chão das ruas era de terra. Na falta de calçamento o barro se juntava nos tempos de chuva. Nos dias do sol o barro secava e erguia-se e subia o poeirão que o vento espalhava, sujando tudo.
Perto das oito da manhã a jardineira vinda de Minas parava defronte a sorveteria. Passageiros vestidos com guarda-pós desciam e logo tornavam aos seus lugares. Certo dia um certo Manoel ficou ali, de joelhos e chorando, implorando para que a mulher dele não fosse embora. A jardineira partiu e a mulher nunca mais foi vista.
No inverno o frio se instalava rigoroso. No fim de junho as fogueiras ardiam em homenagem a São João e São Pedro. Assavam-se pinhões e batatas-doces, fazendo a alegria das pessoas em torno das fogueiras
Naquele tempo o hábito era recolher-se cedo. Depois das nove da noite raramente alguém passava na rua. Atribuíam-se passos ouvidos nas madrugadas a almas errantes que retornavam ao mundo para terminar assuntos deixados em aberto. Ou fantasmas de animais como aquele cavalo sem cavaleiro que muitas vezes trotava de madrugada.
Era bem outro aquele mundo pequeno no qual as pessoas se conheciam e contavam histórias. Mas, havia ali amores e ódios, acontecimentos tristes ou engraçados, tragédias e comemorações. E dizer que, entretanto, aquela gente toda hoje está morta e aqui estou eu, remanescente tardio, revendo faces desparecidas, lembrando-me das madrugadas gélidas de tempestades e das noites em torno das fogueiras, junto de pessoas a quem tanto amei.
Paulo Valentim
Paulinho Valentim
Estão falando sobre Paulinho Valentim. Um jornalista descobriu, morando em Buenos Aires, a mulher do Paulinho, a Hilda Furacão. Hilda tornou-se conhecida graças a uma série da TV Globo. Na vida real Hilda foi uma prostituta que atuava em Belo Horizonte onde ganhou fama. Depois conheceu Valentim e acabou casando-se com ele.
Paulinho Valentim foi um soberbo centroavante. Jogava no Atlético de Minas de onde foi transferido para o Botafogo do Rio, justamente por causa de seu relacionamento com Hilda que incomodava os mineiros. Também jogou na Argentina onde até hoje é ídolo do Boca Juniors. Andou pelo mundo com a sua Hilda e morreu esquecido e pobre.
Para mim Paulinho Valentim é muito mais que um nome do futebol do passado. Paulinho Valetim é aquele cara brigando no braço com os jogadores uruguaios no jogo entre as seleções do Brasil e do Uruguai no Campeonato Sulamericano de 1959. É, também o cara que entrou no segundo tempo e virou o jogo que até então era vencido por 1X0 pelo Uruguai. Valentim fez três gols inesquecíveis naquela noite. Ainda o vejo, correndo de um lado para outro no dial do rádio, marcando os gols que deram a vitória ao Brasil.
Obviamente, a emoção vivida no dia daquele jogo é intransferível. Mas, ei-la de volta agora quando se fala outra vez do grande Paulinho Valentim.
Era outro mundo aquele, no qual só o rádio existia para nos trazer os lances de uma batalha inesquecível. Paulo Valentim pertencia aquele mundo do qual aos poucos vamos nos despedindo. Mas, quem viveu aqueles momentos de emoção certamente não os esquece. Era o Brasil que fora campeão do mundo em 1958, lutando bravamente para suplantar seus tradicionais adversários.
Quanta saudade!
Peruntas e Respostas
Num curso superior alunos de uma turma preparavam-se para a prova final de uma matéria considerada difícil. Aliás, não só difícil como ministrada por professor competente e exigente que não dava mole na aprovação de seus alunos. De modo que a semana em que se realizaria a prova começara tensa com muita gente precisando de nota e madrugas insones de estudo.
Entretanto, eis que aconteceu um fato inesperado: um dos alunos entrou na sala dos professores e encontrou uma cópia da prova sobre a mesa. Não havia ninguém na sala, nenhuma testemunha e o rapaz sucumbiu à tentação: pegou a prova, levou-a a um xérox e apropriou-se da cópia.
O passo seguinte foi uma reunião a portas fechadas com todos os colegas de classe. Nessa reunião decidiu-se que o melhor meio seria cada um acertar o número de questões que daria ao interessado a nota necessária para a sua aprovação. Depois disso, feito o gabarito da prova e considerando-se as necessidades pessoais a reunião encerrou-se com a concordância de todos sobre o combinado: fulano acertaria tantas, sicrano outras tantas e assim por diante.
No dia da prova o professor encontrou a turma tranquila. A prova era mesmo a esperada de modo que não foi difícil a cada aluno responder às perguntas propostas sob a forma de testes. Terminada a prova a turma se reuniu para uma cervejada: tinham se livrado de um enorme obstáculo.
Na semana seguinte eis que veio o professor para a aula de sua matéria, trazendo uma pilha de folhas. Receberam-no sorridentes os alunos porque agora receberiam as provas. Mas, não foi bem isso que aconteceu porque o professor entregou a todos nova prova. Diante de tão inesperado acontecimento não houve nem mesmo condições para algum tipo de protesto. Obviamente, o professor descobrira a farsa. Teria ele propositalmente deixado uma cópia da prova na sala dos professores para se divertir à custa de seus alunos?
O assunto ficou pendente até o ano seguinte quando, enfim, os alunos souberam a razão pela qual a prova que tinham feito fora anulada. Aconteceu que a cada um ocorreu a ideia de que se os colegas acertariam o número combinado de questões que mal faria a alguns acertarem todas? Por que não? Foi assim que toda a classe acertou todas as questões e a prova, obviamente, foi anulada.
Essa história me veio à memória agora que membros do alto escalão da Petrobrás e governo são acusados de terem combinado perguntas e respostas para as respectivas participações na CPI realizada no Congresso Nacional sobre a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA. Diante de um inexplicável mau negócio realizado com o dinheiro público o jeito encontrado foi o acerto de depoimentos que livrassem a cara dos envolvidos. Entretanto, de repente surge uma gravação na qual o chefe do escritório da Petrobrás revela a armação. O caso estarrece a opinião. Defensores do governo dizem que esse tipo de coisa sempre aconteceu na história do país. A oposição vale-se do episódio para exigir punição dos envolvidos.
O diabo é que os envolvidos na farsa da CPI foram surpreendidos com as mãos na massa. Exatamente como os tais alunos cuja esperteza deu no que deu.
Velhice e aposentadoria
O problema não é “quando vou parar”, mas sim “quando vou poder parar”. A resposta é fácil quando se depende do sistema previdenciário do país: nunca. Claro que esse “nunca” fica na dependência de outros fatores, entre os quais figura, principalmente, o estado de saúde.
Como o mundo é vasto, encontra-se por aí toda sorte de condições e situações. Conheço um sujeito que já passou da idade de parar. Mas, mesmo com a visão afetada ele insiste em continuar. Tem, como todo mundo, as razões dele. Não é só pelo sustento da família, diz ele. Além de ser arrimo o fato é que se viu trabalhando desde que se entendeu por gente. Como agora, da noite para o dia, recolher-se à casa e ficar esperando pelo nada? Pela morte? Aliás, o meu conhecido é o tipo do homem que se parar morre e ele sabe bem disso.
Outro é o caso de um amigo que no auge de seus 80 anos de idade está às voltas com pendências relativas às suas propriedades. O que consome esse homem é a falta de energia, a depressão contra a qual luta bravamente e não consegue se livrar. Ele reclama da falta de disposição que o prostra, impedindo-o de cumprir compromissos importantes. De modo algum se tem por doente ou quer-se acomodado: trava sozinho uma luta a cada dia mais invencível e teme que só a morte venha a colocar paradeiro a essa situação.
A velhice é tema complexo sobre o qual nem sempre existe concordância dos especialistas. Se deixarmos de lado condições financeiras e de saúde, ainda assim nos depararemos com uma multidão de pessoas idosas insatisfeitas. Dentre as pessoas que conheço é fácil reparar que boa parte não se preparou para a velhice. Recebem o passar do tempo com a surpresa de quem jamais imaginou fosse acontecer a eles. Parecem nunca ter-se pensado velhos e por isso não se conformam.
Tempos atrás fui a um médico que do nada passou a me falar sobre o cunhado dele. O cunhado tem três filhos; o mais velho envolveu-se com drogas; o do meio não se acerta na profissão; a mais nova ainda não completou o curso superior. Conclusão: o cunhado do médico não pode morrer. Então, após me dizer isso o médico perguntou: você pode morrer?
Que pergunta! Se posso morrer agora? Ora, não poderei morrer nunca. Afinal, como ficarão os filhos, aquela propriedade, enfim… Pois é esse apego à vida que torna a velhice um incômodo. Ao nos condicionar asituação na qual nem sempre somos donos de nós mesmos impõe-se um tipo de restrição que se apresenta como intolerável. Entretanto, isso não representa que a velhice seja um fardo mais pesado do que realmente é. Serenidade, aceitação e preparo podem tornar bem razoável a última quadra da vida.
Quando respondi ao médico que não poderia morrer agora ele me apontou o dedo e disse:
- Então, daqui pra frente você vai se cuidar. Vai seguir direitinho tudo o que eu determinar.
- Sim senhor - foi tudo o que me ocorreu dizer.
O discurso
O Tal falava alto para todos ouvirem.
“Porque o mundo ficou assim? Por falta de liberdade. O sistema destruiu a liberdade do homem. Somos dominados por um código que nos restringe. Quem pensa que com liberdade o mundo seria incontrolável está errado. Não! Homens livres, sem a pressão do sistema, usam de bom senso. Que não se confunda um mundo livre com anarquismo. Nada de anarquia. Anarquistas não fazem reunião. Anarquistas são vítimas do próprio anarquismo ao qual têm que obedecer. Anarquistas não são verdadeiramente livres. Nem são livres esses homens que saem às ruas protestando. Eles não protestam por liberdade. Eles querem romper o sistema vigente para colocar outro no lugar. Fazem o mesmo que os políticos que buscam cargos para repetirem a mesma coisa. O que acaba com o mundo é o continuísmo. Se vocês pensarem bem o mesmo é sempre trocado pelo mesmo. Por isso nada muda de verdade. Os homens deixam-se enganar por promessas que nunca serão cumpridas. O mundo virou um faz de conta, não é verdade? Você faz de conta que a violência não vai chegar à sua casa, faz de conta que a sua vida é boa, faz de conta que é feliz. Você não é feliz porque a felicidade é impossível num mundo sem liberdade. Liberdade individual, liberdade coletiva é do que precisamos. Parar com essa conversa de que precisamos deixar um mundo bom para as gerações futuras. Precisamos de um mundo bom agora, agorinha. Preciso de um mundo coerente enquanto estou vivo. Isso não é egoísmo. Isso não é não se preocupar com o futuro. De que adianta projetos para daqui a 100 anos se hoje a miséria está aí, visível aos nossos olhos? Que me interessa saber que daqui a um século os serviços de saúde atenderão a todas as pessoas com dignidade e eficiência? De que me adianta saber que daqui a um século finalmente reinará a igualdade entre os homens? Você acredita nisso? Você que se empenha tanto, você que se acaba no trabalho para garantir o sustento da sua família, você acredita mesmo que está contribuindo para um mundo melhor no futuro? Pelo amor de Deus, o nosso futuro é agora. O meu futuro será o da tarde deste dia só se eu continuar vivo até lá. Nenhuma teoria, nenhuma filosofia resiste ao impacto de uma realidade como essa. Por isso digo que já passou da hora de romper com essa vida robotizada. Chega de faz de conta. Chega da passividade com que nos deixamos enganar. Chega de dar ouvidos a promessas falsas. Chega de mentiras. Chega de um sistema que nos oprime. É hora da liberdade. Precisamos ser livres, acreditem é essa a única solução.”
O Tal era um velho dentro de um terno amarfanhado. Quando chegamos à estação ele desceu sem se despedir. Então a mulher sentada ao meu lado comentou que nesse mundo tem louco para tudo. Uma senhora sentada à frente ouviu e voltou a cabeça para concordar. Mas, um rapaz que ouvira atentamente o discurso discordou, dizendo que talvez que talvez o Tal tivesse alguma razão.
Meningite causada por verme
A revista “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz” informa sobre um tipo de meningite pouco conhecida. Trata-se da “meningite eosinofílica” cujo diagnóstico nem sempre é fácil dado o desconhecimento de profissionais da área médica sobre a existência dela. De fato, meningites conhecidas são a bacteriana e a viral de forma que sintomas como dor de cabeça, febre, rigidez de nunca e, eventualmente, manchas hemorrágicas na pele são associadas a elas.
Entretanto, casos de meningite eosinofílica têm acontecido em alguns estados brasileiros. Esse tipo de meningite é causado pelo verme Angiostrongylus cantonensis que é transmitido por crustáceos e moluscos. Vetor importante é o caramujo gigante africano que ingere fezes de ratos nas quais pode existir o verme. Quando o caramujo se desloca libera um muco para reduzir o atrito com a superfície na qual se encontra. Esse muco contém os vermes que assim podem chegar a verduras e frutas. O homem adquire a meningite ao ingerir verduras e frutas mal lavadas ou mesmo ao tocá-las e trazer a mão à boca.
O contágio pode ser evitado através da colocação de verduras e frutas em água com uma colher de água sanitária pelo tempo de meia hora. Também importante é lavar as mãos. O caramujo gigante africano é encontrado em quintais, ruas e praças e deve ser eliminado, tomando-se o cuidado de não tocar nele com as mãos.
Na meningite eosinofílica os sintomas são semelhantes aos de outras formas de meningite, sendo menos comum a rigidez de nuca. O diagnóstico se faz por punção lombar, analisando-se o líquor ou líquido encéfalo raquidiano. A presença de células chamadas eosinófilos dá a esse tipo de meningite o nome de eosinofílica.
É muito importante a divulgação desta notícia em função de diagnóstico e dos cuidados que devem ser tomados pelas pessoas em relação a alimentos de origem vegetal. Em sua edição de ontem o jornal “O Estado de São Paulo” publicou notícia esclarecedora sobre o assunto.
No tempo do yotabyte
Bom. Começa que o site do UOL encomendou à Seagate e ao Departamento de Ciência da Computação da Poli-USP cálculos sobre a capacidade de armazenamento de dispositivos eletrônicos. Você deve estar acostumado a falar em megabytes, gigabytes e, no máximo, terabytes. Aquele seu HD externo que você usa para guardar cópias de seus arquivos deve ter 1 ou 2 gigabytes o que representa espaço pra caramba. Agora o que não sei se você sabe é que existe uma hierarquia acima do gigabyte que termina no tal yotabyte. Esse yotabyte é grande, muito grande, acredite.
No UOL explica-se que acima do terabyte está o petabyte cujo armazenamento exigiria um data center construído numa área de 1000 m² com 4 mil máquinas. Pois para armazenar 1 yotabyte seriam necessários 75 milhões de data centers que ocupariam a área total do Estado de São Paulo.
Bom. Daí que você pode se perguntar qual seria o interesse de se saber o que é o yotabyte. Acontece que dias atrás faleceu o escritor Ariano Suassuna e uma das entrevistas dele foi reproduzida na TV. Pois o grande escritor mais uma vez recordou que escrevia a mão, com sua caneta. Nem mesmo máquina de escrever ele usava.
Então houve um tempo bem recente no qual não existiam computadores e a vida se passava de outro modo. Não se tinham notícias sobre gente surrupiando dados, sites sendo invadidos, vidas sendo investigadas eletronicamente, espionagem de governos via internet. Daí vieram aquelas primeiras máquinas que custavam caro e quase nada ofereciam. Não sei se você guardou como recordação um disquete de 5 ¼, aquele grande e mole que exigia muito cuidado no manuseio. Depois vieram os disquetes pequenos e, finalmente, os HDs que evoluíram sem parar. Hoje em dia há cartões de memória com 1 gigabyte ou mais.
Agora, o que não me entra na cabeça é a ideia de que algum dia possam circular dados que exigiriam a capacidade de armazenamento de um yotabyte. Verdade que anos atrás um dispositivo capaz de armazenar 1 gigabyte era de grande tamanho. Nessa loucura de avanços tecnológicos quem sabe no futuro inventem dispositivos de menor tamanho com capacidades muito maiores de armazenamento.
O fato é que a computação vai cada vez mais ocupa espaços na vida da gente. Nós nos tornamos dependentes de computadores, já não sabemos viver sem a internet. Mas, mais me impressiona a constatação de que mesmo pessoas idosas, de mais de 80 anos de idade, estão sendo sugadas pela tecnologia. Outro dia me contaram que uma senhora, minha conhecida, está doente e se recusa a sair do leito. Ela passa dias inteiros em seu quarto. Comentei sobre a tristeza de um fim de vida confinado ao isolamento. A pessoa com quem eu conversava me interrompeu, dizendo: que nada! E explicou: ela passa o tempo todo com um Ipad nas mãos, fazendo contatos via Facebook e outras redes sociais. O detalhe é que a tal senhora nunca usou computadores, ela é uma recém-convertida ao mundo dos bytes.
Paro por aqui.
A morte da artista
Em 23 de julho completaram-se três anos da morte da cantora Amy Winehouse. Como não poderia deixar de ser a morte da artista pegou o mundo de surpresa, provocando histeria entre seus fãs. Desaparecia precocemente, aos 26 anos de idade, deixando atrás de si um não pequeno legado de atuações eletrizantes. Proprietária de uma voz fantástica caracterizava-se pelo profundo contralto. Intérprete da melhor cepa cantava músicas de gêneros variados como o soul, o R&B e o jazz.
Tempos antes de morrer Amy esteve no Brasil onde se apresentou. Conheci pessoas que viajaram ao Rio Grande do Sul para vê-la em concerto. Voltaram entusiasmadas. O mesmo não aconteceu em São Paulo. Comentou-se que a apresentação de Amy fora um desastre. Dizia-se que a cantora apresentou-se alcoolizada a ponto de não se entender musicalmente com a banda que a acompanhava. Um crítico escreveu que Amy estaria em decadência e chegara a hora de buscar dinheiro no terceiro-mundo.
Não cheguei a me entusiasmar com Amy Winehouse. Quando minha mulher comprou um CD da cantora pareceu-me grande a semelhança de seu jeito de cantar, talvez o timbre de voz, com a canora Etta James. Depois havia o fato de que se tratava de uma moça que, nos últimos tempos, parecia não levar a sério a sua carreira.
Mudei de ideia depois da morte da artista. Só então prestei mais atenção às gravações dela e entendi porque Tony Bennett considerou a voz de Amy como a mais natural entre os cantores de jazz contemporâneos. Aliás, a gravação de “Body e Soul” na qual Bennett canta ao lado de Winehouse é antológica.
Mas, não escrevo para falar sobre a carreira de Amy Winehouse, sua voz e sucesso. O que me anima é o fato de que a morte dela foi encarada como o desaparecimento acidental de uma moça que exagerou no consumo de álcool. De certo modo teria ela conduta reprovável que a levou ao óbito, como, aliás, consta do laudo sobre sua morte.
Prefiro pensar que Amy Winehouse foi uma dessas raríssimas artistas que de vez em quando aparecem no cenário mundial. Trata-se de um gênero de seres humanos que parecem ter nascido para não seguir as regras que adotamos como usuais. São pessoas dotadas de uma sensibilidade pontos acima do patamar atingido pelo comum dos mortais. São verdadeiramente artistas.
Acredito que Amy Winehouse foi um desses seres fora da curva, dona de uma voz impressionante e de imensa capacidade de composição e interpretação. O que se passa na cabeça de uma pessoa assim foge aos padrões. Amy viveu num mundo só dela do qual se desligou acidentalmente ao ingerir quantidade excessiva de álcool. Saiu do mundo, simplesmente. Deixou-nos sua voz.
Aos mísseis
Nasci no pós-guerra e sempre ouvi que a minha geração tivera a sorte em não crescer num mundo dominado pela barbárie. Entretanto, os reflexos da guerra travada na Europa permearam a minha juventude. A Guerra Fria que dividiu o mundo em dois blocos durou até a queda do muro de Berlim. Ditaduras miliares às quais o uso da violência figurava como necessário até hoje despertam reações tal o número de casos não resolvidos. Forte esquema repressivo impunha aos cidadãos brasileiros cuidados extraordinários ao tempo de minha juventude.
Tudo o que está acima contribui para uma constatação: o homem não aprende. Se a experiência do passado de nada ou pouco vale para que se busque equilíbrio e paz duradoura o que se pode esperar é mais guerra e mais barbárie.
Daí que não é de se estranhar o que acontece na Ucrânia e no conflito entre Israel e o Hamas. Na Ucrânia vicejam as disputas locais infelizmente coroadas com a derrubada de um avião comercial pelo lançamento de um míssil. Trezentas pessoas morreram na explosão e uma chuva de corpos e pedaços marcou o terrível epílogo do ataque. O mundo protestou, é verdade. Mas, ainda hoje procuram-se culpados, ninguém foi punido e, sinceramente, não se acredita que alguém venha a pagar pelo crime que ceifou tantas vidas.
Não bastasse o caso ucraniano eis que se prolongam os combates na Síria sobre os quais as notícias já não são tão frequentes. Trata-se de uma revolução que já passou à rotina porque parece insolúvel, prosseguindo à custa de muita dor, sofrimento e perdas de vidas.
Que dizer dos distúrbios na Faixa de Gaza onde são despejados, diariamente, mísseis enviados por Israel? E dos mísseis disparados pelo Hamas em direção a Israel? De repente os mísseis israelitas caem uma escola matando crianças. O mundo protesta. Carnificina! Combina-se uma pausa humanitária de 72 horas. Depois disso, aos mísseis.
Há 100 anos estourava a Primeira Guerra Mundial que esperava-se curta, mas resultou na morte de milhões de pessoas nos seus quatro anos de duração. A Segunda Grande Guerra consolidou-se como tragédia irreparável nela acontecendo o Holocausto. Ao tempo da Guerra Fria as divergências entre os EUA e a Rússia por pouco não levaram ao início de uma guerra nuclear.
O homem é um ser belicoso, não adianta negar. Mas, talvez, com algum esforço pudessem ser evitadas tantas mortes desnecessárias.