Arquivo para março, 2015
Colecionadores
Ouvi no rádio do carro papo sobre colecionadores. Um dos entrevistados é proprietário de 6 milhões de LPs. Entretanto, não se considera um colecionador. Define-se mais como acumulador. Mas, então, o que é um colecionador? Na verdade não se chegou a consenso. Colecionador seria a pessoa que opta por linha de coisas de que gosta muito e se dá ao trabalho de preencher as lacunas de sua coleção. O colecionador garimpa no mercado partes faltantes de sua coleção. Tudo em ordem e progresso. Não são colecionadores aqueles que trazem para casa um pouco de tudo e mantêm seus pertences de forma desorganizada.
Fui sempre um mau colecionador se é que cheguei, em algum momento, a fazer jus ao título. Quando menino o que havia para se colecionar eram figurinhas. Os famosos álbuns faziam a alegria da criançada. Embora existissem álbuns de vários temas, o preferido era o de futebol. Em cada página onze espaços a serem preenchidos com as figurinhas que se compravam em pacotinhos. O diabo eram as repetidas que serviam ao mercado da troca. Obviamente, as figurinhas se dividiam em fáceis e difíceis. Sempre existia uma delas dita “a mais difícil do álbum”. Grande parte dos colecionadores não chegava a completar os álbuns, empacados que ficavam nas difíceis. Mas, quem conseguia completar fazia jus a um prêmio oferecido pelas editoras de figurinhas.
Que me lembre, nunca consegui completar um álbum de vez que minhas verbas para comprar figurinhas eram mais que curtas. De modo que passava horas junto com outros moleques, trocando. Poucas coisas na vida superam a satisfação de um menino ao conseguir uma figurinha difícil que faltava no seu álbum.
Colecionei, também gibis, que me eram trazidos por um irmão mais velho. Chaguei a ter uma coleção grande do Pato Donald, número a número. Já homem e trabalhando descobri no Parque D. Pedro uma banca na qual encontrei - e comprei - coleções inteiras de gibis do Mandrake, do Fantasma e do Flash Gordon. Infelizmente numa dessas viradas da vida acabei me apartando desses gibis coisa de que me arrependo muito.
Tenho um parente grande colecionador de gibis que os traz trancados a sete chaves. Separou-se da mulher, de todo mundo, mas não dos gibis. Hoje idoso mantém a sua coleção com a mesma vibração dos tempos de rapaz. Línguas maldosas falam dele como alguém que não cresceu. Bobagem. Só quem não conhece os prazeres experimentados ao se conseguir e manter uma coleção podem rir de algo tão sensível.
Deixei de colecionar coisas quando as exigências da vida diária soterraram meus impulsos de menino. Infelizmente. Acredito piamente que toda pessoa abrigue me seu peito um colecionador, tantas vezes não identificado. Colecionar é algo saudável que permite alegria e descontração nessa vida tão atribulada.
Acidente provocado
Autoridades francesas divulgam o resultado da análise da caixa-preta na qual se ouve o que aconteceu nos derradeiros minutos, antes da colisão do avião com as montanhas.
Segundo as autoridades o piloto saíra da cabine para usar o banheiro e, ao retornar, achou a porta trancada. Sozinho na cabine o copiloto não abriu a porta embora pudesse ouvir a tentativa do piloto em arrombá-la. Ato continuo provocou a descida do avião até a altura mínima possível, levando-o a chocar-se com as montanhas dos Alpes.
A divulgação dessa notícia estarreceu o mundo. Por que uma pessoa na qual se deposita toda a confiança decidiu morrer e levar consigo 150 de seus semelhantes? Loucura momentânea? Suicídio premeditado? Vingança? Terrorismo? Crise depressiva?
O fato é que a notícia encheu de pasmo pessoas já imensamente constrangidas por acidente tão trágico. Passou-se a falar em assassinatos. Os pais do copiloto que estavam junto com os familiares dos passageiros desaparecidos separaram-se do grupo. A polícia foi ao apartamento onde vivia o copiloto em busca de sinais que explicassem a conduta dele.
Até agora nada para um ato tido como inexplicável. A companhia aérea veio a público para esclarecer que o copiloto passara por todos os testes e estava apto para a sua função. Pessoas que conheciam o copiloto afirmam tratar-se de um bom sujeito, cortês, do qual jamais poderiam suspeitar. Então por que?
O terrível acidente com o Boeing da Germanwings talvez permaneça como fato absurdo para o qual nenhuma razão parecerá satisfatória. Excluiu-se a possibilidade de o copiloto ter sido vitimado por mal súbito dado que a respiração dele manteve-se normal até o momento da colisão.
É de se imaginar o que terá se passado na cabeça desse homem nos momentos em que pilotava para sua morte e a dos passageiros do voo. Queria, talvez, ele ser lembrado, para sempre, pela escolha de uma tragédia no momento em que decidiu pôr fim à própria vida? Que tipo de distúrbio mental levou esse homem a ato extremo de tão grande significação pública? Provocar deliberadamente dor nos familiares desesperados pela perda de entes queridos de forma tão inesperada e absurda?
Quando ocupamos um assento em aeronaves depositamos as nossas vidas nas mãos das pessoas que a comandam. Trata-se de uma relação de confiança que julgamos inquebrantável. Impossível supor-se que do outro lado, na cabine de comando, exista alguém disposto a rompê-la.
Confesso: amo o Brasil
Nesses dias de imensa turbulência e desencanto ouço falar sobre gente que se prepara para sair do país. Um conhecido gritou: chega! O cara está fulo da vida porque seu negócio emperra, a tributação é exagerada, o dólar dispara e ninguém sabe como será o amanhã. A dívida dele é em dólares e já teme não pagar os fornecedores no exterior. Além do que a receita diminui dada a retração da economia. Pois esse conhecido tem as suas reservas, pode-se dizer que está bem de vida, daí que está de malas prontas para viver em Miami com a família.
Há quem sonhe em cair fora, mas simplesmente não tem como. Vejo gente trabalhando sem vontade, sem estímulo para fazer as coisas com empenho porque o dinheiro do começo do mês nem dá para tapar o buraco deixado no mês anterior. Além do que os juros bancários estão altos demais, desproporcionais aos vencimentos. Dívidas atrasadas em bancos implementam-se com juros sobre juros e daqui a pouco a dívida se torna estratosférica.
Nos jornais leem-se diariamente tentativas de explicar a revolta do povo que recentemente saiu às ruas para protestar contra o governo. Falam e falam, mas todo mundo sabe que o problema está nos bolsos cada vez mais vazios. Descontos são infalíveis nos holerites, mas o governo que arrecada nem de longe cumpre a parte dele que é a de devolver bons serviços e segurança à população.
Cada brasileiro leva na alma, hoje em dia, o peso de viver num pais onde tudo parece ter sido contaminado pela corrupção. É bem o caso do que se diz nas ruas: esses caras roubam bilhões e querem que nós paguemos a conta. De fato é sobre o povo que recaem as dificuldades dos ajustes econômicos, da reforma tributária etc. Vive-se sob o império da propina, palavra que passa a fazer parte do cotidiano de forma arrasadora. É de se ver a naturalidade como bandidos que optam pela tal delação premiada relatam manobras envolvendo milhões de reais. Falam como se desviar dinheiro fosse a coisa mais natural do mundo. E a turma na rua comendo o pão que o diabo amassou, dando duro em troca de uns míseros reais.
Pelo que a gente se pergunta se a humanidade chegará algum dia a descobrir um sistema político realmente eficaz ou que pelo menos se aproxime disso. Socialismo, liberalismo, comunismo, democracia, presidencialismo, parlamentarismo, ditaduras etc não passam de sistemas que, na prática, não funcionam direito. Além do que, convenhamos, a tal igualde social é meta que nunca será atingida pelo menos nesse mundo.
Pois é. A afirmação de que o homem é um animal político não tem logrado maior sorte por aqui dada a conhecida precariedade da classe política em atividade. No momento o Legislativo encosta na parede o Executivo cujas forças se exaurem dia-a-dia. Ninguém sabe no que isso vai dar. No exterior olha-se o Brasil como país das negociatas. A Petrobrás afunda-se a olhos vistos encampada que foi pela corrupção. Outro dia perguntaram a uma jornalista que pedido faria caso pudesse. Ela respondeu: que devolvam a Petrobrás ao Brasil.
Daí que me vi perguntando se, caso pudesse, sairia do Brasil. Rapaz, não posso. Eu não conseguiria viver noutro lugar do mundo, morreria de saudades da minha querida terra, onde nasci e quero morrer. Já passei uns tempinhos no exterior, tudo muito bonito, direitinho, mas não dá. O fato é que pertenço a essa confusão. Adoro esse Oiapoque ao Chuí, essa nação continental, esse povo mestiço. Os batuques me empolgam, o frevo me emociona, o carnaval nem se diz. O clima pavorosamente tropical é um bálsamo quando penso naqueles montanhas de neve nas ruas e verões curtos do hemisfério norte. Que dizer da natureza deslumbrante, da vida animal, dos rios, das florestas e - por que não - das nossas cidades?
Vivendo no exterior eu não passaria de um exilado de minha parte. Lembro-me sempre do sofrimento do Juscelino, apartado de sua terra, desesperado. De outros exilados também.
Então me cabe confessar que de fato amo o Brasil. Daqui não saio, daqui ninguém me tira.
Angelina Jolie
Não há como não admirar o enfrentamento da grande atriz com o câncer. Ela perdeu a mãe, a avó e uma tia com a doença. A mãe faleceu aos 56 anos de câncer de ovário.
Há pouco tempo Angelina submeteu-se à mastectomia total, retirando as duas mamas. Agora submeteu-se à retirada dos ovários dado ter sido detectada a possibilidade de câncer neles. Angelina brinca, falando que seus filhos nunca poderão dizer que a mãe morreu de câncer de ovário.
Há mais de quarenta anos minha avó foi vitimada pela doença. Não se dispunham, naquela época, dos recursos terapêuticos hoje disponíveis. Realizada a mastectomia no Hospital do Câncer, seguiu-se a radioterapia da qual resultou queimadura extremamente dolorosa. Depois disso minha avó sobreviveu durante alguns meses com intenso sofrimento.
Atualmente, meios de diagnóstico, medicações e recursos cirúrgicos radioterápicos têm aliviado o sofrimento e proporcionado a cura em muitos casos. Detecção precoce da doença é fundamental para que se mantenham esperança e efetivem-se curas.
Infelizmente grande parte da população não têm acesso aos recursos de ponta hoje disponíveis. Atrasos no diagnóstico da doença e as dificuldades em receber tratamento adequado comprometem os prognósticos.
Depois que minha avó faleceu minha tia - filha dela - nunca mais pronunciou a palavra “câncer”. Referia-se à causa da morte de sua mãe como “aquela doença”. Minha tia tinha horror de vir a ser diagnosticada com a doença. Acabou morrendo após ser lançada para fora do carro durante um acidente de tráfego.
Há que se elogiar a divulgação feita por Angelina Jolie de seu problema e tratamento. Angelina estimula as mulheres a cuidar de suas mamas e precaver-se em relação ao câncer.
Acidente aéreo
Caiu nesta manhã um avião da companhia alemã Germanwings do grupo Lufthansa. O acidente aéreo aconteceu sobre os Alpes e os destroços já foram localizados numa altitude de 2000 metros. A bordo viajavam 154 passageiros e seis tripulantes. Não há possibilidade de existirem sobreviventes. O voo partira de Barcelona em direção a Dusseldorf.
Circulam na internet fotos de familiares dos passageiros chegando aos aeroportos em busca de notícias. Há nas faces dessas pessoas um horror indescritível. O espanto diante do absurdo e instantâneo desaparecimento de pessoas queridas estampa-se nos semblantes. Torna-se inacreditável que entes queridos tenham desaparecido inesperadamente.
Sempre que estou em aviões imagino no que viria a ser a catástrofe de um acidente. Como seriam aqueles minutos nos quais nada se pode fazer e o fim é iminente? Por que tantas pessoas reunidas ao acaso num voo fadaram-se a morrer no mesmo instante?
De todas as descrições de dor após acidentes aéreos guardei a de uma mãe que perdeu dois filhos quando um avião não parou na pista de Congonhas e colidiu com um prédio, incendiando-se. Ocorrido o acidente as redes de televisão imediatamente iniciaram a cobertura, trazendo imagens do prédio em chamas. Aquela mãe relataria, tempos depois, o desespero de olhar para as chamas onde os corpos de seus filhos estavam sendo queimados. Horror indescritível, além do que as forças humanas podem suportar.
Há nos familiares que chegam agora aos aeroportos de Barcelona e Dusseldorf o estranhamento diante da exposição frontal à precariedade da vida. A realidade terrível da morte escancara o abismo entre o viver e o deixar de ser e isso parece incompreensível. A morte não anunciada, súbita e inesperada carrega-se de dor incontrolável.
Tenho medo de aviões, sim senhor. Não adianta me garantirem que trata-se do veículo mais seguro do mundo e apresentarem estatísticas que demonstram a segurança dos voos. Quando um acidente acontece a confiança que temos em aeronaves estremece. Ainda bem que momentaneamente.
O maníaco da seringa
Preso semana passada em Fortaleza o “maníaco da seringa” cuja prática é a de abordar mulheres e feri-las com a agulha de uma seringa. Essa é a segunda vez em que o Seringa é preso. Na vez anterior a seringa não estava contaminada e o maníaco ficou apenas 5 dias recluso, sendo depois liberado por se tratar de ferimentos considerados leves.
Desta vez a seringa foi apreendida e está sob perícia para se saber se teria conteúdo perigoso. O maior receio é o de sangue contaminado por vírus da AIDS, caso em que as mulheres feridas estariam predispostas a adquirir a doença.
Ano passado populações de cidades do interior do Piauí assustaram-se com o boato de um maníaco da seringa que estaria contaminando mulheres com o vírus da AIDS. Dizia-se que um foragido da polícia circulava nas cidades, ferindo mulheres. O boato foi espalhado através das redes sociais, obrigando as autoridades a desmentir a presença de algum maníaco da seringa na região. De fato nenhum caso de agressão desse tipo foi constatado.
Sejam lá quais forem as razões de geração de maníacos, o fato é que trata-se de pessoas perigosas. Abusos e traumas sofridos podem levar a distúrbios de personalidade que em muitos casos aflora na prática de atos até mesmo hediondos. No Brasil há casos que se tornaram famosos de maníacos como o do “Maníaco do Parque”, condenado a 271 anos de reclusão por estrupo e morte de mulheres. Aliás, mulheres parecem ser vítima preferidas de maníacos dado a maior facilidade em subjugá-las.
Maníacos dificilmente se regeneram, havendo casos para os quais não há solução. Champinha que torturou e matou um casal de jovens acampados era menor de idade na ocasião dos crimes. Hoje em dia o marginal que teria direito à liberdade continua recluso porque é certo que, caso volte às ruas, tornará ao crime.
Pode parecer crime menor um sujeito abordar mulheres e feri-las com uma agulha. Não é. Faz-se necessário tirá-lo de circulação. Resta-nos torcer para que as seringas utilizadas por ele não estivessem infectadas.
Quem quer pode…
… quem não quer manda. Se nenhuma das duas hipóteses servir ao problema em questão, o jeito é …
Não sei quanto a você, mas já me aproximo da saturação nesse imenso rolo político, econômico e social que estarrece a pátria verde-amarela. Nenhuma solução à vista. Ninguém diz algo que realmente encaminhe o imbróglio para os lados da solução. Cada um tem a sua verdade e a verdade de cada um parece não servir aos outros. Afora a teia de mentiras, negações, corrupção inimaginável, descalabro político e falta de governança.
Fala o Brasil: onde foi que eu errei? Não terei entregado o meu vasto território a um povo que não o mereceria? Será que o meu pecado vem das origens, desde o descobrimento? Aquele Cabral que me deflorou era mesmo o cara certo?
Ninguém sabe. Na reunião anual das terras do mundo o Brasil se vê em maus lençóis. Não tem como se explicar. Chega a ouvir gracinhas de minúsculas terras africanas que aproveitam a desgraça alheia para se vangloriarem. Terra por terra o Brasil está em desvantagem. Coisa intolerável para um território quase continental.
Nós que andamos sobre esta terra, nós que a pisamos não temos feito a nossa parte. Pois o que hoje está em falta no país é aquele tal de estadista. Estadista! O tal sujeito que quando quer pode, quando não quer sabe mandar. O tal sujeito com olhos que veem léguas adiante e sabe muito bem o que quer.
A crise do Brasil só se resolve tendo à frente um verdadeiro estadista.
Navio sem comando naufraga na primeira tempestade.
A beleza das mulheres
Atriz muito conhecida, durante entrevista perguntou-se: quanto tempo ainda tenho? Não se referia ela à duração da vida; perguntava-se sobre a perenidade de sua beleza. Até quando ao entrar em algum lugar reparariam nela? Até quando despertaria atenção graças aos seus atributos físicos?
Ouvi de uma mulher que o rito de passagem para a velhice é mais difícil para a mulher. Segundo ela trata-se de mudança de estágio, de patamar. A aceitação do envelhecimento não seria coisa pacífica, principalmente quando a mulher é bonita, atraente etc.
Dirão que existem coisas mais importantes na vida; que o envelhecimento é fato previsto do qual ninguém escapa; que mesmo as mais belas mulheres devem valorizar seus intelectos não se atendo apenas ao aspecto físico. E assim por diante.
Sinceramente, não sei bem o que dizer. Mas, não deixo de dar alguma razão à atriz. É ela mulher de rara beleza que agora começa a envelhecer. Admirada, conhecida por suas posições firmes, intelectualmente muito dotada, realizadora, enfim vencedora. De modo algum parece ser alguém preocupada com a velhice, entretanto talvez a ela pese o desconforto da comprometimento progressivo da beleza. Ao bela face que encontra diariamente no espelho vai mudando devagar, mas mudando.
Há quem diga que homens têm de fato alguma vantagem nisso. Será? Volto ao caso do homem que embarcou num cruzeiro marítimo e logo recebeu o telefonema de uma bela mulher conhecida dele. Estava ela sozinha e ele também. O homem animou-se pela sorte de se dar bem e logo no primeiro dia. Marcaram encontro no jantar, ambos felizes.
Relata o homem ter recebido em sua mesa uma senhora, bastante envelhecida. Guardara dela memória de outros tempos. Esquecera-se dos anos passados daí a fuga da aventura imaginada.
Li de uma articulista que ela tem vontade de xingar pessoas que falam bem do envelhecimento, na opinião dela uma droga. Cada pessoa convive a seu modo com o tempo que passa. Para mim a velhice não chega a ser um fardo, embora vez ou outra pese dada a mesmice da qual não se pode fugir.
Fim de novelas
Disse a um amigo que as novelas têm fins semelhantes. Os tradicionais vilões são desmascarados e o bem acaba suplantando o mal. Há casos em que malandros terminam com pequenas vantagens, mas não passa disso. Isso quando no capítulo final casais que passaram por toda sorte de vicissitudes finalmente têm suas cerimônias religiosas sob a benção do padre e dos céus.
O amigo ponderou que as novelas copiam a vida. Também os casos reais terminam do mesmo jeito. No fim das contas as pessoas se ajeitam, a lei permite que as coisas andem mais ou menos nos trilhos.
Na verdade não concordo com a visão do amigo. Talvez ela fosse válida tempos atrás. Mas, hoje em dia? Acho que não. A realidade tornou-se escandalosa demais, os malfeitos são praticados à luz do dia e em níveis diferentes. Você imaginaria no passado um sujeito declarar numa CPI que devolveu 182 milhões de reais que recebera como propina em negócios escusos da Petrobrás?182 milhões! E disse isso de cara limpa, sem nenhuma vergonha, como se um “desviozinho” desses fosse a coisa mais natural do mundo.
A novela real demonstra que aqui, fora das telinhas, o mal vai vencendo o bem e de goleada. Para quem não concorda basta prestar um pouquinho mais de atenção nos noticiários. Onde as boas notícias? É só crime, desgraças, safadezas, espoliação e por aí vai.
De modo que os tais vilões das novelas precisam ter seus perfis melhorados. Hoje em dia aqueles que se dedicam a prejudicar casos amorosos, revoltados padronizados, bandidinhos etc, estão fora de compasso. Atente-se para o fato de que os vilões reais são muito mais engenhosos, mais venenosos e capazes de causar maiores estragos que os das novelas.
Talvez por isso muitas novelas tenham baixos índices de audiência. Quando a realidade supera a ficção urge repensar a trama. Aliás, que bom seria se pudéssemos melhorar um pouco a trama da realidade.
Esqueceu-se?
Falam tanto sobre Alzheimer que a gente fica preocupado quando se esquece de alguma coisa. Lembrar-se de coisas distantes e esquecer-se de coisas recentes já não é bom sinal, indicando arteriosclerose. Acontece com o velhos. Agora, perder progressivamente a memória, apagar tudo, deixar de ser quem você é, extinguir sua personalidade, alienar-se por completo de si e do que tem à sua volta, isso é Alzheimer.
Tempos atrás fiquei impressionado com a entrevista do brasilianista norte-americano, Thomas Skidmore, dizendo ter Alzheimer. Isso foi há dois anos. Na época o escritor morava num discreto asilo no interior e escrevia suas memórias antes que se apagassem.
Assisti ao filme “Amor” com Jean-Louis Trintignant (Georges) e Emmanuelle Rivae (Anne), direção de Michael Haneke. Georges e Anne formam um casal de idosos sofisticados que é surpreendido pela doença. Anne começa por se esquecer de pequenas coisas e o mal evolui. Trata-se de um retrato terrível sobre o fim, quando nada mais resta a fazer exceto sobreviver às custas de muito sofrimento. Anne deixa de ser ela para desespero de Georges que cuida dela. Tudo se passa dentro do apartamento onde moram. A mesmice dos dias, a tragédia anunciada, a prisão a um mundo que se desfaz devagar e progressivamente, fazem do filme um duro depoimento sofre o sofrimento e a precariedade da vida.
Também assisti a “Para sempre Alice” que traz Julianne Moore no papel da Dra. Alice Howland renomada professora de linguística que descobre ter Alzheimer. Alice começa por esquecer palavras, mas a doença evolui até a perda total de identidade. Julianne Moore interpreta com brilhantismo o apagar das luzes de uma formidável memória e as implicações familiares da evolução da doença. John, o marido de Alice interpretado por Alec Baldwin, acompanha o problema da mulher até que suas necessidades profissionais o obrigam a afastar-se. O Alzheimer é um isolamento que se impõe ao doente que deixa de se comunicar e torna-se completamente dependente. Moore alcança transferir ao espectador a profundidade de seu drama, a perda progressiva e diária do conhecimento. Dirigido por Richard Glatzer “Para sempre Alice” foi contemplado com o Oscar de melhor atriz para Julianne Moore.
Os casos de Alzheimer nos levam a refletir sobre os avanços da medicina e o fato de algumas doenças permanecerem como desafio quanto à possibilidade de cura. Dispõem-se, atualmente, de avançados recursos de diagnóstico que permitem descobrir a natureza de doenças, mas para algumas delas não se observam passos seguros em direção à cura apesar do empenho em pesquisas.
Tem-se falado muito em Alzheimer nos últimos tempos. A doença surge como um fantasma a assombrar as pessoas que envelhecem, temerosas de que venham a ser afetadas por ela. Confesso que assistir aos dois filmes anteriormente citados, embora sejam eles excelentes, serviu para que eu me interrogasse quanto à possibilidade de vir a ter a doença. Repassei na memória os meus ancestrais, perguntando-me se algum deles não teria tido o problema. Como acontece nas famílias em geral, na minha encontrei toda sorte de doenças e causas de morte, felizmente nenhum caso de Alzheimer. Não posso negar que fiquei bastante aliviado ao constatar esse fato.