Arquivo para abril, 2015
Roedores na Câmara
Peraí: ninguém aqui está chamando os nobres deputados federais de ratos. Essa boa gente pode até ser xingada por aí, mas a alcunha “ratos” pressupõe a realização de crimes danados.
Aconteceu na CPI no início do depoimento do tesoureiro do PT, o tal Vaccari. Começada a sessão um funcionário da Câmara abriu uma caixa e soltou roedores. A foto mostra os deputados na mesa de comando da CPI e os roedores correndo na direção deles.
Ninguém duvide: a foto correrá o mundo. Vá bem que a coisa toda foi obra de um funcionário que será prontamente exonerado. Mas vai ficar como retrato com as implicações dele decorrentes, dando caldo a todo tipo de interpretações e piadas.
No Brasil é moda dizer-se que CPIs terminam em pizza. Considera-se a realização de CPIs pura perda de tempo. Longos discursos, intermináveis perguntas, poucos esclarecimentos, negação de tudo que possa sugerir alguma participação em falcatruas.
Nesse momento mesmo tem gente atrás das grades que negou tudo, tudinho, recentemente ao ser ouvida na CPI da Petrobrás.
Há brasileiros que parecem não ter sido feitos para serem culpados de nada. Gente boa, sorridente, amigável. Enfiam a mão em cumbuca de abertura grande, tão grande que dá para tirar a mão cheinha de dinheiro.
Assim, sem culpados, os dinheiros da República viajam para contas no exterior, são consumidos em campanhas eleitorais, usados para enriquecimento ilícito etc.
Quanta gente bem de vida às custas da viúva!
É o Brasil.
Experiências com humanos
Um museu universitário do Japão mostra como soldados americanos reféns na Segunda Guerra serviram como cobaias para experiências “científicas”. As experiências eram realizadas em seus corpos enquanto eles estavam vivos. Trata-se de experiências cruéis como o citado caso de um soldado que teve o cérebro dissecado para se estudar o tratamento de ataques epilépticos.
A dissecação de pessoas vivas infelizmente não é novidade. Durante a Segunda Guerra médicos alemães tiveram à disposição milhares de “cobaias” presas nos campos de concentração. Joseph Mengele, médico alemão, notabilizou-se por terríveis experiências realizadas com gêmeos, tornando-se conhecido como “O Anjo da Morte”. Mengele promoveu estudos para esterilização em massa e utilizou judeus e ciganos portadores de doenças hereditárias. Com o fim da guerra o “Anjo da Morte” refugiou-se na Argentina para, mais tarde, vir a morrer afogado na praia de Bertioga, litoral de São Paulo.
Os alemães especializaram-se em pesquisas com seres humanos vivos. Submeter pessoas a infecções com bactérias, infectá-las com o protozoário causador da malária, colocar pessoas em água gelada por mais de três horas para estudos de hipotermia, obrigá-las a ingerir venenos, submetê-las a experimentos cirúrgicos e outras atrocidades fizeram parte de um vasto arsenal de atitudes inconcebíveis.
Num mundo em que guerras prosseguem sem que se possa prever o seu término os horrores praticados nos períodos de exceção devem sempre ser lembrados para que não sejam repetidos. Diariamente somos avisados sobre os massacres cometidos contra etnias e grupos religiosos. Movimentos terroristas matam impiedosamente centenas de pessoas sob a justificativas pretensamente religiosas. Semana passada 140 cristãos foram assassinados por terroristas numa universidade do Quênia. Refugiados vivem em campos improvisados para fugir a combates intermináveis como acontece nesse momento na Síria.
Não é difícil para o homem tornar-se carrasco quando a ele é concedido o poder de agir sobre semelhantes indefesos. A notícia que chega do Japão sobre o sacrifício de pessoas em experiências soa como mais um alerta em relação aos perigos de guerras que a todo custo devem ser evitadas.
Não dá para generalizar
Tudo bem, não dá para generalizar, vamos partir disso. Entretanto, parece que hoje em dia os relacionamentos entre pais e filhos se tornaram, digamos, mais ágeis. Você não acha?
Até poucas décadas as relações entre gerações careciam de mais objetividade. O amor era disfarçado. Filho homem beijar pai? Ambos ficavam sem jeito. Repito: não dá para generalizar. Mas, vi e vivi isso na minha casa e fora dela. Entre pais e filhos instalavam-se certas barreiras com tanta naturalidade que até pareciam ser mesmo naturais.
Hoje em dia vigora um novo acordo. As relações tornaram-se mais próximas, talvez porque o próprio mundo tenha se desnudado. Essa loucura da informação instantânea, a obviedade do sexo que já não é escondido, a publicidade dos erros, enfim toda a parafernália resultante da revolução tecnológica parece ter remetido às sombras alguns preconceitos.
Certa vez ouvi meu pai contar a um amigo que o pai dele, meu avô, costumava vir do interior a São Paulo e hospedar-se num hotel do centro da cidade. Meu pai vinha com ele, às vezes. Acontecia de meu avô deixa-lo no hotel à noite e sair para resolver “negócios”. Já rapaz meu pai sabia bem a natureza dos “negócios” noturnos de meu avô. Nunca se permitiram uma palavra a respeito, aliás pouco se falavam. Amavam-se em silêncio.
Não é que me intrometo em assuntos ‘proibidos” da vida dos meus filhos? Não dá para generalizar, mas hoje em dia as relações são mais abertas.
Penso na permanência de tabus, embora desgastados. De todo modo não me surpreendeu o que vi no filme “Advogado” estrelado por Robert Duvall e Robert Downey Jr. Duvall é um juiz cujo filho - Downey - é advogado. Circunstâncias anteriores estabeleceram pontes intransponíveis entre pai e filho. No dia da morte da mãe Downey comparece ao enterro e as barreiras com o pai são reativadas. Mas, o juiz acaba por se meter numa confusão ao ser acusado de atropelar e matar um homem a quem condenara à prisão no passado.
Ser aceito pelo pai como seu advogado e defendê-lo torna-se uma travessia. Não existe entre os dois homens pontos de apoio confiáveis. Mais que nunca o abismo entre pai e filho pauta o andamento das ações.
Nunca privei com meu pai maiores intimidades. Era a regra do jogo. Não dá para generalizar, mas acho que hoje em dia as cosias andam bem mais amenas.
O dia do alemão
Só se fala no alemão. Melhor dizendo: nos alemães. Há o caso do complexo do Alemão do Rio no qual a UPP passa por crise. Um menino, morador do Alemão, aos 10 anos de idade foi morto por um policial. O complexo vive, há 90 dias, sequência de tiroteios entre policiais e traficantes. Foi numa dessas ações que o menino recebeu um tiro de fuzil.
O Alemão do Rio é o próprio inferno. O governador Pezão declarou que nem 15 anos levam paz ao complexo do Alemão. Com a reformulação das UPPs a segurança vai melhorar, afinal PMs, cabines blindas e trincheiras terão efeito positivo. Talvez temporário, mas que fazer?
Outro Alemão na verdade chama-se Alemoa. O fogo em tonéis do depósito de combustíveis obriga autoridades a restringir a entrada de caminhões no porto de Santos. O problema é que pelo porto se faz grande parte do escoamento da produção industrial e agrícola do país. Na cidade olha-se com temor a fumaça ali na região da Alemoa. Peixes e camarões aparecem mortos, indicando o comprometimento ambiental. E há a imensa nuvem de fumaça que contamina o ar. Poluição danada.
O terceiro alemão do dia é a própria Alemanha. Na crise grega a Alemanha é o país europeu que mais cobra austeridade. Recentes eleições gregas colocaram no governo políticos que se mostram cansados do arrocho. A Alemanha cobra dos gregos? Bem, eles dizem que pagam, mas sob uma condição: de que a Alemanha pague à Grécia dívida de mais de 200 bilhões por conta da ocupação do pais na Segunda Guerra. Afora os roubos de tesouros artísticos gregos dos quais se exige devolução ou compensação financeira.
Assim rola o mundo nesta terça-feira chuvosa. Alemão é alemão, cara. Não é fácil negociar com tanta encrenca.
Blue Jasmine
Estive para assistir ao filme de Woody Allen algumas vezes, mas recuei. Para ser franco o tema do filme me incomoda. A derrocada de qualquer pessoa, a perda total do que possui, o enfrentamento com realidade antes inimaginável, a impossível readaptação, o comprometimento psicológico, o desgaste emocional, enfim a rota de verdadeira despersonalização realmente não me atraem.
Cate Blanchet (Jasmine) venceu o Oscar por sua atuação em Blue Jasmine. Ela é o filme. A tragédia dessa mulher sofisticada que se perde na intrincada teia de situações que conduzem ao abismo é vivida pela atriz de modo fulgurante. Os flashbacks que a surpreendem, ora no fausto da riqueza, ora na decadência da pobreza, são plenos de impressionante vitalidade. A mulher que perdeu tudo prossegue a mesma de ontem, inconformada com o destino que ela mesmo acabou por determinar.
Jasmine é a dondoca que tem tudo e patrocina festas, circulando em meio às altas rodas nova-iorquinas. Seu marido, vivido pelo excelente Alec Baldwin, a cobre de galanteios e presentes, embora tenha o hábito de traí-la. Na verdade trata-se de um bem sucedido estelionatário cujos golpes bem aplicados permitem a ele a vida de milionário. O outro lado, da pobreza, passa-se na casa da irmã adotiva de Jasmine, papel representado pela atriz Sally Hawkins. Jasmine passa a morar sob o teto da irmã num ambiente de simplicidade para ela inaceitável. As brigas de Jasmine com o namorado da irmã, a quem acusa de ser grosseiro demais, dão o tom de uma convivência diária dolorosa. Por fim há o momento de esperança no qual Jasmine é bafejada pela oportunidade de voltar ao seu mundo através de um relacionamento com namorado rico. Entretanto, o passado a condena, a mentira não pode sobrevier e Jasmine é devolvida à casa da irmã.
Mas, trata-se de um filme de Woody Allen, daí que talvez se esperasse por um final feliz. Mestre da comédia Allen certamente optaria por um tipo de ajuste pelo menos razoável para uma história complexa e altamente emocional. Mas, Allen surpreende. Fiel ao drama e não à comédia, sabe que há momentos em que mesmo a ficção não pode se render à realidade sob pena de parecer inverossímil. Assim o diretor nos entrega a personagem, repetindo antigas falas ao vento, como se ainda fora a milionária de antes.
A opção pelo nadismo
Assisti a um programa de TV no qual um grupo de mulheres discutia o nadismo. Para quem ainda não se inteirou nadismo é movimento cuja filosofia é reunir pessoas em praças com a intenção de não fazer nada durante certo período de tempo. O movimento foi criado pelo brasileiro Marcelo Bohrer com a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos participantes.
No programa de TV as opiniões foram díspares dado que cada participante do grupo arrogou para si a ideia de simplesmente não fazer nada. Uma delas confessou ser incapaz de parar dadas suas constantes atribuições. Outra disse adorar ficar em casa, ligar a TV e assistir a filmes, sem fazer nada. Uma terceira associou o não fazer nada à necessidade de relaxamento sem o que não se pode levar a vida em frente.
Como todo mundo convivi com pessoas de todo tipo ao longo dessa minha já prolongada permanência no planeta. Encontrei gente extremante ativa, dessas que correm o tempo todo como se a elas tenha sido dada a missão de salvar o mundo. Presenciei caras extremamente parados, sossegados a ponto de causarem desespero nos outros. Lentos e rápidos, calmos e nervosos, neuróticos etc. Posso dizer que a vocação para o ócio sempre me pareceu superar os convites às atividades.
O meu problema? Bem. Acontece que a geração de meus pais e as que a eles antecederam viveram num mundo que, exceto em período de guerras, parece ter sido mais lento que o atual. Pessoas chegavam às idades mais avançadas e podiam gozar de relativo sossego. Parecia existir compromisso tácito de que ao se alcançar certo pórtico de envelhecimento adquiria-se direito a dias mais saudáveis com direito a bons momentos de ócio. Hoje não é assim. Na minha idade atual meu pai seguia a vidinha dele, mais ou menos sossegado. Quanto a mim trabalho tanto quanto aos meus 25 anos de idade. Pessoas esperam de mim a mesma prontidão, agilidade mental e competência. Sou um menino de cabelos esbranquiçados, embora cansado.
Além do que, meu caro, existe a maldita rotina. Acordar de manhã, fazer a higiene corporal e tomar o apressado café porque o tempo urge nada tem de prazeroso. Isso sem falar na escravidão aos meios eletrônicos de vez que se tornou impossível viver sem o computador. As notícias nos acompanham o tempo todo e envelhecem quase imediatamente, substituídas por novidades que procedem dos quatro cantos do mundo. Um sujeito é atropelado num país africano e, minutos depois, aí está a foto do acidente inusitado na primeira página de um site da internet. E há que se conferir os e-mails que chegam a todo tempo, a maioria deles spams contra os quais nenhum remédio é eficaz.
Assim, no mundo de hoje a ideia do nadismo é muito benvinda. Que tal mandar essa loucura toda às favas e gastar um tempinho não fazendo nada em companhia de nossos semelhantes? Que tal meditar, ainda que por poucos minutos, deixando- se de lado o convulso mundo que nos cerca?
Eu quero o ócio, meu direito ao ócio. Quero que se inclua na constituição um parágrafo que determine a obrigatoriedade ao ócio. Lei do ócio. Quero que se ponha um freio ao mundo que gira cada vez mais depressa e nos reduz a participantes de uma peça de horrores mal dirigida.
Que cresça e se espalhe o nadismo!
Dia da mentira
No lugarejo de uma rua só havia um rapazote que atendia pela alcunha de “Coelho”. O Coelho não fazia nada, que se saiba nunca trabalhou. Errava pela rua em idas e vindas ao acaso, parando aqui e acolá para dois dedos de prosa. Sempre mal vestido, sujo mesmo, não regulava o hábito de cortar as unhas. Eram compridas as unhas do Coelho fato que fazia dele moleque temido caso houvesse alguma briga.
Da família do Coelho pouco se sabia. Tinha ele um irmão, o “Antônio Coruja”. Esse Coruja merecera o apelido por ser um sujeito soturno cujos olhos grandes demais faziam lembrar a ave noturna. Mas, o Coruja era bem mais composto que o irmão. Ajudava na construção, ora prestava pequenos serviços. Não destoava do grupo local de pessoas pelas quais era bem recebido.
Certo dia o Coelho correu de fora a fora da única rua, avisando que Frederico, o Velho, proprietário da loja de roupas, estava à morte porque engolira a dentadura. O Velho sufocara-se ao colocá-la na boca, de manhãzinha, logo depois de acordar. O Coelho parava de porta em porta e avisava sobre a morte iminente do Velho.
Dado o alarme, as pessoas acorreram à frente da casa do Velho em busca de notícias. Não demorou muito para que o Velho surgisse à janela, muito bem de saúde, e desfizesse a mentira do rapazote. Só então as pessoas se deram conta de que estava-se em pleno 1º de abril.
Consta que o “Dia da mentira” surgiu na França. No século XVI o novo era festejado em 25 de março e as festas só terminavam no 1º de abril. Quando da adoção do Calendário Gregoriano o ano novo passou a ser comemorado no dia 1º de janeiro. Entretanto, alguns franceses continuaram a seguir o antigo calendário pelo que gerou-se o hábito de enviar a eles presentes estranhos e convites para festas que não aconteceriam. Nasceu assim o “Dia da Mentira”.
Hoje vive-se num prolongado “Dia da mentira” que parece durar o ano todo. Diariamente recebemos notícias tenebrosas sobre a corrupção no país seguidas de negativas, obviamente mentirosas. Ninguém sabe de nada, ninguém participou de nada etc. Bilhões são desviados sem que existam responsáveis pelos desvios.
Mentir a granel, eis a nova fase do novo e prodigioso “Dia da mentira”.