Arquivo para outubro, 2015
Orlando Silva
Orlando Silva faria 100 anos hoje. Morreu aos 62 anos de idade, em 1978, quase esquecido. Conhecido como “Cantor das Multidões” até hoje é considerado pelos entendidos como o maior cantor brasileiro. Sua voz inconfundível e memoráveis interpretações, nas quais muitas vezes nos perguntamos em que momento o cantor respira, fizeram grande sucesso no passado. As principais gravações de Orlando Silva aconteceram entre 1945 e 1932. Depois disso vida atribulada e consumo de drogas puseram fim à brilhante carreira artística do cantor.
Em meus tempos de menino ouvia em casa falarem sobre Orlando Silva. Meus pais e parentes falavam dele a quem tinham como ídolo. Não restavam dúvidas em relação à posição de Orlando como maior cantor brasileiro de todos os tempos, mesmo em se considerando seu contemporâneo Francisco Alves. Aliás, foi o Chico Alves quem trouxe Orlando Silva ao rádio no qual este se tornaria maior que o próprio Chico.
Naquele Brasil dos anos 50 do século passado Orlando Silva, ainda vivo, mas já sem a grande voz, era uma lenda. Lembro-me de certa conversa na qual um parente dizia ser Orlando Silva um Frank Sinatra brasileiro. Orlando cantava sem gritar como seu antecessor Vicente Celestino e outros. Sabia usar a voz e isso era natural nele dado que sua técnica não foi adquirida em cursos etc.
Eu era pouco mais que um bebê no dia em que morreu Francisco Alves, o “Chico Viola”. Chico morreu em acidente de carro, na Via Dutra, em Pindamonhangaba. Tamanha comoção nacional causou o falecimento do cantor que mesmo sendo bastante pequeno guardeia as imagens de desconsolo de seus fãs. Lembro-me bem de minha mãe e minha tia, lágrimas nos olhos, ouvindo as notícias pelo rádio e falando sobre o desaparecimento de Francisco Alves.
Eram outros tempos aqueles nos quais o rádio se constituía no único meio de divulgação no país, além do noticiário dos jornais que sempre chegavam atrasados às localidades mais distantes.
Orlando Silva foi ídolo das multidões às quais encantou com sua voz. A voz de seus tempos áureos pode ser ouvida embora os parcos recursos na época em que foi gravada. Mas, permanece o ídolo que faz parte de rico passado, nem sempre valorizado, dos brasileiros.
O velho do ponto
O velho parado no ponto de ônibus trazia no olhar o desencanto pela mesmice. Para ele o mundo talvez não mudara nada nos últimos 50 anos. As pessoas que passavam por ali seriam as de sempre, seres humanos, simplesmente. O olhar do velho não era de julgamento: mostrava o desinteresse por um mundo no qual deveria seguir vivendo apesar do enfado. Talvez não ansiasse pela morte. Aceitaria o enigma da existência sem questioná-lo.
Mas, por que estaria o velho ali, àquela hora, parado no ponto por onde nenhum ônibus passaria? Não saberia ele que o ponto fora desativado desde que a engenharia de tráfego da cidade mudara o sentido do trânsito? Não fora informado de que o novo alcaide, um rapaz reformador, parecia tirar da cartola mudanças radicais que geravam protestos como aquele na ponte no qual uma moça fora atingida e morrera?
O velho parado no ponto talvez fosse insensível às notícias recentes. Seu olhar traduzia a amargura de acontecimentos passados e talvez não tivesse mais força para novidades.
Foi assim que eu o vi. De dentro do carro encarei o velho. Tamanha impressão me causou seu rosto que suspeitei que, talvez, não fosse real. Velho imaginário, então? Ou seria a minha própria imagem, parte do que fui sou e serei?
Tenho passado pela mesma rua regularmente. Não encontrei mais o velho. Aliá, nem o ponto de ônibus que, pensando bem, talvez nunca tenha existido.