Arquivo para novembro, 2015
Na prisão
Publicou-se foto de José Maria Marin, ex-presidente da CBF, ajoelhado na catedral de St. Patrick, New York. Marin cumpre prisão domiciliar em seu apartamento no glamoroso Trump Tower, situado na 5ª Avenida daquela cidade.
Convenhamos que se tratam de condições excepcionais para uma pessoa presa, embora Marin tenha pago fiança milionária para ter direito ao benefício. Mas, os casos de prisão domiciliar dão o que pensar. Com a Operação Lava-Jato acontecem casos desse tipo em nosso país. Os presos usam tornozeleiras de localização e ficam sob a vigilância da polícia. Mas, será mesmo a prisão domiciliar uma vantagem enorme sobre a vida nos presídios?
No Brasil, dadas as condições em que vivem os reclusos, é obvio que sim. Mas, mesmo em casa a situação deve ser desoladora. Imagino-me dentro da minha casa, sem licença para sair dela. Se mesmo em liberdade há momentos em que tenho necessidade de dar uma voltinha porque me canso de estar em casa…
Hoje em dia gente graúda está atrás das grades devido ao envolvimento no chamado petrolão. Figuras exponenciais da vida pública são encarceradas por corrupção. Desvios de somas fantásticas de dinheiro são identificados, tendo atrás de si nomes de projeção nacional. Alguns dos acusados são pessoas que contavam até ontem de reputação ilibada junto à população. De repente…
Mas, como se sentirão esses homens que desfrutavam de todas as comodidades, tinham enorme poder e viviam em tetos superiores aos dos mortais comuns? Como será para o proprietário de uma enorme construtora permanecer atrás das grades, afastado de seus privilégios? Como será para um senador da República ser recolhido à prisão, autuado em flagrante?
Melhor não imaginar. A liberdade pertence à categoria de bens que não têm preço. Nada justifica, por melhor e maior que seja, fazer algo que redunde na perda da liberdade.
Liberdade é valor para o qual não existe moeda de troca. Perdê-la faz ruir o mundo em que se vive e o horror da prisão esmaga os valores em que acreditamos.
Portanto, olho aberto aí, pessoal.
Rumo ao Miss Universo
A nova Miss Brasil é gaúcha e se chama Marthina Brandt. Alta, loira, olhos claros, esguia, bonita, representará o país no concurso de Miss Universo. Um tio dizia não entender a aplicação do termo “universo” ao concurso. Universo é amplo demais, envolve outros planetas, estrelas, enfim tudo. Teríamos representantes dos quatro cantos do universo e o júri seria composto por juízes capazes de analisar belezas diferentes. Uma mocinha de Júpiter, por exemplo, talvez não estivesse dentro do padrão de beleza a que estamos habituados. E quanto à representante de um meteoro? De modo que para o meu tio o concurso deveria eleger a “Miss Terra”, restrição que tonaria a coisa mais real.
O fato é que hoje em dia concursos de misses não têm o apelo de antes. A turma mais nova não sabe, mas como se torceu pela baiana Martha Rocha, a mais bela miss brasileira da época. Falava-se muito sobre a sua derrota injusta porque os juízes teriam levado em conta duas polegadas a mais em seu quadril. Martha ficara em segundo lugar por um nada de duas polegadas a mais nos quadris não importava a ninguém saber que medidas representavam as tais polegadas. O pior é que só mais tarde se soube que essa história de polegadas a mais fora invenção de jornalistas brasileiros ávidos por inventar notícias. Mas, Martha Rocha já tinha se tornado padrão nacional da beleza brasileira, orgulho da nação. O ano era o de 1954. Um mês depois do concurso realizado em Long Beach Getúlio Vargas se suicidaria é o Brasil seguiria sua história de desajustes que culminaria no golpe militar de 1964.
Houve uma gaúcha que venceu o Miss Universo. Foi a Ieda Maria Vargas que ganhou em 1963 no concurso realizado em Miami Beach. Ieda vencia após três segundo lugares de brasileiras, o de Martha, Terezinha Morango e Adalgisa Colombo. Martha e a beleza brasileira estavam, finalmente, vingadas. Nova vitória da nossa beleza aconteceria em 1968 com Marta Vasconcelosno topo de Miss Universo.
Eram outros tempos nos quais os concursos de misses despertavam enorme interesse. Num avacalhado protesto de baianos contra cariocas e paulistas que diziam que baiano espera chuva pra ver como entra água no coco Gordurinha cantava a música “Baiano burro garanto que nasce morto”. Na letra exaltavam-se baianos célebres como Rui Barbosa e Castro Alves. De Martha Rocha cantava-se: “A Martha Rocha, violão baiano, foi mostrar pro americano que a Bahia já tem vez”.
Bons tempos de um povo em busca da identidade nacional ainda hoje não bem caracterizada. Pelo que só nos resta desejar muita sorte a essa beleza que é a nova Miss Brasil.
Harstazgo
Clóvis Rossi escreve na “Folha” sobre “harstazgo”, palavra espanhola que, em português, significa “cansaço”, “esgotamento”. O jornalista refere-se ao cansaço dos argentinos em relação à crispação que Cristina Kirchner impôs ao pais. Trata-se do famigerado “nós contra eles” que também aqui não aguentamos mais.
Não se pode generalizar, mas supõe-se que entre nós o “harstazgo” é geral. Cansaço de tudo. Esgotamento em relação aos políticos e a crise que geram. Esgotamento em relação ao governo que se mostra incapaz de gerir o país. Cansaço absoluto de ouvir mentiras e mais mentiras, bazofias, explicações sem pé nem cabeça etc. Esgotamento de uma história sem fim na qual o nosso papel é igual ao dos passageiros de um trem sem rumo que sacoleja o tempo todo, provocando ânsias.
Tamanho o cansaço que já nos faltam forças para repetir a ladainha de mazelas. Violência, desemprego, tragédias como a do rompimento da barragem de Mariana, corrupção, petrolão… quem mais aguenta ouvir ou falar sobre isso?
O Brasil é o tipo de lugar onde o sonho é obrigatório porque a realidade só é suportável se a ela adicionarmos boas doses de ficção. O cidadão sai de casa acreditando-se imune a tudo, certo de que não será vítima de qualquer violência, que seu emprego está garantido, que sua família tem garantida todo tipo de assistência que venha a precisar. Pensando assim o cidadão vai levando a sua vidinha e quem sabe a ficção prepondere sobre a realidade e nos fim das contas tudo acabe dando certo.
Pois é. Assim as coisas se passam. Com muito “harstazgo”.
O visitante
Está aí o Gê a quem há muito não via. Nem dá para dizer que ele é visitante periódico. Definitivamente, o calendário do Gê não bate com o meu. Somos assíncronos, portanto. Une-nos o acaso como o desta manhã em que o encontrei, como sempre empoleirado na antena de TV do prédio. Entretanto, o Gê não veio sozinho. Acompanha-o uma companheira - suponho que seja fêmea dados os trejeitos dele em relação a ela.
O Gê é um corvo. Não sei que tipo de atração o liga a mim. O fato é que passado algum tempo ele reaparece no lugar de sempre de onde parece me olhar diretamente. Na verdade trocamos olhares. Eu até que disfarço, mas não o perco de vista. Talvez veja nesse corvo um pouco daquele corvo de Poe. O Gê tem o jeito de quem retorna de lugares sombrios para me dar conta de que a vida é breve e nenhuma esperança poderá me salvar.
Minha mãe não gostava de corvos, animais que considerava agourentos. Os corvos, dizia ela, têm ligação direta com a morte. Na verdade são mensageiros da morte. Não se lembra do acontecido ao seu Otávio? - perguntava ela.
De fato o caso do seu Otávio fora bastante estranho. Seu Otávio, nosso vizinho, enlouquecera. Mas, não era desses loucos agressivos, violentos. Seu Otávio tornou-se um louco manso cuja loucura se manifestava nas pequenas coisas. Aquele hábito, por exemplo, de esperar que a mulher dormisse para, depois, enfiar alguns sapos debaixo das cobertas. A mulher era acordada pelo contato dos sapos com seu corpo e erguia-se da cama aos gritos, desesperada. Seu Otávio, sentado numa cadeira no canto do quarto observava a cena, indiferente, ausente. Era amigo dos sapos,sempre tinha um ou dois dentro dos bolsos da calça.
Certo dia apareceu na casa do seu Otávio um corvo. Entre o louco e o animal estabeleceu-se estranha relação. O corvo meteu-se dentro da casa e seguia seu Otávio como se fora animal de estimação. A curiosidade dos habitantes do lugarejo foi despertada quando seu Otávio saiu à rua, tendo atrás de si o corvo que parecia vigiá-lo.
A inusitada situação do corvo que seguia seu Otávio durou um dia e uma noite. Na madrugada seu Otávio faleceu e o corvo partiu. Durante mais de um semana pessoas reuniram-se na casa da viúva para rezar pela alma do falecido que supunham ter ido para o inferno, afinal era incomum receber aviso da morte trazido por um corvo.
Em Seattle, nos EUA, uma pesquisadora estuda a relação dos corvos com a morte. Valendo-se da ajuda de outras pessoas ela alimenta corvos numa praça, habituando-os a aparecer nela para comer. Enquanto os corvos comem um cúmplice se aproxima trazendo nas mãos uma ave empalhada. Um pombo empalhado desperta reação de uns poucos corvos que atacam o cúmplice. Entretanto, caso a ave morta seja um corvo, os animais que comem param de comer e atacam, em bando, o cúmplice. A pesquisadora supõe que os corvos observam atentamente os seus mortos, talvez pela necessidade de aprender sobre as circunstâncias da morte dele. Este comportamento é raro em animais como é o caso dos elefantes. Há pouco tempo noticiou-se que a família de um elefante parara num acampamento para acariciar as presas do parente que desapareça a já algum tempo.
Enquanto escrevia o Gê foi-se embora. Não sei quando reaparecerá por aqui. Espero que suas visitas não se relacionem com um fim próximo como aconteceu ao seu Otávio.
Rota do medo
Você ouve falar, assiste aos noticiários, lê nos jornais, mas parece que não acredita. Fantasma que assombra outros é problema de quem é assombrado. Aconteceu com ele, não vai acontecer comigo. Talvez seja essa uma forma de proteger-se, isolar o perigo. Torno-me imune à violência porque ela não vai chegar até mim.
Mas, no fundo trata-se de uma enganação. Toma-se gosto em enganar-se, em fingir que tudo está e sempre estará bem. Essas pessoas vitimadas por balas perdidas, os inocentes assassinados, a violência desmedida fazem parte da ficção. Tudo não passa de matéria de filmes e nada mais.
Aí você sai de São Paulo em direção a Santos. No pedágio fica sabendo que a Imigrantes está fechada e deverá descer pela Anchieta. Passam alguns minutos da meia noite quando você entra no acesso à interligação. Então, do nada surgem quatro motos com dois caras em cada uma delas. De repente as motos de alinham, duas de cada lado, próximas ao seu carro. Ato contínuo os caras começam a gesticular apontando pra você. No escuro é impossível saber se eles estão com revólveres na mão ou não. Então acontece: você está à mercê de bandidos perigosos que querem assaltá-lo ou sabe-se lá o que mais.
Não se trata de ficção. Está acontecendo com você, do mesmo jeito que é noticiado nos programas policiais da TV. Você se descobre indefeso, isolado e a única coisa em que pensa é meter o pé no acelerador e sumir dali. Mas, há o perigo deles atirarem e ferirem alguém dentro do carro. A decisão é rápida porque parar ali não dá. Você acelera, corre o quanto pode, até que, milagrosamente, vê pelo retrovisor as motos se afastarem. Desistiram de você? Vão pegar outro carro?
O resto da viagem é o medo. Puro medo. Trânsito lento na serra apinhada de caminhões. Até chegar em casa e agradecer aos céus pleo milagre.
Os inimigos da humanidade
No preâmbulodo livro “A consciência das palavras” Elias Canetti fala sobre os inimigos da humanidade: “Os inimigos da humanidade conquistaram poder rapidamente, aproximando-se muito de uma meta final que é a destruição da terra, tornando impossível que deles nos abstraiamos para nos recolher à contemplação de modelos unicamente espirituais que possuam ainda algum significado para nós”.
Canetti escrevia em 1974 distante, portanto, da revolução que se operou - ainda em andamento - no mundo em que vivemos. Se ao escritor pesavam as turbulências da primeira metade do século 20, magnificadas pelo nazismo e a consequente Segunda Guerra, ainda estavam por vir os lamentáveis episódios relacionados a ditaduras sanguinárias, lutas entre povos e o crescimento do terrorismo em escala planetária. Tamanha tornou-se a dimensão da brutalidade sem fronteiras que ao homem hodierno resta a situação de refém em relação a acontecimentos que podem roubar-lhe a vida. Tempos de paz fictícia.
Aliás, tal não foi outro o desenlace dos terríveis atentados ocorridos há pouco, em Paris. Ataques a seis pontos da cidade parisiense resultaram em 130 mortes e quase 400 feridos, muitos deles em estado gravíssimo. Poucas horas depois as suspeitas se confirmaram: o Estado Islâmico (EI) apressou-se a assumir a responsabilidade pelos ataques.
O mundo queda-se estarrecido. A França fecha fronteiras e declara guerra ao terror. Trata-se mais uma vez dos inimigos da humanidade em ação. Não importam as razões que conduziram os homens do EI ao terrorismo. Nenhuma razão pode justificar a morte de inocentes como a centena de pessoas que faleceram no momento em que assistiam a um show de rock na casa Bataclan.
Os inimigos da humanidade nos roubam a capacidade de abstração na procura de modelos espirituais que tenham algum significado. É terra a terra. Matar ou morrer.
Alma de ator
Dizem que ator já nasce feito. Resta a ele mais tarde aprender e aprimorar-se no ofício. Na TV há um programa no qual atores são entrevistados. Falam sobre suas inclinações, hábitos e o ofício de ator. Alguns destacam a importância da participação em teatro onde realmente se aprende a arte de interpretar. Outros são predominantemente atores para telinhas ou telonas. A grande Sophia Loren, estrela de primeira grandeza no cinema, fará agora sua primeira participação numa peça de teatro. Isso aos 80 anos de idade.
É curioso ouvir atores. Há os que se preparam cuidadosamente para entrar em cena e os adeptos do improviso. Nem todos decoram bem os textos, mas alguns prendem-se a eles porque se perderiam caso não o tivessem.
De ator se exige boa memória e capacidade de interpretação. Beleza ajuda. Alain Delon está com 80 anos e ainda é considerado por muita gente ter sido o homem mais bonito do cinema. Verdade que padrão de beleza varia de acordo com a época. As atrizes que encantavam o público nas décadas de 20 e 30 do século passado deixaram suas imagens gravadas no celuloide. Ao vê-las em branco e preto nem sempre as achamos belas. E foram o que foram. Bebe Daniel era linda. Pola Negri, Joan Crawford, Greta Garbo… Mulheres maravilhosas.
O Brasil é celeiro de bons atores, alguns notáveis. Fosse inglês a língua falada aqui fariam parte da galeria dos grandes atores do cinema. Quem viu Paulo Autran no palco testemunhou a grandeza dele. Fernanda Montenegro. Tantos, tantas. A maioria atua nas novelas daí a enorme popularidade de que gozam.
Há atores que parecem passar a vida esperando pelo grande momento nas telas. Talvez seja esse o caso de Michael Keaton sempre presente em filmes de média envergadura como sua atuação como Batman. De repente Keaton surge magnífico no filme Birdman, de longe sua maior e mais inesperada performance no cinema.
Carreiras terminadas muito cedo como a de James Dean que deixou tantas saudades. Carreiras brilhantes como a de Marlon Brando, extraordinário ator que já não era tanto em seus últimos papéis. Mas, para todos é preciso ter a alma de ator. Representar, deixar de ser quem é para mostrar-se outro dentro da personagem encarnada. Talvez por isso, pela magia dos momentos, jamais nos esqueçamos de Gene Kelly cantando na chuva, de Humphrey Bogart no momento em que reencontra a maravilhosa Ingrid Bergman no bar em Casablanca e assim por diante. Trata-se de sonhos que nos acontecem embora acordados.
Sorte exsite?
Assisti a uma entrevista do músico brasileiro Sérgio Mendes. Fez ele parte da célebre apresentação da Bossa Nova no Carnegie Hall, em New York, em 1962. Relata Mendes que dias depois tocava com o saxofonista Cannonbal Adderly num clube noturno da cidade. O convite do famoso saxofonista surpreendera Mendes. Da noite para o dia estava ele no país do jazz junto a músicos internacionalmente conhecidos.
A partir daí Mendes seguiu trajetória de sucesso que perdura até hoje. Mas, o interessante no relato de Sergio Mendes é a atribuição que ele faz a um fator decisivo: a sorte. Segundo o músico a sorte o bafejou em muitos momentos: conheceu Harrison Ford quando o ator, ainda desconhecido, trabalhou como marceneiro em sua casa; Sarah Vaughan bateu na porta de sua casa pedindo para gravar com ele; Stevie Wonder apareceu no estúdio em que Mendes gravava e pediu para participar da gravação. E por aí vai.
Sorte? Quem sabe. Picasso dizia que toda vez que a sorte o procurou encontrou-o trabalhando. Talento parece casar-se bem com sorte, embora nem sempre. Nas trajetórias humanas pululam acasos que se transformam em momentos de grande sorte. O fato é que muita gente se dá bem, inesperadamente.
Por outro lado existem aqueles que são azarados. Tem gente para quem nada dá certo, embora tanto esforço, tanta luta. Enfim, se algo tiver que dar errado, para certas pessoas certamente dará. Um célebre azarado a quem conheci dizia saber que jamais seria a vez dele em nenhum lugar. Sempre alguém chegaria primeiro, sempre outro seria escolhido ou premiado. Certa vez ao tentar emprego público o meu conhecido precaveu-se contra todas as variáveis que poderiam influir contra a sua contratação. Assim, ao passar pelo exame médico não teve dúvidas em responde perguntas sobre causas de morte de seus pais, avós e bisavós, afirmando terem todos eles falecido em desastres. Do que morreu seu pai? Desastre. Sua mãe? Desastre. Seu avô? Desastre. Ninguém tivera qualquer doença que pudesse ser transmitida aos descendentes incapacitando-os para atividades públicas…
Mas, a sorte á caprichosa. Muita gente diz que é preciso acreditar na sorte para tê-la. Segundo esse modo de pensar só é azarado quem se crê sem sorte e atrai para si o fracasso. Além do que a sorte pode mudar. Um homem que jogou a vida inteira e nunca ganhou praticamente enterrou a vida a mulher e dos filhos com seus gastos em jogos. Entretanto, tinha ele fé total de que um dia ganharia. Pois aconteceu num final de ano. O tal ganhou a loteria de natal com bilhete inteiro, várias rifas, um dinheirão no jogo do bicho etc. Desta vez os filhos trataram de administrar os ganhos não deixando que tudo fosse revertido em novas apostas. De modo que o sortudo morreu muito bem de vida e satisfeito por provar que sempre tivera razão.
Mas, você acredita na sorte?
O fim do mundo
A TV repete com regularidade o filme “2012” no qual o mundo que conhecemos é totalmente destruído. Salvam-se uns poucos a bordo de um barco gigante construído para suportar toda sorte de intempéries. Aos “escolhidos” caberá repovoar a Terra cujos limites geográficos passaram a serem outros.
Toda vez que passo com o controle remoto por um canal onde “2012” está sendo exibido arrisco uma parada. Não resisto a rever as cenas de destruição maciça nas quais metrópoles inteiras são tragadas pelas águas revoltas. A cena na qual as obras de Michelangelo na Capela Sistina são destruídas seguindo-se a queda da torre do Vaticano na praça defronte onde milhares de pessoas rezam sugere que nem mesmo a fé poderá nos salvar caso o planeta finalmente se volte contra a nossa presença.
Não é que eu goste daquelas cenas. Elas são arrepiantes. Entretanto, fazem-me pensar sobre a nossa civilização e seus limites. A trajetória da espécie humana, tal como a conhecemos, é bastante recente na história do planeta que existe a 4,5 bilhões de anos. Vive-se como se tivéssemos a prerrogativa da eternidade. De nada adiantam as advertências dos ecologistas sobre a necessidade de preservação ambiental, nem sobre os iminentes riscos de elevação da temperatura terrestre. O planeta é do homem, pena que tenham se esquecido de avisar ao planeta que tem lá suas exigências para bom funcionamento.
Isso sem falar sobre os perigos que rondam a Terra, pequeno corpo celeste gravitando na imensidão do universo. Há dois dias falou-se sobre um asteroide de 400 metros de diâmetro que passou bem perto da Terra, por pouco não colidindo com o planeta. O detalhe é que sua presença foi detectada há apenas três semanas, tempo insuficiente para que se tomassem medidas caso viesse em rota de colisão - caso essas medidas houvessem. Não custa lembrar de que há 65 milhões de anos um asteroide de uma dezena de quilômetros de diâmetro colidiu com a Terra colocando fim à existência dos seres vivos, extinguindo o apogeu da era dos grandes répteis.
A civilização humana é precária e nada nos garante que esteja fadada a ser eterna. O que parece faltar ao homem hodierno é a noção da existência e possibilidade de “algo maior” diante do qual as querelas e as batalhas que pululam nos noticiários quase nada representam.
O fim do mundo é possibilidade na qual quase nunca pensamos, mas que não pode ser simplesmente descartada.
Lidando com a dor
Para certo tipo de dor não há remédio. Nunca acreditei na frase anterior. Para mim para tudo existe, senão remédio, pelo menos uma saída. Pessoas que atravessam crises ficam com a vista turva e muitas vezes não enxergam possibilidades de sair da situação em que se encontram. Há os que se desesperam ao limite. Há os que se matam. Cada pessoa reage a seu modo em situações de stress prolongado. Também existem os robustos, os fortes. Mas, mesmo esses… Hemingway dizia que a vida dobra qualquer um, mesmo aqueles que continuam fortes nas partes dobradas.
Hoje é o dia de Finados. Fui ao cemitério e vi muita gente levando flores para seus entes queridos. No pátio um padre rezava missa assistida por uma multidão. As pessoas rezavam. As pessoas acreditavam que a vida nada mais é que curto período, parte de existência eterna. O padre dizia que a vida é provação. As pessoas balançavam a cabeça, concordando. Assim, chegará o dia em que cada um deixará este mundo e se unirá aos mortos pelos quais hoje chora. Resta-nos aceitar o compromisso assumido com a vida e a essência da própria morte.
Aceitar! Pensei naqueles que não possuem fé, nem mesmo crença. Terá para eles a vida o mesmo sentido encontrado pelos crédulos? Não sei. Deixei o padre e a multidão que orava. Segui pelos corredores até chegar ao meu destino. Era uma gaveta como as outras, com as inscrições de costume, data de nascimento, data de morte. Lá dentro… Lá dentro ela a quem acompanhei na terrível batalha perdida pela vida. Repassei cada instante de nossa trajetória em médicos, hospitais, curandeiros e toda sorte de ações que resultaram em vão. Revi os derradeiros dias dela no leito do hospital, segurando-se ao mundo quando nada mais havia a se fazer. Ouvi os gemidos dela na última noite e o barulho deles de repente tornou-se ensurdecedor.
Chorei copiosamente. Entendi que para certo tipo de dor realmente não existe remédio.
Sai do cemitério perguntando-me sobre, afinal, o verdadeiro sentido da vida.