Arquivo para janeiro, 2016
A sala de espera
Na sala apinhada espero pelo chamado da minha senha. Reparo no quadro luminoso que, a curtos espaços de tempo, faz um som estranho anunciando novos chamados. Olho para o painelzinho luminoso, observo o número e comparo com o que tenho nas mãos: não batem. Não é a minha vez. Ainda não é.
Depois de muito tempo começo a me perguntar se serei chamado. Será que não me enganei de sala? Não pertenceria o meu número a outra série, de outro lugar, talvez de planeta diferente? Consola-me a presença de uma mulher que aguarda ao meu lado. Ela já estava aqui antes de mim e permanece calma. Aceita o destino de ter uma senha que talvez nunca venha a ser chamada sem reclamar. Tenho vontade de perguntar a ela sobre demora, mas me retraio. E se ela for uma dessas pessoas que esperam por uma chance, por uma única e rara oportunidade de iniciar um monólogo interminável sobre as desgraças da vida dela, talvez o marido desaparecido, o filho assasinado, a grana curtíssima etc? Mas, não, talvez ela nem exista de verdade, talvez não passe de criação imaginária engendrada pelo meu desespero de a próxima chamada ser a do meu número para que eu possa, finalmente, me sentar diante daquela mocinha sorridente que analisa os papéis e indica às pessoas o rumo que devem tomar.
Mas, a mulher a meu lado é real. Não se move, não diz nada, mas é real. Poderia tocá-la para confirmar. Esbarrar nela, talvez isso bastasse para devolver-me ao mundo concreto da inteterminável espera que parece não ter solução.
Estou aqui a muito tempo é só agora reparei que ninguém foi chamado. Entro em desespero quando verifico que, na verdade, o número exibido no painel nunca muda. A cada toque o número se repete. A mocinha sorridente mira o vazio e ninguém se senta diante dela para mostrar os papéis. Ninguém é chamado. Só então me ocorre que esta não é uma sala de espera normal. Quem está aqui não será atendido, provavelmente não. Não tenho certeza, mas parece que estamos todos mortos. Talves esta seja a sala na qual os mortos esperam indefinidamente pelos seus julgamentos.
Aqui não existe pressa. A eternidade é longa demais, tem-se todo o tempo do mundo.
Perdido em Marte
O espaço nos fascina. Saber sobre o que existe para além de nossas fronteiras, avançar no desconhecido, desvendar os mistérios do universo… Aventuras do pensamento. Só a magia do cinema logra aplacar pelo menos parte de nossos anseios. Talvez nisso resida grande parte do enlevo a que são arremetidos os cinéfilos diante das desoladoras imagens de Marte exibidas na telona.
Não se pretende aqui falar sobre detalhes do roteiro do magnífico filme de Riddley Scott. O que nos motiva são os momentos de total isolamento da personagem vivida por Matt Demon, o astronauta perdido em Marte. Trata-se de um homem fora do contexto a que estamos habituados, sobrevivendo às custas de dois fatores: coragem e conhecimento. Da fusão dessas duas características emerge um ser eminentemente humano capaz de driblar toda sorte de adversidades, conseguindo, afinal, resultado aparentemente impossível.
Estar longe de nosso mundo, terrivelmente só, pulsante de vida que a cada momento corre o risco de escapar. Percorrer paisagens inóspitas, avançando no desconhecido, acreditando sempre no que parece impossível. A aventura do astronauta isolado no planeta vermelho confunde-se com a própriaria trajetória do homem que conquistou a Terra, sobrepujando-se às demais espécies.
O filme de Riddley fascina, diverte. Mais que isso faz-nos pensar sobre a origem e o destino do homem. Viveremos aqui para sempre? Dominaremos o espaço que nos cerca? Ou nos perderemos como imigrantes em sóis estranhos, ícaros cujas asas não permitem os longos voos alimentados em nossos sonhos?
Ao futuro talvez pertençam respostas às nossas indagações.