2016 abril at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para abril, 2016

Ressaca

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De repente o tempo vira e o calor - absurdo para o fim de abril - desaparece. Magicamente, o céu sempre azul esconde-se atrás de grossas nuvens, a chuva cai, pingos grossos que viajam obliquamente, impulsionados pelo vento muito forte.  No noticiário sobre o clima ouve-se que haverá frio, tempestade e ventos acima de 80 km. Da orla da praia para aos polos, assim, de repente. Fica-se nisso.

Mas, impressiona mesmo o mar. Ele ruge. Levanta-se. Sai do marasmo das ondas fracas que beijam a praia para erguer-se contra o mundo dos homens. Grita, avisando os moradores da orla marítima de que vivem em lugar que não lhes pertence. Ele, o mar, é o dono de tudo, proprietário das terras que, assim promete, um dia vai reocupar. Os prédios altos serão tragados, afinal as escrituras garantem o apocalipse. Será no apocalipse. O apocalipse será a vingança do mar. Enquanto não acontece, o mar se manifesta, violento. São as ressacas.

Na ressaca de ontem o mar cobriu toda a extensão da praia, derrubou muretas que em vão tentam isolá-lo e invadiu a avenida. Turno de força. Pura energia incontida, gerada nas entranhas da terra. Exército de águas em movimento que nada pode deter. Aviso de preso atrás das grades que sabe poder rompê-las como e quando quiser.

As imagens são belas, mas apavorantes. Lá estão as ondas de quatro metros de altura quebrando-se muito além do lugar previsto, ameaçando chegar aos prédios, por vezes invadindo garagens subterrâneas. Como o cacto de Manuel o mar é áspero, intratável. Invasivo, interrompe o trânsito que já não pode fluir pela avenida alagada. O exército do mar lembra as divisões romanas, organizas para o ataque. Desta vez o mar veio com a divisão dos ventos que causaram estragos, danificaram sinais de trânsito, derrubaram árvores e ameaçaram moradias nos morros. Na madrugada os ventos uivaram nas janelas, avisando do ataque do mar.

O mar é assim. Imprevisível, indomável e belo. Faz o que quer. Há pouco destruiu parte da ciclovia às pressas construídas no Rio para as Olimpíadas. Para destruí-la bastou um só movimento do gigante que se ergueu a grande altura para colocá-la abaixo.

O mar não respeita nada, nem a vida dos incautos que ousam desafiá-lo. Arrasta barcos, navios e, vez ou outra, arregimenta forças, invadindo tudo nos bem organizados tsunamis. Então destrói, em segundos, o que os homens levaram, por vezes, uma vida para construir.

Entretanto, impossível não amar o mar.

A última casa da rua

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Depois da fileira de casas as construções rareavam na extremidade do vilarejo. Para quem seguia em direção à estação, bem antes de se iniciar a subida, o espaçamento entre as residências era visível. Terrenos cobertos por mato marcavam a distância entre uma casa e outra. A penúltima da rua era a daquele “italiano”, homem sisudo, de poucas palavras, que viera anos antes viver nas montanhas em busca de ar mais puro.  Naquela época acreditava-se ser primordial para o tratamento da tuberculose viver em lugares de grande altitude, nos quais o clima favoreceria a boa evolução da doença. Tuberculosos com maiores possibilidades iam tratar-se na Suíça onde bons sanatórios foram edificados nas montanhas do país. Caso conhecido foi o do poeta Manuel Bandeira que no sanatório Cladavel conviveu com o poeta francês Paul Èluard.

O “italiano” era um sujeito interessante. Vivia sozinho e passava os dias provendo o aterramento de um barranco atrás de sua casa, junto ao rio.  Sua rotina consistia em trabalhar com a enxada num morro do outro lado da rua, do qual retirava terra para transportá-la com um carrinho de mão. Desse homem sabia-se que tinha um irmão que o visitava raramente, vindo de São Paulo, onde vivia. Dizia-se, sobre o irmão, que fora campeão sul-americano de bilhar, fato confirmado pelo “italiano” nas poucas vezes em que trocava palavras com algum vizinho.

Para além do imóvel do “italiano” existia a última casa da rua que ficava numa curva. Avarandada e com janelas verdes, apresentava-se com ares de abandono. Isolava-a da rua um muro de altura média e um portão de ferro. Na maior parte do tempo a casa permanecia fechada. Entretanto, por volta da metade dos anos 50, para lá se mudou um homem chamado Orlando que não se demorou a tornar-se próximo de algumas pessoas do lugar. Esse Orlando era alto, tez clara e usava vasto bigode ligado à barba ruiva. Lembro-me bem desse homem porque, a certa altura, tornou-se próximo de meu irmão com quem trocava opiniões sobre obras de filósofos. Por várias vezes acompanhei meu irmão até a casa do Orlando porque gostava de ficar na varanda, brincando. Eu ouvia as conversas que, obviamente, não compreendia dada a profundidade do assunto. Entretanto, certo dia, a conversa descambou para o lado pessoal e ouvi coisas surpreendentes para o menino que eu era.

Naquela tarde Orlando contou que viera do Rio após abandonar o emprego e deixar para trás tudo o que tinha. A razão fora terrível decepção amorosa. Casado com mulher a quem amava mais que a tudo, descobrira-a traindo-o com um amigo. A partir daí a vida perdera o sentido. Nenhuma razão parecia a ele suficiente para explicar porque a mulher que a ele jurara amor e a quem tanto se dedicava o tivesse traído. Mas, o pior estava por vir. Desesperado e completamente perdido chegara à situação limítrofe de atentar contra a própria vida. E o fizera de modo inusitado. Sendo falta de sexo com a mulher a quem amava o que mais doía a ele resolveu matar-se se castrando. Sangraria até a morte por amor à traidora.

Foi o que Orlando fez. Obviamente, não morreu. Um parente encontrou-o ainda vivo. Conduzido ao hospital, salvaram-no.

A última casa de rua não existe mais, demolida que foi dando lugar a outro imóvel. Com o passar do tempo, muitas outras construções surgiram, alongando o casario da rua para além da casa avarandada de janelas verdes. Há pouco tempo visitei a hoje cidade e, ao passar pelo lugar onde ficava a última casa da rua, não pude deixar de me lembrar daquele homem ferido de morte por uma paixão.  Aliás, Orlando não permaneceu por muito tempo no lugarejo. Depois de um ano mudou-se para outra cidade e, tempos depois, soubemos que enfim consumara seu suicídio.

Homens em ação

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Nada contra a turma hoje em atividade, mas houve tempo não distante no qual líamos nos jornais crônicas de Rubem Braga, poemas de Drummond, Bandeira e muitos outros. Escritores de primeira linha estavam não só vivos como ativos. Lembro-me de segundas-feiras nas quais, ao chegar ao serviço, não havia outro assunto que não o texto de alguém publicado num caderno literário do jornal de domingo. Como aquele poema de Borges sobre o qual falamos por dias seguidos tal o impacto causado em nós, leitores interessados.

O perigo de escrever coisas assim é o de sermos tomados por pedantes. Sim pedantes, gente que gosta de mostrar conhecimento, posicionar-se, apresentar-se aos desconhecidos expondo, logo de cara, seus importantes currículos. Estudei aqui, ali, graduei-me em, pós-graduação na, mestrado, doutorado, professor convidado na conceituada… Afora a citação de autores, obras, frases e tudo o que indica formação cultural elevada, enfim abrir a caixa de ferramentas para desde logo informar ao parceiro de que não está a falar com qualquer um.

Mas, mesmo esse tipo, muitas vezes até agradável, anda sumido. A boa e sólida leitura está desamparada, o massacre de tanta informação escraviza e banaliza e frutifica-se na geração do “conhecimento por alto”, da turma dos resumos, da atração pelos títulos não seguidos da interação com as matérias. E que não se culpe a internet pela desorganização de ideias, nem o mundo mal-ajambrado em que vivemos no qual rareiam oportunidades para destaque de espíritos lúcidos e criativos.

Paul Klee nos deixou o terrível quadro no qual um anjo segue em direção ao futuro, mas com a cabeça voltada para trás. Ele vê no passado um acúmulo de escombros a substituir o que, tão pressurosamente, classificamos como história. Walter Benjamin escreveu chamar-se progresso à aventura desse anjo que tem atrás de si, e à frente, escombros.

Ao progresso! Eis aí esse novo século, o 21, que já avança ao esgotamento de seus primeiros vinte anos e cujo final a maioria dos vivos de hoje não conhecerá. Trafegamos nessa trilha com o conhecimento acumulado no passado e tem-se a impressão de que tudo o que se sabe mostra-se insuficiente para colocar o mundo nos eixos e garantir a vida em paz aos seres humanos.

Talvez pela contradição entre os saberes e a precariedade de seus usos, talvez pela raridade de espíritos e expressões culturais inspiradoras, tenhamos esse homem que se senta à minha frente a se põe a falar sobre expoentes desaparecidos da literatura francesa os quais, assim se percebe, conhece apenas de nome.

Traição e traidores

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Tétrico I foi o último imperador do império das Gálias. Reinou entre 271 e 274, juntamente com seu filho Tétrico  II. Tétrico tornou-se imperador depois do assassinato de Vitorino em 217. Depois da morte de Vitorino, sua mulher, Vitória, convenceu o exército a aceitar Tétrico como imperador.

Reconhecido como imperador em toda a Britânia e maior parte da Gália Tétrico enfrentou grandes revoltas em seu governo. Em 273 o imperador romano Aureliano iniciou campanha para recuperar as colônias ocidentais. Tétrico e o filho viram-se obrigados a marchar para o sul dado que Aureliano avançava em direção a Gália. Entretanto, o exército de Tétrico foi aniquilado num evento que ficou conhecido como “catástrofe cataláunica”. Mas, Tétrico e o filho foram poupados por Aureliano. Relata-se que Tétrico rendeu-se a Aureliano em troca de sua vida e da do filho, embora seu exército ainda lutasse. Essa traição aos seus valeu posteriormente a Tétrico  o cargo, dado a ele por Aureliano, de governador de uma região no sul da Itália.

A história é rica em traidores, alguns muito famosos como Judas e o sempre citado Joaquim Silvério dos Reis. Mas, casos de traição que envolvem esferas do poder não raro vêm a público, causando espécie na população. Neste momento a atual presidente da República do Brasil acaba de se pronunciar, publicamente, acusando seu vice-presidente de traição. Segundo ela em nenhum país se viu o caso de alguém de primeiro escalão, vice-presidente, tramar nas sombras para destituir um presidente com a intenção de ocupar o cargo, tornando-se, por essa via, primeiro mandatário do país.

Obviamente, o vice-presidente evita comentar a acusação. Seus correligionários apressam-se em citar as várias razões que justificariam o impeachment da presidente. E a batalha entre as personalidades ganha corpo e segue em frente.

O Brasil teme pelas consequências da desabrida disputa travada nas instâncias superiores. Para o derrotado não haverá prêmio como aconteceu a Tétrico. Os tempos são outros. Pena que ao vencedor, como nos disse Machado, restarão as batatas.

O Brasil é uma festa

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Você viu? Por um minuto de fama parlamentares votavam pelas mais diferentes razões, muitas delas inesperadas. Nem as famílias foram poupadas. Votava-se pela mãe, pela mulher, pelos filhos, pelos netos que receberão um país melhor. Alongavam-se falas para muito além dos 10 segundos permitidos. Era preciso homenagear os Estados, as cidades, os redutos eleitorais, os amigos, o país, os parentes, a religião, enfim…

Tudo ao jeito festivo que parece entranhado em nosso modo de ser do qual parece impossível nos livramos. Muitos aproveitaram-se da oportunidade para acusar. Um deputado acusou o presidente da Câmara de ladrão e corrupto.

Não foi, infelizmente, uma sessão de brasilidade e republicanismo, pelo menos na aparência. Os brasileiros, certos ou errados em seus votos, desempenhavam mal seus papéis, embora observados pelo mundo. Daí os comentários da imprensa estrangeira. Um jornal destaca o aspecto burlesco da democracia brasileira, citando o Partido das Mulheres no qual só existem homens deputados. O Le Monde destacou a postura teatral dos deputados que usaram o tempo de que dispunham para enviar mensagens pessoais que nada tinham a ver com as razões de seus votos. O jornal comentou, ainda, o fato de deputados se enrolarem na bandeira nacional e o estranhamento por uma deputada apresentar-se vestida com a camisa da seleção braseira.

Comportamentos de parte, o fato é que a sessão de ontem apresenta-se como de enorme valor para a sociedade brasileira. Se nem todos os atores apresentaram-se a contento, a importância do “sim”e do “não” se refletirá na vida de milhões de pessoas. Há muito a atual crise brasileira ultrapassou o limite do razoável e nuvens carregadas pairam sobre as cabeças de todos nós. Se as imagens que vimos não nos dão muita esperança de que os políticos em atividade estarão a altura das necessidades do país cabe-nos manter a fé de que, em breve futuro, soluções corretas sejam adotadas.

Mas, o futuro, infelizmente, permanece como incógnita.

Piada de alemão

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Erdogan está muito puto. Exige reparação da Alemanha. O governo de Erdogan, presidente turco, entrou com ação na Procuradoria alemã para processar o comediante alemão Jan Böhmermann, apresentador de TV, por um poema satírico recitado em seu programa. O fato gerou discussão na Alemanha sobre a liberdade expressão no país. A chanceler alemã, Angela Merkel, viu-se obrigada a se defender de críticas pela dependência em relação à Turquia após acordo pela contenção de refugiados.

Mas, o que diz, sobre Erdogan o poema do comediante? O que diz a ponto de ser considerado ofensa ao povo turco? Bem. O comediante apenas afirmou que o líder turco tem “pinto pequeno”, assiste a filmes de pornografia infantil e gosta de fazer sexo com cabras. Só.

O caso faz lembrar as piadas do Charlie Hebdo que tão funestas consequências tiveram. Todo mundo se lembra da reação de terroristas muçulmanos que invadiram a redação do jornal e assassinaram vários jornalistas. O caso estarreceu o mundo. Nasceu o “Eu sou Charlie” com milhares de franceses nas ruas de Paris, protestando contra o terrível ataque. E o jornal não se intimidou, continuando com as sátiras às crenças muçulmanas.

É complicada a relação da palavra “limite” com “liberdade de expressão” dado que liberdade não se casa bem com limites. Por outro lado, existe a questão do bom senso. Quando um jornalista do Charlie desenha sua caricatura ofensiva sabe que ela despertará reações. Ao publicá-la ele faz uso de sua liberdade de expressão, mesmo que isso possa colocar em risco a segurança de seus conterrâneos e do próprio país. Não se pode negar ao jornalista o direito de publicar, dado que vive num país democrático onde as prerrogativas dos cidadãos são previstas na Constituição. Mas… Mas, o quê? Ainda acho que cabe ao jornalista julgar ou estabelecer até onde deve fazer uso de sua liberdade.

No caso do comediante alemão não se pode furtar a dizer que, no mínimo, o rapaz carece de bom gosto e imaginação. Há piadas mais engraçadas e inteligentes. Afirma-se que Erdogan não deu a mínima para a piada, mas está usando o caso para destacar a dependência alemã em relação a seu governo. Pode até ser. Entretanto, homens não gostam, nem por brincadeira, de afirmações públicas sobre o tamanho de seus bilaus. Quanto às demais citações, são horríveis, mas deixa pra lá. Agora, “pinto pequeno”…

Sim ou não

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Na briga Batman X Superman não tenho dúvidas: sou Batman. Batman é um cara dos nossos. Depois daquela série de quatro gibis que anunciaram o “novo Batman” passamos a ter um super-herói mais humano, problemático, com dramas de consciência, marcado por ter assistido ao assassinato dos pais em criança.  Já Superman é Superman. Gosto dele, mas o cara veio de Kripton, enviado pelo pai Jor-El quando o planeta explodia. Chegou aqui já com superpoderes tais como o de voar e a grande força. Sua fragilidade está no uso do mineral kriptonita ao qual é sensível, perdendo os poderes quando exposto a ela. Batman não voa, aceita porrada, tem o batmóvel que é fantástico e precisa, muito, do apoio de seu mordomo Alfred que o criou depois da morte de seus pais.

Poderia citar outras situações nas quais é bem possível optar por um dos lados sem medo de errar. Agora não me peçam para escolher entre impeachment ou não.  Como saber o que de fato é melhor na grave situação que parece não ter fim?

O governo da presidenta está acabado, não restam dúvidas. A presidenta deu mostra de que não tem como reorganizar o poder, dado incorrer numa lamentável sequência de erros primários. O governo e o partido situacionista não sabem fazer outra coisa que não a de negar diariamente acusações que se acumulam. A tudo rotulam como mentira deslavada. Não sei, nunca soube! O companheiro de véspera a quem se dava toda credibilidade passa a ser um mentiroso no dia seguinte em que confessa através de delação premiada. O companheiro que tinha reputação ilibada até a noite anterior passa a não se moralmente confiável na manhã seguinte quando decide delatar.

Razões não faltam para que se queira o fim do atual governo. A crise econômica, a recessão, o desemprego galopante, a paralisia da indústria, a retração do consumo, a queda nos investimentos, o dólar alto, o PIB que despenca, a inflação, a espantosa corrupção, a demolição da Petrobrás, a negociata das empreiteiras, a lista de descalabros parece não ter fim. O Brasil agoniza e faz-se preciso salvá-lo porque este é o barco em que estamos e morreremos juntos.

Por outro lado, as perspectivas do impeachment, após consumado, não são animadoras. O fim do governo não representa o fim da crise. Tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes. Quem assumir o governo terá nas mãos o maior abacaxi de nossa história. Abacaxi amargo e nas mãos de quem? Esse “quem” é o maior problema. O Brasil de hoje não tem “quem”. De tal modo deturparam-se as ações dos políticos que não se sabe em quem confiar. As sessões da Câmara Federal mais parecem disputas entre grupos de jovens nos diretórios acadêmicos. Situação e oposição se apossam do hino nacional que, afinal, pertence mesmo é ao povo. Leiloam-se cargos, estabelece-se um comércio de compra e venda de cargos em troca de votos. No meio disso, em quem acreditar?

Algo precisa ser feito, com urgência, para recolocar o país nos trilhos. Mas, assim parece, sempre será um trem sem maquinista confiável. De modo que se tivesse que votar entre o sim e o não do impeachment ficaria em grande dúvida. Talvez votasse no sim pelo nojo à desfaçatez por tanta corrupção. Quem trabalha e ganha o suado e restrito salário do mês não pode se conformar com as fabulosas cifras de desvios praticados por um bando de ladrões.

Herança maldita

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A expressão “herança maldita” tomou corpo no campo político brasileiro. Partidários do PT passaram a usá-la para dizer que receberam o Estado em péssimas condições ao assumir o poder depois do período FHC. Há que se reconhecer a inventividade dos marqueteiros sempre  muito hábeis em criar expressões que se tornam populares. A qualquer coisa que não dá certo lá vem a tal “herança maldita” para explicar o fato. Não se sabe como hoje a expressão não vem sendo usada contra os que a cunharam, isso depois de tanta falcatrua exposta diariamente nas ações da polícia federal.

Mas, falar em herança nos remete ao que acontece no Peru onde a filha de Fujimori é candidata à presidência da República. Fujimori, o “El Chino” foi aquele que derrotou Vargas Lhosa, tornando-se presidente da República. Foi também aquele que promoveu a esterilização de 250 mil pessoas no Peru numa política de controle populacional. Agora Fujimori está preso, mas, sua filha, permanece como forte candidata e provável futura presidente da República peruana.

O Peru está dividido. Há grande rejeição à filha de Fujimori, justamente pelo que ele fez. Será ela continuação dele? Terá “herdado” as características do antigo presidente? Se eleita anistiará o pai tirando-o da cadeia?

Obviamente, essas perguntas não têm respostas e só o futuro poderá esclarecê-las. Os casos de personalidades públicas que participaram de malefícios a grande número de pessoas não parecem ter tido continuidade nas gerações seguintes de suas famílias. Talvez até mesmo porque filhos e netos dessas pessoas não tenham conseguido assumir posições de relevo na sociedade. Três filhos de um sobrinho de Hitler vivem nos EUA com nomes trocados e parece haver entre eles pacto para não deixar descendentes.

É provável que a filha de Fujimori venha a ser a próxima presidente peruana. De todo modo o mundo de hoje é bem diferente daquele em que o pai dela ocupou a presidência. A América Latina respira os últimos fôlegos de disfarçado despotismo na Venezuela cujo regime balança e parece não haver mais espaço para mãos fortes no continente. Entretanto, repostas concretas, como se disse, pertencem ao futuro.

Videntes e cartomantes

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Não sei se você acredita em videntes e cartomantes. Há quem as visite com frequência. Basta um probleminha para procurar-se previsões sobre o futuro. Cartas e búzios parecem responder às perguntas de quem as faz. O que dizem as cartas? A resposta e o encaminhamento dos problemas podem estar bem ali, ao alcance do interessado, na configuração do baralho ou distribuição dos búzios.

O caso era contado pelos mais velhos da família. Moça bonita recebeu de cartomante informação de que se casaria com ricaço, seria feliz e conheceria o mundo. Foi cortejada por dois rapazes, ótimos pretendentes, nenhum deles rico. Dispensou-os, sempre à espera do príncipe prometido. Envelheceu à espera. No fim da vida contava sobre sua sina, sem jamais perder a esperança. Morreu sozinha, sem ver cumprida a previsão. Chamava-se Glorinha. No velório diziam: Glorinha, a que morreu esperando pela glória.

Mas, existem cartomantes que acertam. Coincidência? Sabe-se lá. Há cartomantes especializadas. Algumas são boas para negócios, outras para o amor. Conta-se que empresários importantes não fecham grandes negócios sem antes consultarem famosas cartomantes. Políticos também fazem uso desse expediente.

Em Brasília - conta-se - é grande o comércio de videntes e cartomantes. Videntes famosas cobram caro por uma consulta. Políticos importantes calibram seus passos segundo a previsão de videntes. Muita gente não resiste ao fascínio de uma consulta ao “outro lado”. É o que corre sobre o assunto.

Podem rir mas, talvez, a solução para a crise brasileira que se arrasta e complica a cada dia dependa da participação dessas boas almas que se entregam à previsão do futuro. De uma coisa estamos certos: não existe solução à vista. Brasília transformou-se numa gigantesca Babel onde cada um diz coisa diferente dos outros e ninguém se entende. Não será que uma vidente…

Conheci uma vidente que operava junto a grandes empresários. Certa vez perguntei a ela sobre como se tornara vidente. Disse-me que pessoas nascem com a sensibilidade, não se trata de escolha pessoal. No passado trabalhara com a polícia, ajudando na solução de crimes complexos. Era levada por policiais a cenas de crimes e sua missão era a de esclarecer o que ali ocorrera. Mas, parara com isso dado o choque a que era submetida nessas missões. Voltava para casa em péssimo estado e só três dias depois sentia-se recomposta. A partir daí tornara-se vidente estabelecida. Coisa de filme.

Mas, sobre a crise brasileira, será mesmo que uma boa vidente…

Torcida única

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Na final do Brasileirão de 1977- realizada no Mineirão, em março de 1978 - fui a Belo Horizonte para ver o jogo. Já no avião a vitória do Galo era cantada em prosa e verso. Repórteres esportivos cariocas diziam, para quem quisesse ouvir, que se tratava de jogo para cumprir tabela. O grande time do Galo já era o campeão.

Como se sabe futebol se ganha dentro das quatro linhas e só depois do apito final do juiz. Deu São Paulo nos pênaltis. No Mineirão lotado de atleticanos o silêncio era ensurdecedor. A torcida são-paulina ficara num canto, espremida entre os rivais. Éramos não mais que uns 500 diante da avassaladora maioria atleticana.

Terminado o jogo saímos, eu e mais dois amigos, muito quietos. Receávamos extravasar a alegria pelo título, afinal pisávamos território inimigo. Mas, nem assim passamos despercebidos. Já na rua um atleticano nos parou e, dirigindo-se a mim, disse: vocês tiveram muita sorte hoje, tanta que podem passar sem risco.

Como aquele mineiro descobriu três paulistas em meio à multidão até hoje não sei. Mas, não creio que houvesse perigo. Brigas no futebol sempre existiram. Assisti a jogos em que ocorreram grandes quebras entre torcidas. A paixão pelo o time do coração leva muita gente ao descontrole e dá no que dá.

Entretanto, não havia essa coisa tremenda de torcedores de equipes contrárias marcarem encontros, pela internet, para simplesmente brigarem. Violência atrás de violência, com gente ferida e até mortes muitas vezes de pessoas que, por acaso passavam pelo local da ocorrência. Homes armados com pedaços de pau, facas etc. digladiando-se, animalmente, pelo simples prazer do confronto.

Segue-se que a Justiça determinou, em São Paulo, a obrigatoriedade da presença de torcidas únicas nos jogos. Evita-se, assim, a progressão de cenas lamentáveis, nas quais destaca-se a pura bandidagem empenhada em agressões a quem quer que seja. Mas, com isso, perde todo mundo. Perde o futebol muito em vibração. Perdem as equipes com redução das rendas dos jogos. Perde o torcedor impedido de acompanhar o seu time nos jogos em que não figura como mandante.

Mas, que fazer diante da violência incontida? Como controlar a sede de luta de grupos que marcam seus embates até mesmo em lugares afastados dos estádios? De grupos que organizam emboscadas?

Está na internet a fotografia de um homem atingido e morto quando passava por lugar de conflito entre torcedores de clubes rivais. Pede-se a quem por acaso o conheça o favor de identificá-lo. Vítima da bestialidade permanece ele à espera de que venha a ser devolvido à família para a realização do funeral.