Arquivo para maio, 2016
Os interinos
Se o presidente da República sai do cargo, afasta-se por qualquer motivo ou simplesmente viaja quem assume é o vice-presidente. Depois dele o cargo pode ser ocupado, interinamente, pelo presidente da Câmara Federal e, em último lugar, pelo presidente do Senado.
Na História do Brasil existem registros de interinos, alguns com rápidas passagens pelo poder. Um dos que se notabilizou foi o mineiro Carlos Luz, então presidente da Câmara, que ocupou a presidência da República, em 1955. Luz esteve presidente porque Café Filho, que ocupava o cargo, sofreu um ataque cardíaco. Mas Carlos Luz permaneceu apenas três dias na presidência dado que começou a tramar para impedir a posse de Juscelino Kubistchek, eleito pelo voto popular.
Ontem um interino no cargo de presidente da Câmara Federal, o maranhense Waldir Maranhão, passou à história por tomar decisão autocrática na qual anulou sessões recentes da Câmara, incluindo-se a votação favorável ao impeachment de Dilma Rousseff. Com esse ato instalou-se no país um clima de enorme confusão, envolvendo o mundo político e deixando boquiabertos os brasileiros. Consequências econômicas imediatas foram a queda da Bolsa e a disparada do dólar.
Mais tarde o presidente do Senado invalidou o ato de Maranhão, dando seguimento ao processo de impeachment. O próprio Maranhão acabaria revogando sua decisão.
São tempos nos quais se vai disfarçando a vergonha de ser brasileiro. Hoje em dia já não se mede a possibilidade de expor o país - e os brasileiros - ao ridículo, em escala global. É triste a leitura do noticiário internacional sobre as mazelas a que a classe política submete o Brasil. A todo custo procura-se vender imagem de um povo irresponsável e que não sabe o que está fazendo. Fazem isso sem a menor cerimônia, desrespeitando o esforço de milhões de pessoas que diuturnamente empenham seu suor na construção de uma sociedade mais justa.
Waldir Maranhão garantiu ontem seu lugar na história - com “h” minúsculo. Será lembrado pelo seu ato inconsequente, apoiado por políticos a quem só interessa a sobrevivência no poder. Mas, para nós o melhor é que o interino seja esquecido, banido de nossas lembranças.
Cansaço dos brasileiros
Agora o desconhecido deputado Maranhão anula o processo de impeachment. Atende a pedido da Advocacia Geral da União. Quando nos parecia encaminhada uma possível solução para o imbróglio nacional, eis que de novo estamos à deriva.
O Brasil de hoje carece de bons homens públicos - na situação e na oposição. A notícia da anulação faz a Bolsa despencar e o dólar disparar. Não se sabe o que pensar. Nem para onde ir.
Não fosse o amor pelo país a solução seria sair dele. Mas, como viver noutro lugar, nós que gostamos da terra, do samba, da comida, das nossas cidades, dos nossos amigos, desse louco Brasil, enfim?
As redes de TV deveriam se unir e fazer grande favor aos brasileiros: pararem de noticiar o que se passa em Brasília.
Não quero mais ver a cara dessa turma no vídeo.
Cansei
A força das palavras
Existem limites. Mesmo os grandes artistas da palavra enfrentam situações nas quais torna-se impossível descrever, com precisão, algo que presenciam. A riqueza da vida pode mostrar-se inatingível.
Ontem realizou-se na Vila Belmiro a final do campeonato paulista. Venceu o Santos, tornando-se o campeão deste ano. Não assisti ao jogo, mas presenciei o momento em que o time da Vila fez o gol que daria a ele o campeonato. No décimo andar de um prédio olhava, do alto, a cidade. Pairava no ar a tensão da grande torcida silenciosa, agoniada com o andamento da partida. De repente, dos prédios ergueu-se um rumor, som crescente, nascido do grito dos torcedores que, finalmente, explodiu em grande manifestação. A elevação progressiva do som emitido pelas gargantas, a alegria mediada pela explosão incontida, a sensação de plenitude humana provocada no fortuito espectador que a presenciou, tudo isso é indescritível. Palavras podem descrever o acontecido sem, entretanto, atingir a verdadeira sensação provocada pelo fato. Entretanto, nada somos sem as palavras.
No dia-a-dia fazemos uso de um discurso, tantas vezes protocolar, constituído por sequências de palavras às quais estamos habituados. O vocabulário pessoal, pobre ou rico, costuma dar conta de nossas necessidades de comunicação. Linguistas afirmam que pessoas cujo vocabulário é inferior a 3 mil palavras não exercem exatamente sua humanidade e cidadania. De todo modo as palavras que usamos têm, cada uma, suas forças moduladas pelo contexto em que são aplicadas e a entonação que a elas conferimos em nossos pronunciamentos. Talvez por isso nos incomode tanto a progressiva banalização da linguagem e a ausência de leitura que restringe vocabulários e conhecimentos.
Dias atrás presenciei a conversa de um agrupo de jovens que operavam com um mínimo consumo de palavras. Presos a expressões curtas e estigmatizadas, entendiam-se através de um discurso distanciado da língua que conhecemos. Eram estudantes uniformizados, teriam em média 16 anos de idade. Doeu-me pensar no quanto seria complexa a travessia desses jovens para ultrapassar o limbo a que estavam condicionados.
Segundo o escritor mexicano Octavio Paz “A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade.”
A esperança dos brasileiros
Nos dias atuais quando o país padece da desconfiança nos homens públicos e nuvens carregadas turvam a visão do futuro vale lembrar de fatos passados que nos ajudem a traçar o perfil da gente brasílica.
O dia 25 de agosto de 1961 terá sido um dos mais impactantes na história do país. Na tarde de 25 o então presidente da República, Jânio Quadros, surpreendeu o país, enviando ao Congresso Nacional a carta de demissão do alto cargo apara o qual fora eleito. Empossado em janeiro, Jânio não chegou a completar o primeiro ano de seu mandato. Líder inconteste, bom administrador, homem feio e desengonçado, brilhante, verdadeiro artista da palavra, proprietário de estilo único de governar, capaz, Jânio levara ao planalto a esperança de milhões de brasileiros. O país atolado na crescente inflação, endividado, mal saído da construção de Brasília precisava de acertos urgentes. Jânio era o homem. Tivera carreira meteórica ao longo de quinze anos que culminaria na presidência. Prefeito de São Paulo, governador do mesmo Estado, era o homem da vassourinha, aquele que varria a corrupção, visitava inesperadamente órgãos públicos e comandava subordinados por meio dos famosos bilhetinhos. Incrível um tipo como Jânio arrastar atrás de si multidões de correligionários e eleitores. Pobre, fizera campanhas do tipo “tostão contra milhão” e chegara lá. Vencera todas. Era o presidente. E a esperança.
O dia seguinte à renúncia segue inesquecível. Descera sobre o país a incerteza e o clima era de velório. Naquele dia eu, rapazote, estava em casa de um tio que morava na Alameda Nothman, são Paulo. No térreo do prédio havia um bar, na calçada o jornaleiro. Os jornais presos ao arame as manchetes inacreditáveis, todas dizendo: “Jânio renunciou”. Em torno das manchetes pessoas paradas, atônitas.
Dentro do bar silêncio. Nas ruas silêncio, pessoas apressadas como se fugissem de uma notícia muito ruim, desafiadora. Eram os brasileiros presos na instantaneidade da perda de confiança gerada por ato de todo modo inexplicável. De Jânio haviam recebido apenas a explicação de que “forças terríveis” haviam se levantado contra ele, daí não ter mais condições de honrar o compromisso assumido com os brasileiros.
Voltei ao apartamento de meu tio e encontrei um primo aos soluços, sendo consolado pela mãe. O Brasil chorava. Nãos sabíamos, mas a trajetória espinhosa do país mal começava. Viriam o turbulento período de Jango no governo e o golpe militar de 1964. A democracia viria a ser restituía apenas em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves que não chegou a governar.
Olhando para trás tem-se a impressão de que, afinal, vencemos. Melhor: superamos. Fomos jogados ao sabor das pressões e acasos, mas superamos. Entretanto, agora somos novamente assombrados pelos malditos fantasmas que, assim parece, jamais serão expulsos do país. Desta vez, teremos forças para mais uma vez vencê-los? Vencerá a hoje combalida esperança?
O que falam sobre nós
O Brasil não sai do noticiário internacional. A crise política é noticiada no mundo todo onde se pergunta qual será o fim disso tudo. Enquanto isso Temer alinhava seu futuro governo. Nomes de possíveis futuros ministros circulam pela mídia, recebendo ou não aprovações. Há que se desfraldar a bandeira da esperança para que o gigante da América do Sul possa se reerguer.
“Argentinos odeiam amar o Brasil.” “Brasileiros odeiam amar a Argentina.” Essas “verdades” são repetidas toda vez que o assunto descamba para o jeito de ser das gentes dos dois países. O fato é que argentinos não despertam muita simpatia. Tidos como arrogantes e candidatos a superiores não contam com a simpatia dos povos de países vizinhos. Para piorar a rivalidade no futebol é incontornável. Para brasileiros o maior jogador de todos os tempos é Pelé. Os argentinos têm o seu Deus do futebol: Diego Maradona. Isso é só o começo da discussão.
Entretanto, hoje em dia as coisas andam mudadas. Brasileiro em visita à Argentina é bem tratado. E, lá se sabe tudo o que se passa no Brasil. A cada dia notícias sobre a crise brasileira são atualizadas. Comparações entre a situação atual da Argentina e a do Brasil são frequentes.
De modo geral o povo argentino é bem politizado. Motoristas de táxi não perdem oportunidade de perguntar sobre o Brasil. Conhecem Lula, Dilma, Temer, FHC e mais gente. Falam sobre a corrupção no Brasil, a escalada da pobreza, a cara-de pau dos políticos. Aliás, nada diferente da Argentina. Estranha-se que o nome de Lula esteja agora associado aos crimes da Lava-Jato. A imagem anterior de Lula é admirada pelos argentinos que o veem como líder no combate à pobreza. Então perguntam se o que hoje falam de Lula é verdade.
Mas, a Argentina deu um passo à frente. Hoje a situação no país é complicada. Preços altos, dinheiro difícil, desemprego, pobreza etc. Mas, há esperança. O presidente é sério e está fazendo o que deve ser feito - dizem. É rico, não precisa roubar. E bem intencionado.
Existem os opositores. Mas os peronistas estão em baixa após Cristina sair do governo. Os movimentos sindicais estão ativos. O centro de Buenos Aires com frequência tem ruas fechadas pela onda de protestos.
Mas, respira-se na Argentina. Nada de euforia, apenas esperança. É bom ver como esperança pode mudar um país. No Brasil de hoje, sem esperança, nada irá pra frente. É preciso resgatar a confiança dos brasileiros. Urgentemente. Todo mundo sabe disso. Só não se sabe como fazê-lo depois de tanta roubalheira.