2016 setembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para setembro, 2016

Viagem no tempo

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Os gibis do Brucutu eram demais. O personagem Brucutu criado pelo desenhista V. T. Hamlin era um sujeito pré-histórico que preferia lutar contra dinossauros perigosos a viver entre seus conterrâneos no reino de Mu. Mas, algumas das aventuras do herói se passavam em outras épocas para onde era levado pela máquina do tempo, inventada por um cientista. Aliás, Brucutu fazia várias viagens por essa máquina, visitando épocas diferentes nas quais nos deliciava com estranhas aventuras. Vestindo apenas um calção de couro e sempre levando na mão um martelo de pedra o personagem de quadrinhos encantou gerações.

Viagens no tempo tem sido temas recorrentes no cinema. Como se esquecer daquele primeiro “Planeta dos Macacos” no qual o personagem vivido por Charlton Heston chega a um planeta após ter ficado no espaço e o encontra dominado por uma civilização de macacos? A última cena do filme na qual o personagem segue numa praia e, finalmente, descobre onde esta é inesquecível. “De volta para o futuro”, “Os 12 macacos”,”Looper”, são muitos os filmes que se servem do tema.  Sem nunca esquecer aquele primeiro “Superman” no qual o personagem vivido pelo ator Christopher Reeves voa em sentido contrário aos dos movimentos da Terra para fazer o tempo voltar e recuperar sua amada.

Mas, existem mesmo viagens no tempo? Os cientistas consideram a possibilidade como bastante improvável dado não se dispor de tecnologia para executá-las. O físico Stephen Hawking ressalta que o fato de não recebermos visitantes do futuro é um excelente argumento contra viagens no tempo. Entretanto, vez ou outra aparece alguém que se diz vindo do futuro. Divulga-se agora que um homem afirma ser viajante do tempo, vindo do ano de 2062 e fazendo previsões de como será o futuro. Teria chegado à nossa época em 2010 para alertar os japoneses sobre a ocorrência de terremotos.

O viajante do tempo esteve em nossa época até 30 de agosto de 2016 e, antes de partir, concedeu entrevistas a jornais do Japão nas quais, entre previsões, falou sobre a sua máquina do tempo sem, entretanto, explicar tudo. Sobre o futuro que nos aguarda disse que a energia utilizada será a solar, viagens interplanetárias passarão a serem comuns, carros voadores circularão com gasto mínimo de combustível, a genética será a área dominante da medicina e poucas mortes ocorrerão devido a enfermidades.

Anos atrás outro viajante do tempo se tornou famoso. John Titor teria vindo do ano de 2036 onde atuava como soldado do exército americano. Titor postava na internet suas previsões que até o momento se mostraram erradas.

Não se pode dizer que viagens no tempo não possam ocorrer. O universo nos fascina e a possibilidade da existência de seres extraterrestres alimenta nossas imaginações. Visitar tempos passados, conhecer o futuro, receber turistas de outras épocas são temas de fato inebriantes, mas que, ainda hoje, pertencem ao mundo da ficção.

Barbeiro italiano

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Há cabeleireiros que se ofendem ao serem identificamos como babeiros. Mas há anos quem cortava cabelos de homens eram barbeiros. Aliás, barbeiro também é pessoa que dirige mal veículos. Quem bate carro faz barbeiragem. Sem esquecer os barbeiros-cirurgiões que na Idade Média faziam cirurgias, principalmente em soldados feridos em campos de batalhas. Os barbeiros-cirugiões não eram considerados médicos. Só mais tarde surgiram os médicos cirurgiões.

O Guido era um italiano que imigrou para o Brasil. Veio sozinho, deixando país e irmãos no interior da Itália. Fez vida aqui cortando cabelos. Casou-se com uma brasileira e com ela teve filhos. Separou-se quando descobriu que ela o traíra com um amigo. Estavam os três num hotel quando o Guido teve que retornar a São Paulo, deixando a mulher e os filhos. Quando tornou ao hotel acabou sabendo pelas crianças ainda pequenas que o “tio” dormira no lugar dele, ao lado da mãe.

O Guido não gostava, mas não chegava a se incomodar quando se dizia que ele era barbeiro. Preferia o cabeleireiro. Casou-se pela segunda vez e vivia bem. Certo dia o encontrei no salão onde trabalhava. Estava eufórico. Ao me ver foi logo me participando sobre a razão da sua euforia: batera na mulher. Enfiara a mão na cara daquela desgraçada que tanto enchia o saco dele. Mulher ciumenta. Ouvi estarrecido. Acontece que o italiano era um cara de sangue quente, mas de boa paz. Bater na mulher? Não ele. Mas, estranhamento tinha feito isso.

Cerca de um mês depois soube que o Guido fora diagnosticado com tumor cerebral. Operado, sobreviveu pouco mais de um mês. Explicava-se a mudança de comportamento que o levara a agredir a mulher e tomar outras atitudes inesperadas.

Guido foi um “bon vivant”. Perdía-se com mulheres e gabava-se de suas conquistas.  A mulher com quem se casara tinha razão em seu ciúme. Não faz muito encontrei-me com ela na rua. Falou-me do falecido com alguma ternura. Mas, a roda da vida não para. Estava grávida. Agora vivia com um turco, um anjo de homem…

Lembrei-me do Guido. Embora mulherengo não admitia ser traído. Era do tipo que acredita que homens são feitos para terem várias mulheres. Agora, mulher casada só pode ter é amar um homem: o marido. O Guido era assim.

As Cataratas do Iguaçu

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Na casas de meus país havia um livro sobre curiosidades.  Continha informações consideradas indispensáveis a um cidadão de cultura mínima. Era um tempo no qual não se podia fazer feio caso algum desconhecido propusesse um tema para conversa. Em casa me diziam: leia, adquira conhecimentos, evite passar vergonha diante de estranhos. Preservava-se a cultura.

Nos ermos em que vivíamos, na passagem da década de 50 para a de 60, os livros eram grande fonte de informação, aprendizado e distração. A televisão ainda engatinhava e o sinal de vídeo era bastante limitado. De modo que só nos restava mesmo ler. Livros e jornais chegavam dias depois de sua publicação. Seu Brás assinava o Correio da Manhã do Rio que chegava a ele com dias de atraso. Mas ele o devorava, fervorosamente. E não se esquecia de recortar os quadrinhos do “Mutt e Jeff” os quais me dava após ler o “Correio da Manhã”.

No livro sobre curiosidades havia um memorável capítulo sobre as sete maravilhas do mundo antigo. Ali me inteirei sobre o Farol de Alexandria, o Colosso de Rodes e os outros cinco. O assunto me fascinava porque se referia a terras e épocas distantes. De modo que eu sabia detalhes sobre cada uma daquelas maravilhas.

Em julho de 2007 foram anunciadas, em Lisboa, as sete maravilhas do mundo moderno entre as quais o nosso Cristo Redentor. Ao lado dele a Muralha da China, o Taj Hamal e outras. Não sei qual o critério para a escolha. Talvez as maravilhas se restrinjam àquelas realizadas pelo homem. Mas, e as naturais? O mundo tem lugares belíssimos, tantos que seria difícil selecionar sete entre eles. Entretanto, a nenhuma lista de maravilhas naturais poderiam faltar as cataratas o Iguaçu cuja beleza é estonteante. Seguir pelas trilhas nas cataratas brasileiras e argentinas representa o contato com o maravilhoso. Ali o homem apequena-se diante da monumental volúpia das águas incansáveis que se projetam num show de cores e luzes. O Diabo anda solto nos redemoinhos de águas turbulentas que se curvam ante a magia do Criador que as engendrou. Ao observador resta entregar-se diante de tamanha beleza. São momentos nos quais a interação entre homem e natureza completa-se, deixando-se de lado a utopia da vida agitada em sociedade. As cataratas fazem renascer nos que têm o privilégio de visitá-las a simbologia primitiva que ligou o homem ao ambiente natural ao qual se adaptou.

Seguindo trilhas nas cataratas e inspirado pelo ambiente natural lembrei-me de José de Alencar. “0 Guarani” talvez tenha sido o primeiro romance que li. Nunca me esqueci do terrível Loredano que inferniza a vida de Ceci e Poti. Alencar foi um mestre da descrição, embora hoje me pareça excessivo e um pouco cansativo. Na primeira página de “O Guarani” Alencar descreve o trajeto sinuoso de um rio que finalmente nos diz ser o Paquequer. Trata-se de uma esmerada descrição nascida da pena de um mestre.

As cataratas são assim, encontro de forças que nos falam de perto. Despertam evocações, lembram-nos de que somos seres ligados à natureza que, em geral, desprezamos. A beleza das cataratas nos faz lembrar de que somos humanos, animais diferenciados, dotados de inteligência, construtores do mundo, ainda assim dependentes do meio que naquela região do Brasil se expõe com força e beleza.

Spoilers

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Os chamados “spoilers” não passam de uns chatos. São mesmo os tais estraga-prazeres. Não sei se ainda acontece, mas era comum encontrá-los nas filas de cinema que exibiam filmes de arte. Falando alto para que todos ouvissem e reparassem neles os “spoilers” difundiam sua pretensa intelectualidade. O problema maior relacionava-se com aqueles caras que já tinham assistido ao filme e voltavam para averiguar algum detalhe numa nova sessão. Então discorriam sobre a cena e a interpretavam. Obviamente, sendo “spoilers”, não deixavam de lado a oportunidade de estragar a diversão dos outros, contando o fim do filme. Certa vez presenciei um sujeito partir para cima de um “spoiler” que tinha narrado, em detalhes, o fim de uma trama de suspense.

Mas, reconheça-se, existe bons “spoilers”. Conheci um deles, frequentador assíduo de cinemas, que tinha por hábito narrar todo o enredo dos filmes. Educado, o rapaz sempre perguntava aos presentes na conversa se alguém teria assistido ao filme ou se pretenderia assisti-lo. Só quando os presentes o autorizavam começava sua narração.

Ocorre que o tal “spoiler” era um verdadeiro artista. Tanto que, na verdade, o modo como narrava acabava por descaracterizá-lo enquanto “spoiler”. Tal era sua aptidão em contar o enredo do filme, a riqueza de detalhes, que não se podia ouvi-lo sem prazer. Como isso acontecia nos intervalos de trabalho para almoço ou café as narrativas do nosso “spoiler” eram muito aguardadas. Se em uma ocasião não se dispunha a contar nada era abordado com a mesma pergunta: e aí, não viu nenhum filme?

Pois “assisti” a vários filmes através da prosa desse notável contador de histórias. Inesquecível a narrativa do filme “ A gaiola das loucas” que nos levou a risadas delirantes. Víamos os atores e cenas jocosas através das palavras de nosso hábil narrador.

Anos depois assisti no cinema à segunda versão do filme “A gaiola das loucas”. Pareceu-me inferior a primeira a qual “assisti” através da narrativa de nosso companheiro de trabalho.  Saí do cinema intrigado. Há pessoas que nascem com dons incomuns como esse de narrar histórias. Alguns contam enredos de filmes. Outros se tornam escritores. Há, também, aqueles que fazem uso de sua inegável capacidade de comunicação para engabelar os demais. Aliás, esses últimos, com alguma frequência, se tornam políticos.

Raindrops keep falling on my head

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Éramos cinco.  Chegáramos à casa do Baixinho por volta de oito da noite. A prova de Fisiologia seria na manhã seguinte e a matéria todos os capítulos relacionados ao sistema nervoso do livro do Guyton. Uma enormidade de conceitos e detalhes que deveríamos absorver até a madrugada.

Foi o que aconteceu. Cada um de nós lia um capítulo inteiro com muitas paradas para discussão de aspectos que não nos pareciam claros. Estudávamos sem espaço para distrações ou piadas. A missão era difícil, a coisa séria.

Lembro-me de que, no meio da madrugada, bateu-me o sono. Um dos amigos chamou-me a atenção dizendo: esse cara tá dormindo. Abri os olhos e protestei. Seguiu-se o desafio: então sobre o que estávamos falando? Repeti quase palavra por palavra o conteúdo da matéria. Admiraram-se da minha memória. Eu tinha boa memória.

Pelas cinco da manhã estávamos cansados. O pai do Baixinho havia se levantado e, pouco depois, reapareceu trazendo pão quentinho, vindo da padaria. Tomamos café, voltamos ao texto. Mas, não dava mais. Então o baixinho ligou o rádio. Subitamente, como se vinda de outro mundo, começaram a soar os acordes de um grande sucesso da época: Raindrops keep falling on my head.

Foi automático. Quatro de nós deram-se os braços e começamos a dançar como se estivéssemos num palco, apresentando-nos. O Gonzaga não dançou. Permaneceu sentado, olhando-nos, rindo daquilo, talvez extasiado com nossa juventude.

Hoje de manhã liguei o rádio do carro e comecei a ouvir Raindrops keep falling on my head. Quase 40 anos depois revi com nitidez a cena de nós quatro, cansados, dançando. Éramos jovens e não conhecíamos nada sobre nosso futuro. Mais tarde formam-nos na mesma faculdade e depois nos afastamos. Não sei como terá siso a vida de meus grandes amigos a quem deixei ao logo da estrada. O Gonzaga, aquele que ria nos vendo dançando ao final da louca madruga, o Gonzaga morreu. Nós, os demais, continuamos por aí. Com gotas de lembranças caindo sobre as nossas cabeças. Saudosas.

A manga talha o leite

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Não se podia ingerir manga com leite sob risco de danos à saúde. Ouvia-se isso em meus tempos de menino. Aliás, a manga não desfrutava de boa fama: junto com cachaça causava intoxicação; com ovo a manga provocava indigestão; era comer manga com jaca e ter dores de barriga.

Tabus alimentares sempre existiram, creio que ainda hoje vigorem nos interiores do país. Segundo Câmara Cascudo foi o formalismo religioso português o culpado pela existência desses tabus. Impondo obrigações ao corpo as almas permanecem seguras. O tabu da manga que misturada com leite daria congestão tem origem no período colonial. Com a produção abundante de mangas os senhores criaram o tabu para que os escravos não ingerissem a fruta e, depois, tomassem escondido o leite produzido nas ordenhas.

Existem inúmeros tabus relacionados a grande variedade de alimentos. Não me lembro bem porque, mas o pepino não era muito bem-visto. Com cachaça, por exemplo, provocaria congestão.

Medo de congestão era comum. Lembro-me de um cunhado do Juca que talvez tenha sido o homem mais feio que já vi. Creio que ali a feiura seria de nascença. Mas, dizia-se que ele ficara feio por ter sofrido congestão. Tomara banho logo depois de almoçar e deu no que deu.

Não é do assunto em questão, mas vale o parágrafo: o Juca. Um senhor com farta cabeleira e vasto bigode, sempre de terno escuro, nunca com gravata. Gorducho. Amava o boxe. Eu menino conversava com o Juca sobre os grandes campeões do passado. Ele sabia tudo sobre as lutas de Joe Louis. E conhecia bem a trajetória de Rocky Marciano. O Juca descrevia as técnicas utilizadas pelos lutadores, falava sobre o estilo de luta de cada um. Um dia lá se foi o Juca com a família, mudaram-se. O cunhado feio também desapareceu. Nunca mais os vi. Do Juca ainda vim a saber, anos depois, através de um sobrinho dele. Estava vivo, mas enfermo. Eram os anos 70.

Parágrafo encerrado de volta aos tabus. Lembrei-me do caso da manga ao ler que uma nutricionista justamente compareceu a um programa de TV para encarecer que o mito da mistura com leite não passa de uma bobagem. Aliás, completou informando que uma boa mistura para o leite é com morangos.

Comer é bom. Vale não exagerar.

Escrito por Ayrton Marcondes

19 setembro, 2016 às 2:19 pm

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Afogamentos

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Minha irmã liga, falando sobre o afogamento do ator Domingos Montagner.  O desaparecimento do conhecido ator comove o país. Ao banhar-se nas águas do Rio São Francisco Montagner não resistiu à violência da correnteza. Seu corpo foi encontrado, horas depois, submerso, junto a pedras.

Minha irmã diz que o afogamento do ator nos trouxe a morte de nosso irmão nas águas do Rio Paraíba, região de Pindamonhangaba. O então rapaz de pouco amis que 20 anos de idade se afogou ao nadar durante um piquenique com amigos. O relato foi de que pouco antes almoçara e, depois, resolvera nadar. Em vão os amigos esperaram pelo seu retorno.

Na época vivíamos num lugarejo situado nos altos da Mantiqueira. Meu pai recebeu o telefonema sobre o desaparecimento do filho no final da tarde. Em seguida viajamos para Pinda num jipe que enfrentou a difícil estrada de terra da serra.

Já noite chegamos à casa de minha avó onde encontramos familiares consternados. Mas, mantinha-se a esperança de uma boa notícia. Com o passar das horas o temor acentuava-se. Tarde da noite um tio, militar de profissão, chegou de São Paulo, trazendo dois escafandristas.

Meu pai seguiu com meu tio e os escafandristas para o local do desaparecimento. Ficamos à espera. Eu era um menino de sete anos e só me lembro de que, na madrugada, meu pai reapareceu e, enfim, tivemos a notícia. O corpo de meu irmão fora encontrado no fundo de um braço do rio, preso a uma cerca de arame.

O restante é inenarrável. Seguiram-se os trâmites da morte. O corpo trazido para casa foi banhado, seguindo o costume da época. Cena forte presenciei no banheiro no qual entrei inadvertidamente. Trago na retina a imagem de meu irmão morto, nu, rosto inexpressivo, braços caídos, sendo banhado pelos parentes.

O corpo foi velado na sala grande. Minha mãe demorou-se a ver o filho no caixão. Permaneceu o tempo todo num cômodo ao lado. A certa altura decidiu-se. Acompanhei minha mãe nesse momento inesquecível. Guardo a imagem dela acariciando a cabeça do filho, despedindo-se dele.
Jovem e muito conhecido, o enterro de meu irmão movimentou a cidade. Pela primeira vez presenciei a despedida de alguém a quem amamos no cemitério. Entardecia. Depois as pessoas foram saindo. Fomos os últimos. Iniciava-se o triste período no qual, em vão, os familiares tentariam consolar-se.

Todos morrem um dia, mas vivemos como se não acreditássemos nisso.

No tempo das denúncias

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Um amigo, esquerdista convicto, me diz que, se pudesse, mudaria para o Uruguai. O problema está em que diz isso. Não se trata de revolucionário de última hora, nem desses que professam ideologias em acordo com o momento e necessidades pessoais. Trata-se de alguém fiel aos seus princípios, homem que depositou sua fé num partido e agora se sente enganado, decepcionado. Para ele o “Fora Temer” é válido. A única solução para o país seriam eleições gerais e um acordo em todas as áreas. Todo mundo perderia um pouco, mas o país se elevaria, superando a recessão.

Pergunto a ele se pensar num acordo geral com perdas em todas as áreas em prol do bem comum não seria utopia. Ele me responde, perguntando o que, afinal, espero do governo Temer. Digo a ele que talvez o Meireles consiga melhorar um pouco a economia e isso já seria muito, evitando a derrocada de empresas e empregos. Ele ri e me chama de inocente por acreditar numa solução neoliberal. Enfim, para ele não há solução à vista.

Vivemos num tempo de denúncias, acusações, cassações, prisões, delações etc. Fatos históricos se repetem na mesma semana como, aliás, afirmou uma comentarista na televisão. Marchas e contramarchas, acusações e desmentidos, propinas, escândalos, corrupção. Que língua é essa que se fala hoje no Brasil?  Palavras do gênero tornaram-se de uso comum. No elevador do prédio vi um menino dizer a outro que só o ajudaria no dever de casa se recebesse uma propina. O mal se banaliza.

O amigo me pergunta sobre desde quando o mundo em que vivemos ficou assim. Digo que essa confusão vem desde a época do Sarney. De modo algum torceria pela volta dos militares, embora me veja obrigado a aceitar que, pelo menos, se passavam por mais sérios que a turma de hoje. Ele ri, mas concorda embora com todas as ressalvas que bem conhecemos.

Entretanto, para o amigo tudo o que vemos hoje começou mesmo em 1500. Desanimado confessa acreditar que o problema talvez seja de natureza dos homens, quem sabe de origem genética.

Não chego a tanto. Quem sabe Deus é mesmo brasileiro e, dia desses, acabe se apiedando de nós. Seria um bom começo.

Um goleiro

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Goleiro é a posição mais ingrata no futebol. Se o goleiro atua bem, se faz defesas incríveis, é tratado como fenomenal. Mas, a boa fama não resiste a um belo “frango”. Basta um vacilo para que o herói de ontem vire o frangueiro de hoje.

Mário de Moraes, antigo comentarista de futebol, dizia: “um grande time começa por um grande goleiro”. De fato, não adianta os outros dez jogarem bem se o número 1 deixa a bola entrar com facilidade. Goleiro impõe respeito aos adversários e garante confiança aos defensores de sua equipe. Isso não quer dizer que mesmo os melhores nunca falhem. Já vimos celebridades debaixo das traves tomando frangaços.

Nem sempre grandes goleiros atuam em grandes clubes. Muitos deles não veem decolarem suas carreiras, atuando sempre em clubes sem expressão. Esse é o caso do Marco, especialista debaixo das traves, espaço que dominava como poucos. Ágil e de boa estatura fazia uso de sua formidável impulsão para “voar” atrás das bolas cujo destino seriam as redes de seu gol.

O Marco jogava no time da cidadezinha em que vivia. Seus adversários eram as equipes de localidades vizinhas. No “estádio” cujas arquibancadas eram montinhos naturais e o “gramado” nada mais que terra batida o Marco era o titular no gol do “primeiro quadro”. Nos jogos, sempre realizados aos domingos, a partida principal - a do “primeiro quadro” - era precedida por uma preliminar disputada entre os “segundos quadros” das duas equipes.

Vale lembrar de que o campo de futebol localizava-se no alto de um morro. Chegava-se a ele através de uma trilha. Daí ser comum dizer-se que o jogo tinha três tempos, o primeiro deles representado pela subida dos jogadores pela trilha. Pior ainda o fato de que o campo não era lá totalmente plano. Uma de suas metades era ligeiramente obliqua de modo que o ataque da equipe que atuasse contra “o gol de cima” teria contra si a dificuldade de manter o controle da bola contra a declividade. Alias, se alguém subia pela trilha em direção ao campo com o jogo já começado era comum que perguntasse a alguém que voltava:

- Nosso time está jogando para cima ou para baixo?

Pois foi nesse lugar que se viram as grandes atuações do goleiro Marco. Tão boas eram que certa vez foi visto por um dirigente de uma equipe interiorana que disputava o Campeonato Paulista de Futebol. Esse dirigente levou o Marco para o seu time no qual o goleiro rapidamente tornou-se titular. Assim, o goleiro que atuava em sua cidade num campo de terra batida passou a atuar contra equipes da divisão superior do futebol paulista. Entretanto, não tinha o Marco o preparo atlético de que dispõe os jogadores das equipes profissionais. Atuando bem e seguidamente aconteceu a ele a contusão num dos braços que o impediria de jogar e determinou o encerramento precoce de sua carreira.

De volta à sua terra natal o Marco empregou suas economias num restaurante. Era comum vê-lo ali, atendendo aos fregueses e falando sobre futebol. Curiosamente um dos frequentadores do restaurante era um estrangeiro que, certo dia, contou ao Marco ter sido membro do conjunto de Frank Zappa. Ter em seu restaurante um músico de tal envergadura tornou-se motivo de orgulho para o Marco. Toda vez que o tal chegava ao lugar o Marco sussurrava a outros clientes: tocou com o Frank Zappa.

É bem improvável que aquele estrangeiro de fato tivesse tocado com Zappa. Entretanto, isso não tinha a menor importância num meio em que inexistiam celebridades e qualquer uma delas - verdadeira ou falsa - seria muito benvinda.

Marco, o goleiro, morreu cedo. Não se conhece a doença que o vitimou precocemente. Deixou à sua gente a imagem do goleiro sempre vestido de negro, voando debaixo das traves, evitando gols e contribuindo com um pouco de alegria aos conterrâneos que, de sol a sol, trabalhavam na lavoura.

Se você fosse sincera….

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Especialistas garantem que não existe quem não minta. Mentimos por hábito, por necessidade, quem sabe por distração. O Zé chegava atrasado ao serviço. Mas sempre tinha uma justificativa - melhor: uma novela - para o atraso. Tantas contava que viraram folclore. Se conseguia chegar no horário era um feito.

Uma das histórias do Zé ficou famosa. O despertador tocara na hora certa, ele se levantara, vestira-se, engolira um pouco de café e saíra depressa para o carro. Infelizmente, na pressa deixara as chaves dentro da casa e batera a porta. A mulher dormia no quarto situado na parte de cima do sobrado. Para acordá-la foi um sufoco. Mas, enfim desperta, a mulher abriu a janela e jogou as chaves do carro… que ficaram presas no fio telefônico. Para pegar as chaves foi preciso que a mulher abrisse a porta da frente e o Zé fosse ao quintal em busca de algo longo com o que pudesse tirar a chave do fio. Finalmente, chaves nas mãos, abriu o carro e surpresa: o cachorro, que saíra da casa, entrou no carro e não havia meio e tirá-lo de lá. Por essas e muitas outras o Zé chegara uma hora atrasado. Mas, que fazer se infortúnios acontecem e nada se pode fazer?

Um parente casara-se com moça bonita e era louco por ela. Tinha ciúmes porque a linda já fora noiva e o tal não desistia dela. Tiveram um filho e a vida seguia dentro dos conformes. Certo dia o parente decidiu-se a comprar um brinquedo para o menino. Na loja viu um revólver de brinquedo, achou bonito, levou para casa. Ao chegar deu com a mulher na pia da cozinha. Por brincadeira sacou o revólver e disse a ela:

- Conta tudo senão mato você.

E ela contou mesmo. Que o traia, tinha amante etc. Ele mentiu, ela não.

Há pessoas que fazem da mentira parte de seu modo de ser. Não têm pudor em mentir. Usam o falsete e seguem adiante. Há casos em que não se sabe se a imaginação supera a realidade em que essas pessoas vivem.

Confesso que vida afora fui obrigado a umas mentirinhas. Mas, sempre procurei usá-las para acerto de coisas. Como a da vez em que não tive coragem de falar a verdade para uma conhecida sobre a saúde do marido. O homem morreria em seguida, mas eu a dar esperanças a ela, mesmo sabendo do fim irreversível. E temos sempre uma desculpa para o caso de mentir. Trata-se da famosa frase: eu não minto, simplesmente omito. Omitir a verdade?

Dizem que homens são mais sinceros que mulheres. Não creio. Cada um usa a seu modo a sinceridade. Segundo Jô Soares:

“As pessoas estão tão acostumadas a ouvir mentiras, que sinceridade demais choca e faz com que você pareça arrogante.”

O negócio é viver.