Arquivo para setembro, 2017
O Rei da Vela
José Celso Martinez e Renato Borghi preparam-se para encenar, em outubro, a peça “Rei da Vela”. Escrita pelo modernista Oswald de Andrade por volta de 1933 a peça só veio a ser encenada no Rio, em 1967. São passados, pois, cinquenta anos desde a primeira encenação.
Oswald escreveu seu texto sob a atmosfera convulsa dos domínios das economias norte-americana e inglesa sobre o mundo. A quebra da Bolsa de New York em 1929 tivera efeitos desastrosos sobre a economia cafeeira do Brasil. Em tal contexto o destaque fica por conta de três grupos de personagens: a burguesia capitalista, a aristocracia rural em crise e o capital estrangeiro.
O “Rei da Vela” é encarnado pelo personagem Abelardo I, burguês sem escrúpulo que faz fortuna através da privação alheia. Oportunista especula com o café, a indústria e outros setores. Além do que possui uma fábrica de velas, negócio lucrativo em momento de crise em que empresas de eletricidade quebraram. Abelardo I vangloria-se do fato de que ganha alguns centavos pela vela colocada na mão de cada morto nacional.
A mulher de Abelardo I, Heloisa de Lesbos, faz parte da aristocracia rural falida. Seu pai é um latifundiário que perdeu tudo e a família se desfaz com a dissolução de costumes. Por fim, existe Mr. Jones, o representante do capitalismo que corrompe as duas classes sociais representadas por Abelardo I e Heloisa.
A peça de Oswald não pode ser representada na época em que foi escrita. Falecido em 1954 o escritor não pode ver sua peça encenada. Estudante na década de 60 tomei conhecimento com a obra de Oswald nas aulas do colégio. Em 1964, nos dez anos da morte do escritor, jornais publicaram notícias sobre ele. Lembro-me de meu tio, na ocasião, comentando sobre Oswald: era um sujeito terrível.
A primeira encenação, de 1967, tinha Renato Borghi no papel de Abelardo I. Na ocasião eu estava no Rio, tratando de minha inscrição para os vestibulares daquele ano. Viera do interior de São Paulo no trem noturno da Central do Brasil. Era viagem longa para os passageiros de segunda classe. Em Lorena o trem parava por cerca de duas horas, aguardando a passagem do “trem de aço” que vinha do Rio. De manhã chegava-se à Estação de D. Pedro II, corpo doído pela longa noite no banco de madeira.
Estive presente na primeira encenação do “Rei da Vela”. O espírito de deboche e ao que então me pareceu certo exagero de pornografia causaram grande impacto no público. Mas saí do teatro incomodado: eu não entendera quase nada da peça.
Até hoje guardei algum ressentimento pela minha falta de cultura para entender uma peça sobre a qual já ouvira falar na época. Vá lá minha juventude, mas tinha já alguma leitura e conhecimento. Pois exatamente hoje, cinquenta anos depois, livrei-me do complexo de inferioridade intelectual provocado pelo “Rei da Vela”. José Celso, em entrevista, relata o caso de um encenador que também não entendeu nada. E não foi só ele.
Não se trata de solidariedade entre os que não entenderam. Mas que alivia saber sobre companheiros de infortúnio, isso não se nega.
Roqueiros também envelhecem
É a lei da vida: o tempo passa e todo mundo envelhece. Ninguém escapa à ação do tempo. Exceto vampiros e situações como a de Dorian Grey não se conhecem, fora da ficção, caso de alguém que tenha se livrado da sina que acompanha a existência de todos os seres humanos.
Não importa quem seja, glórias alcançadas durante a vida, fortunas: para o fim de cada um está reservado o acerto de contas com a morte. Então pergunta-se: seriam diferentes os roqueiros?
O país acaba de ser invadido por uma leva de bandas musicais que vieram para se apresentar no Rock in Rio. Algumas delas estenderam suas apresentações a outras capitais. The Who e Guns N´ Roses apresentaram-se em São Paulo.
Trata-se de grandes bandas de rock que fizeram a história do gênero. The Who é um dos pioneiros do rock ao lado de Rolling Stones e Beatles. Essas bandas se constituíram na invasão britânica aos EUA, conquistando enorme sucesso. As apresentações do The Who tornaram-se famosas não só pela qualidade da música. A quebradeira no palco e a sonoridade violenta marcaram época.
Agora o The Who chega pela primeira vez ao Brasil. Do grupo original apenas o vocalista Roger Daltrey, 73 anos, e o guitarrista Pete Townshend, 72. Muitos anos se passaram, portanto, desde a década de 60 do século passado quando o The Who surgiu. Obviamente, os senhores setentões do grupo já não são os mesmos. Impossível a Roger Daltrey manter o mesmo timbre de voz de sua mocidade. Entretanto, nada a reclamar das apresentações do grupo no país classificadas como excelentes pelos seus admiradores.
Causa, portanto, estranheza o modo como os dois músicos foram tratados nos noticiários: destacaram-se as boas performances de Roger Daltrey e Townshend sem, entretanto, deixar de sempre acrescentar um “mas”. O “mas” nesse caso referia-se ao fato dos dois músicos já não serem os mesmos de antes. Roger Daltrey, por exemplo, esteve muito bem, ”mas” sua voz já não é a mesma e assim por diante. A todo momento o envelhecimento dos criadores do The Who veio ao primeiro plano, ensombrecendo suas performances atuais.
É de se pensar que as pessoas que pagaram ingressos para ver pela primeira vez o The Who no Brasil, obviamente soubessem que o tempo havia passado para os grandes músicos do grupo. Também certo de que não esperariam ouvir exatamente o som gravado nos discos de décadas atrás pelos mesmos músicos.
Fãs do The Who destacaram a oportunidade única de presenciar a primeira apresentação do grupo no país. Satisfizeram-se ao limite pelas qualidades das apresentações. Entenderam que aos 70 anos de idade as coisas não se passariam exatamente do modo perpetuado em CDs e vídeos. De modo que o tal “mas” parece ter ficado restrito ao perfeccionismo exigido por alguns.
Ninguém pode morrer
O amigo me diz: não posso morrer.
Aos setenta ele teme pelo que há de vir. O inexorável. A inesperada visita do ceifador. O fim.
Ele explica porque não pode morrer. Muita gente depende dele. É arrimo de família. Os filhos, já adultos, ainda não se resolveram. Que será deles sem o pai? A ex-mulher que não se sustenta sozinha? O amor acabou, a fraternidade continua. Como viverá ela sem ele que a sustenta? Não esquecer outras pessoas a quem empresta solidariedade, ajuda, até conselhos. Enfim, a morte dele abrirá um precipício na vida de muita gente.
Digo ao amigo que na verdade ninguém pode morrer. Cada um dentro de sua circunstância tem lá haveres e débitos. A vida é por demais preciosa para cada ser humano, ainda mais quando tomada pelo ângulo das relações entre pessoas. Há sempre alguém a se deixar, situações não resolvidas, encargos. Como simplesmente não mais existir?
Conversa vai, conversa vem, as palavras do poema de Drummond caem entre nós como consolo:
A vida te venceu
Em luta desigual.
Era todo o passado
Presente presidente
Na polpa do futuro
Acuando-te no beco.
Se morres derrotado,
Não morres conformado.
Mas, e os suicidas? Esses podem morrer? Não será que o último ato, o extremo, nada mais é que ajuste de contas com a vida mal vivida à qual se quer mortalmente ferir?
Não existem respostas. Vida e morte são os maiores temas do grande teatro da existência humana.
Tarde da noite o amigo parte, sem se despedir. Tornará amanhã, no mesmo horário. Como sempre estará defronte, meu rosto no espelho, cismando sobre a proximidade da morte.
Ladrões
O que se torce é para que os ladrões sejam bonzinhos. Do jeito que as coisas andam, roubar até que passa, mas roubar junto com estuprar e matar pelo amor de Deus, ninguém merece. Latrocínio não!
Acontece que essa bandidagem em ação não passa de um grupo de desalmados. O menor empoderado com uma arma na mão faltou no dia em que ensinaram amor ao próximo. Por isso para ele é tão banal puxar o gatilho. Pum! Sai correndo e deixa o cadáver ensanguentado. Fosse no tempo do faroeste faria uma marca no revólver para cada assassinato cometido.
A senhora aposentada que volta do mercado, trazendo sacolinhas com compras, segue em direção à sua casa. De repente dois moleques a atacam. A idosa grita, corre. Um dos bandidos a alcança, encosta-a num carro e desfere várias facadas. A mulher morre e os dois fogem. Um deles, o que matou, é preso. Tem 17 anos. Na delegacia o menor entrega o parceiro que, voluntariamente, se apresenta ao delegado. Tem 18 anos. Aconteceu ontem, em Niterói.
Não sei se já repararam, de perto o bandido até parece normal, contrariando o que disse o Caetano. Ontem mostraram na TV o cara que, de dentro de presídio de segurança máxima, comandou o recente ataque na Rocinha. Olhando para ele, sinceramente, não dá para acreditar que aquele carinha é manda-chuva no mundo do crime.
Por essas e outras a gente cruza todo dia por aí com uns criminosos disfarçados de gente boa. Sorte que ao passarmos por eles estejam justamente nos seus momentos família. Daí que seguimos em frente, inteirinhos, sem nenhum sangue escorrendo, cabeça livre de balas perdidas e afins.
Nem sempre ladrões levam vantagem. Foi o caso de uma senhora que entrou numa loja narrando ter seu anel roubado. Estava ela num restaurante que foi invadido por três bandidos. Um deles, ao ver no dedo dela o belo anal que então usava, obrigou-a a retirá-lo, levando-o consigo. Então por que a senhora aparentava alguma felicidade? Acontece que o anel nada mais era que uma réplica sem valor. Enganou-se o ladrão supondo tratar-se de joia de grande valor.
Nesse ritmo vai-se vivendo. Num mundo onde cada vez mais vai se tornando difícil reconhecer entre bons e maus seres humanos resta-nos torcer pela sorte. Ou para que as autoridades enfim consigam reduzir a assustadora marginalidade que cresce diariamente em nossas cidades.
Casal de bombas
Sabíamos sobre a existência da “mãe de todas as bombas”. Foi usada pelos norte-americanos no Afeganistão. Pobrezinha, essa mãe de altíssimo poder destrutivo, seguia sua vida solitária após o malogro de seu relacionamento com o “pai de todas as bombas” fabricado pelos russos. Agora, porém, eis que recebemos a notícia de que, finalmente, a “mãe de todas as bombas” tem um novo companheiro: “o pai de todas as bombas”, do Irã.
O novíssimo “pai de todas as bombas” acaba de surgir no cenário mundial. Fabricado pelo Irã esse novo artefato guerreiro pesa 10 toneladas. Os iranianos avisam sobre o enorme poder destrutivo de sua nova bomba. Não se explica se a bomba iraniana se assemelha à dos russos. A bomba russa é termobárica e consta ter poder destrutivo duas vezes maior que “a mãe de todas as bombas” norte-americana. O “pai russo” tem efeito explosivo de 44 toneladas de TNT e segundo se descreve ao explodir “tudo o que está vivo simplesmente evapora”.
“Pai” e “mãe”, não são bombas nucleares. Diferem, portanto das bombas desenvolvidas na Coreia do Norte sob as ordens do ditador Kim Jong Um. Aliás, o ditador norte-coreano segue em sua ensandecida rotina de testes de mísseis, contrariando a comunidade mundial de nações. Prometendo aos EUA provocar dor nunca antes experimentada a Coréia do Norte trafega numa rota a cada dia mais sem retorno.
Ontem, na Assembleia da ONU, o presidente Trump afirmou que poderá ser levado a destruir a Coréia do Norte. Importa lembrar de que quem está dizendo isso não é um qualquer: trata-se do presidente dos EUA, homem que tem acesso aos botões que colocam em ação armas nucleares.
Faz parte da história do homem envolver-se em conflitos que tantas vezes se revelaram mais duradouros e perniciosos do que a princípio se supôs. Milhares de vidas humanas foram sacrificadas em dois conflitos mundiais cujos efeitos, mesmo passados mais de 70 anos desde a Segunda Guerra, ainda hoje são observados.
Entretanto, no momento, o que se teme é pela instalação de um conflito que coloque em risco a sobrevivência da própria espécie humana no planeta. No fim das constas tudo se resume ao impulso de apertar um botão que poderá colocar fim a uma prodigiosa experiência humana no planeta.
Quebrando tudo
Leio sobre gente que paga para entrar em salas onde a ordem é quebrar tudo que se encontrar pela frente. São chamadas de “salas de raiva”. Trata-se de cômodos a serem destruídos com porretes, tacos e pé de cabra. As salas existem em vários países e têm lista de espera nos dias de maior movimento.
Para que servem as salas de raiva? Nelas o interessado descarrega seus ódios e tensões. Os clientes são de todo tipo, inclusive casais em salas montadas para dois arrebentarem tudo.
Não é incomum que alguém, em momento de fúria, atire algum objeto de vidro na parede. Copos são úteis para isso. De todo modo o que se busca é descarregar o stress acumulado nas andanças da vida.
Não sei se entraria numa sala dessas. Talvez não armazene tanta raiva a ponto de ter que livrar-me dela. Entretanto, não nego ter participado de uma destruição de tudo que estava à minha volta.
Aconteceu assim: tínhamos eu e um amigo um ponto de atendimento num bairro de cidade grande. As coisas não iam bem, o negócio demorava-se a engrenar. Certo dia passou por lá uma graciosa cliente que nos presenteou com uma garrafa de vinho. No fim da tarde apareceu no lugar um fiscal da prefeitura. Vinha lavrar multa porque um pedacinho da placa de anúncio de nossos serviços ultrapassara o limite permitido, avançando sobre a calçada. Ora era uma placa colocada num poste e o erro seria coisa de menos de 10 cm além do limite. Entretanto, o fiscal era sujeito cioso de seus deveres. De modo algum aceitou nossas ponderações, inclusive a de que, no dia seguinte, o erro seria consertado.
Estávamos assim, aborrecidos, quando o meu amigo se irritou e jogou um cinzeiro no chão. Era a senha para o início da pancadaria. Para resumir quebramos tudo. O fiscal nos observava atônito. Dizíamos a ele que estávamos f…. e ele fora a gota d´água para acabar com aquilo.
Assustado o fiscal se mandou, esquecendo-se da multa. Com tudo quebrado, sentamos no chão e abrimos o vinho que saboreamos com enorme prazer. Havíamos nos livrado de algo que muito nos incomodava. Não nego o prazer de destruir aquilo tudo.
Nunca mais voltei ao lugar. Um advogado encerrou os trâmites do aluguel e colocou um ponto final num negócio malsucedido.
Na memória apenas a deliciosa quebradeira..
Crianças
Você envelhece e vai se esquecendo de como são as crianças. Crianças exigem proximidade para que se entre no mundo delas. Mundo tantas vezes imaginário onde tudo é possível. Contamos aos pequenos histórias por vezes descabidas nas quais personagens fantásticas atuam sem o menor pudor. Situações impossíveis podem ser resolvidas pelo surgimento no enredo de uma pressurosa fadinha que, com sua varinha mágica, recoloca as coisas em seus devidos lugares. O mundo retorna à normalidade momentaneamente perdida pela ação de seres imaginários. Isso sem falar em algumas personagens do mal como o velho lobo que há gerações teima em jantar Chapeuzinho Vermelho e sua vovó.
São os netos que nos renovam a fé no mundo e o retorno ao mundo infantil. A certa altura da vida os filhos se tornaram adultos e aparecem os netos, continuidade de nossas existências. Vez ou outra observamos nessa gente pequena traços de nós mesmos. Algum gesto, quem sabe pequenas e quase imperceptíveis semelhanças físicas. Isso sem falar em temperamentos que parecem não se dar por vencidos nas trajetórias de gerações.
Conversar com crianças representa reabrir portas há muito fechadas ao longo das batalhas que enfrentamos no dia-a-dia. Os pequenos com suas inteligências e línguas tão falantes nos empolgam com simpatia e pureza de sentimentos. Talvez por isso nos causem tanta dor assistir às terríveis atribulações enfrentadas pelas crianças em todo o mundo.
Como aceitar crianças consumidas pela fome, pele e ossos exibidos em fotografias de acampamentos onde se juntam perseguidos de toda ordem, vítimas de guerras que nunca terminam, imigrantes que jogam suas vidas em barcos precários ao sabor da sorte e da voracidade das ondas marinhas? Como aceitar a legião de pedófilos a cada dia descobertos, esses monstros que submetem crianças aos mais nefastos procedimentos?
Se você anda cansado da vida, se sua fé nos homens está irremediavelmente abalada, a saída talvez seja migrar para o mundo infantil. A vida que nasce e floresce traz consigo a esperança de seres humanos melhores e de um mundo mais justo. Não receie entrar no universo imaginário das crianças, o mesmo que um dia também pertenceu a você e foi progressivamente substituído pela realidade que agora tanto o incomoda.
Em você ainda existe uma criança, acredite. Então liberte-a.
Cigarros
Gosto de contar como larguei dos cigarros. Pra começar cigarro é um tipo de casamento que se faz sem pensar e, depois, dá no que dá. Bem, fui fumante inveterado. Aliás, corrigindo: sou fumante, mas não fumo.
Hoje em dia as campanhas contrárias ao fumo e as proibições quanto aos lugares onde se pode dar uma tragada têm contribuído para a redução do número de fumantes. Não era assim anos atrás. Todo mundo fumava e em qualquer lugar, até dentro de aviões. Certa vez vim dos EUA num voo, sentado no meio de dois fumantes…. Já deixara de fumar na época daí o sufoco a que fui submetido em meio à fumaceira. Até que pedi aos dois americanos que me fizessem a gentileza de se alternarem no acendimento de cigarros. Foram corteses, entenderam o meu drama, e passaram ao um de cada vez.
Mas, fumava-se muito. Não havia como terminar um café sem logo acender um cigarrinho. Fui atendido por médico, dentro de seu consultório, com o cigarro dele aceso no cinzeiro. Nos tempos de faculdade o cigarro era companheiro de toda hora. Qualquer intervalo servia para se fumar o cigarrinho que a garganta pedia com urgência. Olhe que fumávamos dos mais baratos, sabem como é a vida e a dureza da estudantada. Aquelas marcas de sem filtro, tipo Mistura Fina, Saratoga e outros eram muito populares.
Foi assim que cheguei aos três maços por dia. Até que comecei a não me sentir bem. Então um médico me avisou de que eu entrara na perigosa rota dos problemas cardíacos e pulmonares. Demorei para incorporar a ideia. Até o dia em que, depois dos três maços, fui a uma festa que avançou a madrugada e consumi o quarto maço.
Na manhã seguinte, logo que abri os olhos, bati a mão no criado ao lado da cama, procurando o maço. Peguei um Malboro e coloquei o danado na boca. Ardeu. Os lábios estavam queimados. Nesse momento tive uma iluminação: só fumaria após o almoço. Depois de almoçar adiei o meu projeto: só fumaria ao anoitecer.
Quando a noite surgiu saí, fui à padaria e comprei um pacote cujos maços distribui em vários cômodos de minha casa. Não sabia ainda, mas estava declarando guerra ao cigarro. Era preciso tê-lo frente a frente, desfiando-me. Se não tivesse cigarros em casa, ficaria desesperado. Mas, com eles ao alcance da mão a história tornara-se mesmo guerra.
Foi assim. No terceiro dia levei um susto e reagi dando um murro no vidro de um armário. Entendi que nicotina e cocaína são próximos em matéria de vício. Mão sangrando jurei que não fumaria mais. Desde então são passados mais de vinte anos.
Certa vez presenciei um homem de idade num leito hospitalar, respirando com dificuldade dentro de uma tenda de oxigênio. Fumante inveterado dera-se mal. Ao me ver fez sinal para que me aproximasse dele. Então pediu-me um cigarro. Queria o último, ciente de que iria morrer o que acabou acontecendo dois dias depois.
Meu pai fumava muito. Pressão alta, problemas cardíacos e pulmonares faziam-no sofrer. Num fim-de-semana em que fui visita-lo avisou-me de que, naquela manhã, decidira parar de fumar. Fumara desde os tempos de moleque, tinha 74 anos de idade e justamente agora se decidira a abandonar o maldito. Decisão tardia, morreu dois dias depois.
Fumantes em geral tentam largar o cigarro com recaídas. Considero-me fumante que não fuma porque sei que se fumar um cigarro agora, só um, torno ao vício.
Na moda o cigarro eletrônico que, supõe-se, não cause tantos danos à saúde. Mas, infelizmente, não se trata de produto inócuo. Os cigarros eletrônicos contêm substâncias cancerígenas e aditivos cujos efeitos não são bem conhecidos. De fato, são menos perniciosos que os cigarros comuns, mas perigosos. Além do que surgem como entrave às campanhas contra o tabagismo, levando jovens a fumá-los sob o pretexto de serem totalmente inócuos.
A espada viking
Já não se fazem guerras com espadas. Espadachins competem em torneios, mostrando a beleza de suas estocadas. Mas, as espadas foram substituídas por armas enormemente mais potentes. Nos conflitos urbanos que diariamente se repetem nas nossas ruas a bandidagem se serve de armamento pesado. Metralhadoras e fuzis tornaram-se comuns. A polícia nem sempre conta com material bélico à atura dos utilizados por aqueles a quem combate.
Espadas só mesmo nos filmes. O novo filme da Mulher Maravilha mostra a heroína, resultante da união de um Deus do Olimpo e uma mulher humana, enfrentando cerrado tiroteio de soldados alemães num campo de batalha. Suas armas são apenas a espada e o escudo com o qual apara centenas de tiros de metralhadoras. Maravilha é do bem e vence. O bem em geral vence nos filmes para gáudio dos espectadores. A confiança no poder do bem não deve ser quebrada.
Noticia-se a descoberta de uma espada viking na Noruega. Um caçador encontrou a arma de 1100 anos. Espantoso que tenha permanecido intacta, após tanto tempo ao ar livre. A qualidade do ferro utilizado pelos vikings é destacada pelos analistas do objeto.
A história dos vikings é rica em acontecimentos. A civilização desse povo expandiu-se em função de notável comércio marítimo, agricultura e artesanato. Aliado ao comércio marítimo floresceu a pirataria. A Europa Continental foi saqueada pelos ousados vikings. Representações de guerreiros vikings costumam mostra-los com suas roupas de peles, metais e o capacete na cabeça do qual emerge um par de chifres.
A espada agora encontrada nos leva a pensar a quem e a que terá servido no passado. Terá ela passado pelas mãos de guerreiros desaparecidos cujo tato conserva. Mas, terá seu proprietário participado com ela de combates? Quantas mortes terá provocado essa espada nas batalhas do povo viking?
Uma espada repousa mais de mil anos ao ar livre e se mantém intacta. Oriunda de épocas distantes teria ela uma história a narrar. Sobreviveu ao tempo como testemunho de um povo desaparecido. Certamente será enviada a algum museu onde será exibida como artefato de luta do passado. Mas, a morte para a qual foi fundida sempre estará com ela. Foi e sempre será uma arma de combate.
Sabe-se lá…
… em quem acreditar.
Em 1968 o povo foi às ruas do Rio na inesquecível passeata dos 100 mil. Líderes estudantis inflamavam a opinião. Verdadeira guerra entre estudantes e policiais estabelecera-se na cidade. A morte de um estudante no restaurante conhecido como Calabouço erguera a população em protestos. A missa de sétimo dia na igreja da Candelária por pouco não se transformara em tragédia. Costa e Silva era o presidente militar. Gama e Silva o Ministro da Justiça que no famigerado 13 de dezembro promulgaria o AI-5. Lutava-se contra a ditadura.
Hoje em dia respira-se cansaço. O brasileiro sente que não há para quem apelar. Desnudam-se membros da classe política envolvidos em negociatas. Campeões de votos não resistem a denúncias de envolvimento em atos de corrupção. O rei está nu.
O último bastião da democracia, o STF, debate-se com acusações que até o momento se revelam infundas. A PGJ é criticada pela má condução de seus acordos com personagens hoje acusadas de banditismo. A Justiça está sob judice. O cidadão comum já não crê cegamente nas atitudes e decisões de juízes.
A própria presidência da República vê-se acusada de corrupção. O presidente safou-se da primeira denúncia da PGR e aguarda, temerosamente, a segunda. Um ex-ministro é preso após a descoberta de 51 mi - em espécie - em um apartamento a ele emprestado por um amigo. O país se espanta com imagens de tanto dinheiro vivo em malas e caixa dentro de um apartamento vazio.
Enquanto isso segue a rotina dos brasileiros. Carência de serviços públicos, crise na saúde, violência crescente e por aí vai. Sabe-se lá no que isso vai dar.