Arquivo para outubro, 2017
O pecado mora ao lado
Não se trata do grande filme de 1955, dirigido por Billy Wilder e estrelado por Marylin Monroe. Na trama um marido manda a mulher e o filho para o Maine, fugindo da onda de calor nova-iorquino. Sozinho enfrenta o problema de ter como vizinha, no apartamento de cima, a sedutora Marylin. Vale a pena rever.
Refiro-me às padarias, lugares cada vez mais atrativos para consumo de todas as delícias, a começar pelo delicioso pãozinho. Aliás, alguém poderia me informar em que país se pode conseguir pãezinhos como os que nos vendem aqui?
Muita gente já sucumbiu por conta de padarias. Basta lembrar dos balcões onde o incauto se acomoda e pede uma cervejinha, quando não uma boa pinga. Seguem-se salgados e guloseimas de toda ordem. Isso vez ou outra até que tudo bem. Mas todo dia…
Acabo de vir de um hospital onde fui visitar um amigo. Encontrei-o no leito, abatido, cansadão. Respirando com certa dificuldade começou a falar de sua doença, segundo os médicos ainda reversível se ele tomar cuidado, enfim parar de fumar, beber e comer o que não deve.
Esperava dele ouvir a lenga-lenga, sempre esquecida depois, de que desta vez, recuperando-se, as coisas seriam diferentes. Nada de excessos, cuidados com a saúde, cigarros nem pensar alimentação sadia e, principalmente, voltar aos exercícios físicos. Nessas horas pesa ao interessado não só a possibilidade da morte como os compromissos inadiáveis a saldar neste mundo de Deus.
Pois, não foi o que ouvi. Ao contrário. Confessou-me que seu maior problema era a existência de uma maravilhosa padaria bem na esquina da casa dele. Como a mulher guarda o carro na única vaga de que dispõem a ele no prédio, vê-se obrigado a alugar garagem na mesma rua. Acontece que entre a garagem e o prédio onde mora fica a tal padaria. E ele não consegue fingir que ela não existe. Entra com a desculpa de que vai comprar só uns pãezinhos, acaba sempre no balcão e aí tudo acontece, dia após dia. E deu no que deu.
Longe de mim falar mal de padarias. Amo padarias. Perto da minha casa tem uma muito boa. O pão deles é fantástico, uma delícia. A sessão de frios, meu Deus. No fim da tarde os fregueses habituais acotovelam-se nos balcões. Futebol e política são os temas de sempre, em meio a goles de boas cervejas e cachaças.
Quando me despedi de meu amigo perguntei como seriam as coisas depois que ele tivesse alta. Disse-me que se reunia, diariamente, no mesmo horário, com bons amigos na padaria e seria difícil separar-se deles. Aventou sobre a possibilidade de mudar-se para outra rua, sem padaria na esquina.
Como se vê o pecado pode mesmo morar ao lado.
Sem resposta
A pergunta é: o que leva um homem a atirar contra uma multidão, matando dezenas de pessoas e ferindo número ainda maior?
O caso do atirador de Las Vegas cerca-se de mistérios. O assassino levou grande quantidade de armamentos a um quarto de hotel de onde atirou, indiscriminadamente, contra o público que assistia a um show de música pop. Nos vídeos ouve-se o som dos tiros, repetitivos, mortais. Cada um deles roubando uma vida ou ferindo gravemente alguém.
A polícia sai atrás de informações sobre o assassino. Nada que o desabone em seu passado. O irmão do atirador se diz surpreso com o que ele fez dado sempre ter sido um sujeito de boa paz. Um aposentado de 64 anos que passara o dia apostando em cassinos da cidade. Um assassino.
A circunstância mental de um homem que vai matar muita gente e também vai morrer impressiona. Ele se preparou para o grande dia, armou-se, alugou um quarto de hotel para onde levou as armas. Desse lugar privilegiado teve acesso ao público do show sobre o qual desferia seus tiros. Tudo meticulosamente planejado, estudado. Mas, por que?
Descarta-se a possibilidade de ato terrorista. Ao que se saiba o atirador não estava ligado a nenhum grupo extremista e nem seria movido por algum ato de crença. Então?
Trata-se da história de um homem que se barbeou de manhã sabendo que seria este o dia em que iria morrer. Inexplicavelmente decidiu que não partiria sozinho. Deixaria sua passagem pelo mundo com a marca de um ato terrível, absurdo, odiento.
O atirador de Las Vegas suicidou-se antes que a polícia o pegasse. Encontraram-no já morto no quarto do hotel. Deixou-nos a cismar sobre seu ato. Situações como essa dialogam frontalmente com o amor que temos à vida e aos nossos semelhantes. Talvez por isso nos percamos em suposições tantas vezes simplistas. Move-nos o horror, o nojo diante do inusitado.
O capeta-chefe tá aqui
Traficantes evangélicos perseguem religiões afro-brasileiras. Aconteceu na Baixada Fluminense. O capeta-chefe avisou sobre sua chegada, mandando quebrar e botar fogo em tudo. O lugar do ataque? O terreiro de uma mãe de santo, uma ialorixá do candomblé, para os agressores uma bruxa, macumbeira e feiticeira que alimenta Satanás.
Não se trata de caso isolado. Há outros. O preconceito cresce. Para os agressores não há contradição entre ser evangélico e traficante. Pelo que evangélicos protestam: nada de crime junto com religião.
Redes sociais são úteis para espalhar boatos, fakes. Em maio de 2014 uma mulher foi barbaramente linchada porque alguém divulgou numa rede social que ela era bruxa. Ela sequestraria crianças para utilizá-las em rituais de magia negra. O caso se deu em Guarujá, São Paulo. Amarram a mulher acusando-a do sequestro de uma criança. Agredida, espancada, a mulher sofreu traumatismo craniano. Usaram pedaços de pau, caibros, cordas e a arrastaram. Depois de ser torturada pela multidão furiosa foi levada a um hospital. Não resistiu aos ferimentos e morreu. Casada e mãe de duas crianças a mulher foi confundida porque tinha alguma semelhança física com a foto divulgada na internet. Hoje o nome da mulher linchada é nome de rua: Rua Fabiane Maria de Jesus.
Como se não bastasse o descalabro da criminalidade crescente amplia-se o espectro dos crimes praticados. A besta realmente parece estar solta. O bandido que se faz anunciar como capeta-chefe talvez seja um sinal.