2017 novembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para novembro, 2017

Predação sexual

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Os tempos são outros. Ainda assim fica difícil acostumar-se ao andamento do noticiário. Quem há poucos anos imaginaria essa verdadeira avalanche de acusações de assédio sexual, envolvendo personalidades consideradas intocáveis nos meios em que atuam?

De repente, foi aberto o registro que segurava a torrente de denúncias. Personalidades a quem nos habituamos ver nas telas de cinema passaram a relatar os percalços a que foram submetidas para subir em suas carreiras. No meio jornalístico das tevês a todo transe despontam denunciantes que provocam afastamentos de apresentadores conhecidos em todo o mundo. A tara sexual parece reger essa orquestra de predadores que até hoje manobrava nas sombras.

Mas, será tudo “verdade verdadeira”? Tudo indica que sim. Basta que alguém seja acusado para que, imediatamente, outros abusados(as) por ele(a) reúnam coragem para acrescentar suas denunciais. Tal o volume de casos de assédio que pipocam diariamente que somos obrigados a pensar sobre a real extensão da podridão humana.

Os casos mais citados envolvendo personalidades conhecidas de modo algum encobrem o que acontece no seio da população. Mulheres são e tem sido nada mais que objetos de satisfação dos desejos sexuais de seus parceiros, ocasionais ou não. Isso sem falar no abusivo número de estupros, crimes cuja frequência é assustadora.

Parece haver no universo masculino a certeza de que mulher serve para isso mesmo. Entretanto, decorridos dois milênios desde a passagem de Cristo por este mundo, não seria de se esperar a vitória dos comportamentos civilizados sobre a barbárie a que assistimos?

De todos os campos de atuação humana fica a impressão de que a civilização não deu certo. O lado animal da espécie parece recusar-se ao verniz civilizatório. Teorias propostas pelos mais destacados pensadores em todas as áreas têm sucumbido diante de uma realidade que teima em os desmentir. As vertentes de ideias, sejam de direita, centro ou esquerda, em nada contribuem para solucionar o imbróglio político que se apresenta no mundo. Guerras acontecem. Por toda parte vigora o desrespeito aos direitos humanos. Discriminações de toda ordem e radicalismos são usados contra multidões a quem não resta a menor chance de defesa. Mulheres são estupradas sob o olhar indiferente de governos ditatoriais.

Será, enfim, o apocalipse que se aproxima?

Os invisíveis

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Tem gente capaz de cortar uma das mãos para aparecer, ser notada etc. Lembro-me de um sujeito com quem trabalhei. Era especialista em chamar a atenção. Vestia-se bem, barba sempre bem-feita, cabelos no ponto. Quase desfilava. O detalhe: tinha mote para chamar a atenção. Sempre que nos encontrávamos comentava sobre a minha camisa: bela camisa, parceiro. Bela camisa a minha velha, surrada? Que nada. Era o jeito dele de chamar a atenção para a camisa que estava vestindo. Como eu já sabia, entrava no jogo: a minha é velha, bonita mesmo é a sua. Estava dada a partida. Nos instantes seguintes ele falaria sobre a loja em que comprara a camisa, a marca, o tecido, etc.

Você poderá se perguntar sobre a razão de eu aceitar o jogo desse cara com quem trabalhei. Ora, aquilo não me custava nada e o deixava de tal modo feliz que… Além do que o fulano não era lá mau sujeito. Boa prosa, convivia-se com ele, agradavelmente. Exceto pelo exibicionismo barato. O tal era desses mulherengos de contar casos. Gabava-se de conquistas e, se déssemos corda, chegava aos detalhes de suas aventuras sexuais. Mas, desconfiávamos de que, no fundo, o arrumadinho não passasse de um garganta. Morava ali no Bom Retiro, casara-se com mulher endinheirada cuja mãe o detestava. Certa vez fez festa de aniversário em sua casa e pude ver o repúdio da velha senhora pelo tipo de genro que a sorte dera a ela.

Tudo isso para dizer que minha preferência é pelos invisíveis, essa gente que prima por passar despercebida, atuando com responsabilidade sem advogar os louros de suas conquistas. Gente de verdade. Cruzei com muitos do tipo vida afora. Em certos ambientes testemunhei a luta desenvolvida por personalidades vaidosas para sobrepujar invisíveis que não faziam a menor questão de ser reconhecidos em suas atividades.

A vaidade faz parte do cerne de muita gente. Entretanto, nem sempre se aloja em pessoas que mereçam destaque. O vaidoso que tem limitações vive as agruras de engendrar planos para sobrepor-se aos semelhantes, em geral expondo-se desnecessariamente. Nesse caso a ambição de destacar-se acaba emperrando na ausência de capacidade. É carroça de bois sem os animais que a puxam.

O mundo é como é e nada pode mudar as paixões que governam os seres humanos. Conta-se sobre um cirurgião que mandou fazer um bisturi de ouro e saiu pelo mundo para entregá-lo ao melhor cirurgião que encontrasse. Depois de passar por vários países retornou àquele em que vivia. Então deu uma festa para muitos convidados e, solenemente, entregou a si mesmo o bisturi que o distinguiria como o melhor do mundo. Depois, esse homem envelheceu como acontece a todo mundo e foi sendo esquecido. Quando morreu uma única linha no obituário dos jornais foi o que restou daquela imensa prepotência e arrogância que o caracterizara em vida.

Escrito por Ayrton Marcondes

29 novembro, 2017 às 11:49 am

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O fim do mundo

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Nesta sexta-feira um asteroide de 4,4 km passará perto da Terra. Trata-se do “Florence”, descoberto em 1981. Passará a 7 milhões de quilômetros de nosso planeta, distância essa que, em termos de astronomia, é quase nada.

Um asteroide desse tamanho, caso atingisse a Terra, provocaria enorme estrago. Para que se tenha ideia, em fevereiro de 2013, um asteroide de 20 metros de diâmetro caiu perto da cidade de Chelyabisnk, na Rússia. A energia liberada na colisão foi equivalente a 500 quilotons de TNT, entre 20 e 30 vezes às primeiras bombas atômicas. Um asteroide de 40 metros de diâmetro, caso caísse numa grande cidade, provocaria milhões de mortes.

Mas, estamos falando sobre diâmetros de asteroides em metros. Quando o assunto é diâmetro em quilômetros pode-se imaginar o tamanho do estrago. Seria a catástrofe global, com aquela que há 65 milhões de anos fez desaparecer os dinossauros. A colisão fez levantar grande nuvem de poeira que impediu a chegada da luz solar ao planeta. Corpos de grande massa, viajando a velocidades entre 14000 e 72000 km/h, ao colidir com a Terra, imediatamente instalariam uma nova era glacial. Caso atingissem o oceano provocariam enormes tsunamis, vaporização de água salgada afetando a camada de ozônio. Enfim, catástrofes que tornariam a vida impossível na Terra.

Há anos o físico Stephen Hawking tem alertado sobre a finitude da vida em nosso planeta. Acredita ele que se em cinco séculos o homem não tiver a opção de viver em outros lugares que não a Terra a vida será impossível aqui. O crescimento populacional e o consumo de energia estão na base dessa previsão. Hawking também adverte sobre os perigos da inteligência artificial, invasão de alienígenas, grande guerra mundial e a engenharia genética.

Até o momento os governos não dispõem de meios para bloquear a chegada de um grande asteroide que entre nem rota de colisão com a Terra. Cientistas propõe estratégias cujos efeitos não se sabe se seriam eficazes. Um dos meios discutidos seria o lançamento de uma grande bomba nuclear que atingiria o asteroide, provocando seu esfacelamento. Ou o uso de grandes espaçonaves que batendo no asteroide acabariam por desvia-lo de sua rota.

Enfim, até o momento estamos à mercê da sorte. A Terra é um minúsculo corpúsculo celeste que gravita ao redor do Sol, estrela de pequeno porte no universo. Entretanto, eis que o homem é ser voltado para o próprio umbigo. A vida se nos apresenta plena de complexidades e governos lutam pela supremacia no planeta. Dentro de tal realidade é de se imaginar qual seria a reação dos seres humanos diante de um perigo real e iminente que viesse a colocar em risco a existência de vida na Terra.

Cuidado com o que fala

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No auge do governo Médici as pessoas eram caladas. Você estava num ônibus, em São Paulo, e não ouvia vozes. Pessoas no máximo cochichavam. Falar de ditadura, governo militar, política, comunismo, terrorismo, etc. nem pensar. Anos de chumbo, são anos de chumbo, nada a declarar.

Meu tio era um sujeito de sangue quente. Proprietário de bondade ímpar, coração de ouro, era do tipo nervoso. Desses que vão do zero ao infinito em um segundo, mas logo retornam ao bom senso. Teve vida de aventuras e muitas vezes ouvi dele as diabruras que cometeu quando jovem. Homem de outra época percorreu interiores do país, vendendo quinino para tratamento de malária. Tornou-se professor após sérios desentendimentos com a banca examinadora que viria a dar a ele a licença para ensinar. Fez parte do contingente de soldados paulistas durante a Revolução de 32 e, já velho, ainda citava o heroísmo dos rapazes do MMDC: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo - retive na memória esses nomes de tanto ouvi-los de meu tio.

Falo de meu tio porque as discussões dele com minha tia eram comuns. Também comuns eram as razões do palavrório trocado entre eles. Em verdade havia uma única razão: meu tio não tinha travas na língua, dizia o que pensava. Metia a boca no governo militar. Minha tia brigava com ele, implorando para que se mantivesse calado quando fora de casa. Uma palavra errada dirigida a um desconhecido poderia gerar grandes problemas.

A ditadura ficou para trás, o regime democrático está aí com suas imperfeições. O tempo passou e agora vive-se o período do politicamente correto no qual é preciso muito cuidado com o que se fala. O perigo está no uso de expressões arraigadas na língua e que têm conotações discriminatórias. Por exemplo: a piada de que o baiano é um sujeito folgado. Dela sugiram expressões realmente negativas em relação a baianos. Todo mundo a que se refere a palavra “baianada”. Entretanto, falava-se em “baianadas” sem realmente ter em perspectiva os nossos irmãos da linda e querida Bahia. Ah, Salvador, que saudades… Entretanto, hoje em dia o melhor é não se usar mais a palavra.

O mesmo pode-se dizer em relação a expressões de cunho racial as quais, obviamente, não devem ser usadas. Entretanto, no passado o uso de tais expressões tornou-se parte integrante da linguagem comum. Devem, sim, ser banidas. Mas, não creio que todas as pessoas que eventualmente ainda cometam o deslize de utilizá-las sejam de fato racistas. Isso não quer dizer que não exista racismo no Brasil, muito pelo contrário. Mas, levará um tempo até que o modo de falar do povo seja acertado.

Dia das Bruxas

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As ligações dos humanos com o “outro lado” são complicadas. A eterna pergunta, sem resposta, sobre o que existirá depois da morte encerra múltiplas interpretações. Afinal, a partir do momento final o que me espera do lado de lá se é que ele de fato existe?

O mundo mudou demais nos últimos 50 anos. As crianças que hoje vivem em apartamentos nas cidades, tendo à mão artefatos eletrônicos e aparelhos de televisão a cores, não podem imaginar o que era a vida no passado. Pequenas localidades, luz elétrica nem sempre presente, casas antigas e, vez ou outra, algum contador de causos narrando histórias arrepiantes. Juntos tais ingredientes fermentavam o medo.

Quando criança tive muito medo de almas do outro mundo, de vampiros e lobisomens etc.  Bastava algum conhecido morrer para, imediatamente, passar a fazer parte do contingente de fantasmas que vagavam pelos escuros das casas, podendo aparecer a qualquer momento a uma pobre criança. Existia uma cultura do medo, fomentada pela crença de que nem todos os que morriam subiam direto ao céu para prestar contas pelos seus pecados. Almas penadas erravam pelo mundo, algumas delas entregando-se, prazerosamente, ao ofício de assustar crianças.

Como quase toda gente nascida no pós-guerra sempre tive pé atrás com a cultura norte-americana embora confesse ter sido precocemente seduzido pelo jazz. Não chegava ao excesso de acreditar que os irmãos do Norte botavam ingredientes subversivos na Coca-Cola para tornar-nos favoráveis aos EUA em sua ferrenha disputa com os russos durante a Guerra Fria. Mas, dada a dominação econômica e cultural dos EUA sobre o bloco americano foi-me impossível não ter certo preconceito contra as tais “coisas de americanos”. Entre elas, o “Dia das Bruxas” ou “Hellowenn”, por que não?  Aquela história de festas, fantasias, travessuras, lanternas de abóboras, fogueiras, adivinhações etc. eram, de fato, bem coisa de americanos. Daí que nunca acreditei que a mania viesse a pegar no Brasil onde vigoram outras tradições e costumes. Mas, eis que aconteceu. Hoje em dia crianças em idade escolar comemoram o “Dia da Bruxas”, incorporando hábitos americanos. Fantasias, mascaras e tudo que se relaciona a bruxarias fazem parte de festas escolares e, mesmo, reuniões de adultos que se fantasiam para a ocasião.

Eis que, de repente, me vi vencido pela tal festa. Além da diversão em si que dela faz parte há que se elogiar a descaracterização do medo. Faces lúgubres, fantasias espectrais e outros adornos do mesmo tipo “normalizam-se”. Que mal há nesse contato precoce com monstros e fantasmas que de fato não passam de fantasias para festa? Bem melhor que ter-se 13 anos de idade e estar, 50 anos atrás, num lugarejo, tendo nas mãos o conto “A máscara da morte rubra” de Edgard Allan Poe. A morte rubra comparece a uma festa à fantasia num palácio e passa a atacar os festivos convivas. Horror, puro horror, horror de dar medo de apagar a luz do quarto na hora de dormir.

Aliás, nos últimos tempos tenho feito as pazes com a morte, talvez porque ela de fato esteja no meu encalço. Fui ao México e me apaixonei pelas Katrinas, aquelas caveirinhas. É impressionante a cultura daquele povo em relação à morte. O dia dos mortos é comemorado com grande festa. Enfeites, fantasias, esqueletos, ceias em cemitérios, caveirinhas com açúcar etc. A festa, também chamada de “Carnaval dos Mortos”  se baseia na lenda de que, nos dias 1 e 2 de novembro, os mortos têm permissão para vir à Terra, visitar seus entes queridos. Daí preparem-se comidas de que os mortos gostavam e enfeitar as casas para recebê-los.

Com tudo isso pode-se dizer que o medo do sobrenatural anda em baixa.

Rumo ao Ross 128 b

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A população humana cresce de ano a ano, as reservas naturais do planeta podem se esgotar. Acordos climáticos nem sempre são cumpridos. Os EUA de Trump recusam-se a participar de acordos que restrinjam sua atividade industrial. O mundo corre perigo.

Pelas razões acima muito se fala sobre a possibilidade de imigração humana para planetas cujas condições climáticas e atmosféricas sejam semelhantes às da Terra. Atmosfera nas quais existam oxigênio, gás carbônico e metano são favoráveis ao desenvolvimento da vida e, potencialmente, aptas para receberem formas de vida tais como as conhecemos.

Eis que um novo planeta é descoberto, supondo-se que reúne condições para a existência de vida. Trata-se do Ross 128 b cujo tamanho é cerca de 1,5 vezes o da Terra e orbita em torno de uma estrela anã a uma distância 20 vexes menor que a existente entre a Terra e o Sol.  Entretanto, pelo tamanho menor da estrela anã o 128 recebe um pouco mais de radiação que a que nos chega do nosso Sol. Daí supor-se que a temperatura do planeta recém-descoberto seja semelhante à que temos na Terra. Se as previsões forem corretas é possível a existência de água no 128 b.

O Ross 128 b dista 11 anos-luz da Terra. Não é uma distância desprezível, embora em termos de universo possa se considerar o planeta como muito próximo. Para que se tenha ideia o ano-luz é a unidade que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano, à velocidade de 300 mil km/s. Essa unidade é utilizada para medir distâncias no sistema solar e entre partes do universo. A Lua, por exemplo, dista apenas 1 segundo-luz da Terra. Já o Sol está a oito-minutos luz de nosso planeta. A distância da Terra à Lua é de 384.403 km. Comparando: 1 ano-luz corresponde a 9.461.000.000.000 km, dai é só multiplicar esse número por 11 para se saber a distância entre a Terra e o Ross 128 b.

Ou seja: distância intransponível pelo menos através dos meios de locomoção de que dispomos. De modo que o melhor é se pensar em soluções caseiras para os nossos problemas de sobrevivência em nosso planeta. É nosso dever deixar para as gerações futuras um mundo no qual possam viver em segurança e dispondo de boas condições de sobrevivência. Tal legado vê-se ameaçado nos dias atuais pelo uso abusivo dos recursos naturais, intervenções nos ecossistemas e ameaças nucleares. Dentro de tal contexto esperam-se atitudes lúcidas dos governantes com a adoção de políticas de respeito ao ambiente. Disso depende a continuidade do homem na Terra.

João Gilberto

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Não sei se é correto dizer que João Gilberto não é amor à primeira vista. Pelo menos foi assim comigo. Como todo mundo ouvi no rádio “Chega de saudade”, pela primeira vez, em 1958. Longe de mim ter percebido a famosa nova batida de João ao violão. Lembro-me apenas de um cantor que me pareceu desafinado e num tom de voz ao qual ainda não me acostumara. Até então vivíamos sob os acordes do samba-canção sob as vozes poderosas de Orlando Silva, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira e tantos outros.

Aliás, 58 foi ano de muitas surpresas, para nós destacando-se a conquista da Copa do Mundo na Suécia na qual Pelé revelara-se para o mundo. Lembro-me bem de encontro casual, na rua, com o Lico no qual ele justamente se referiu a João Gilberto, dizendo: aquilo não é música.

João eliminara o vibrato e fazia-se acompanhar ao violão com acordes diferentes que permitiam alongar ou reduzir o tempo da voz. Utilizava dois microfones, um para a voz, outro para o violão o que era novidade. Assim, não só estabelecia o novo ritmo da bossa nova como, depois, recriaria antigos sucessos da música brasileira.

Do cantor que se apresentava em boates chiques do Rio nos anos 50 Gilberto converte-se num ícone da música mundial. De início apresentando-se no Brasil, logo iniciaria a carreira mundial, apresentando-se em várias partes do mundo, inclusive nos EUA onde sempre foi reverenciado. Desde o começo João Gilberto influenciou grandes nomes do jazz e até hoje esse gênero musical deve a ele importantes inovações rítmicas. O lançamento do disco “Chega de Saudade” ao lado do saxofonista Stan Getz tornou-se divisor de águas no mundo musical. Isso sem falar nos novos cantores e músicos que a partir daí surgiram em nosso país, tais como Caetano Velloso, Gilberto Gil, Ellis Regina e tantos outros. Ao lado de João Gilberto também florescia a carreira do maestro Tom Jobim que, a parir dos acordes propostos por João, criaria standards da bossa nova.

Apresentando-se nas mais sofisticadas salas do mundo e diante de plateias exigentes, sendo agraciado com prêmios e reconhecimentos, seguramente nenhum outro artista brasileiro terá alcançado projeção mundial equivalente à de João Gilberto. De modo que para seus fãs soa constrangedora a notícia de que o grande artista, aos 86 anos, encontra-se em situação financeira delicada e, talvez, incapacitado para gerir seus negócios. Publica-se que a filha de João acaba de conseguir na Justiça a interdição do pai para gestão pessoal, patrimonial e financeira. Declara-se, assim, o artista incapacitado para atos da vida civil.

A velhice é período de complexa transição para os seres humanos. Para nós, a quem João Gilberto conquistou a aura de imortal, entristece-nos a revelação de sua atual condição. Embora verdadeiro o fato de que a velhice e a própria morte chegam para todos existem casos nos quais somos levados a pedir alguma consideração do destino em relação a alguns mortais. Seria esse o caso em relação a João Gilberto. Mas, como se disse, a regra vale para todos, ninguém escapa.

O politicamente correto

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Não sei se as chamadas “piadas de português” já passaram ao rol das discriminações. Se acontecer será uma pena porque algumas delas são ótimas. Consta que em Portugal existe o revide dada a existência de grande rol de piadas sobre brasileiros.

O afastamento de William Waack pela Rede Globo reacende a discussão sobre o racismo. O jornalista experimentado e de grandes méritos foi flagrado num vídeo de conteúdo racista divulgado na internet.  Fosse em épocas distantes não se daria tão grande importância ao assunto. Mas, nesses tempos de politicamente correto será difícil, senão impossível, ao jornalista livrar-se da situação em que se encontra.

Há, também, o caso da atriz que gravou comercial, anunciando o lançamento de papel higiênico preto. O entendimento do teor racista do comercial gerou protestos e provocou as desculpas da empresa fabricante e da atriz.

Não é possível se negar a existência de preconceito racial no país. Por mais que se tente camuflar em nome da tal cordialidade dos brasileiros o fato é que preconceito e discriminação existem em grande escala. O diabo é que certos modos de falar incorporados aos discursos comuns do dia a dia passaram a ganhar peso maior nos dias atuais. Certas brincadeiras antes tidas como “normais” tornaram-se inaceitáveis.

Nos meus tempos de estudante, em São Paulo, certa vez aconteceu-me caso interessante. Estava eu num ônibus quando, de repente, o motorista parou num ponto, levantou-se e veio na minha direção. Era um negro alto que se dirigiu a mim, tratando-me pelo meu nome. Bem, era o Eleutério, Eu conhecera o Eleutério, irmão do Policarpo, em meus tempos de menino. O avô dos dois trabalhara para o meu avô, o Policarpo fora ajudante do meu pai. Depois a família deles se mudara para são Paulo e perdemos contato. De modo que foi grande a minha alegria de reencontrar o Eleutério e ter notícias da mãe dele que já se habituara à cidade grande e gozava de boa saúde. O detalhe é que na ocasião em que reencontrei o Eleutério, no momento em que ele se aproximava de mim, uma senhora sentada a meu lado recomendou: cuidado, é preto…

Para algumas pessoas o preconceito racial é uma barreira intransponível. Hitler exterminou 6 milhões de judeus em nome da necessidade de limpeza étnica. As fotografias de corpos amontoados em campos de concentração causam-nos mal-estar e nos levam a ponderar sobre os limites da maldade humana.

Leio que um rabino de 93 anos, homem que passou por cinco campos de concentração durante a guerra, não acredita na bondade humana. Para ele o homem é um ser naturalmente mau, capaz de selvagerias. Entende-se a opinião de pessoa que enfrentou tão grandes martírios e sobreviveu. Mas, não se pode generalizar. Demais o homem é um ser ambíguo. O verniz da civilização pode desaparecer diante de circunstâncias desfavoráveis. Em todo caso é preciso sempre repetir que racismo, intolerância, segregação racial e discriminação são inaceitáveis. Talvez por isso se torne cada vez mais difícil aceitarem-se manifestações de  teor discriminatório como no caso do jornalista da Globo.

Estupros

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Aberta a caixinha de surpresas com a denúncia de estupros por famoso e poderoso produtor da indústria do cinema norte-americana eis que reputações até hoje consideradas ilibadas veem-se manchadas por séries de acusações que contra elas se avolumam. Identifica-se o modus operandi que alicerça o ritmo das denúncias de estupro: depois que uma das vítimas vem a público dizendo ter sido estuprada por alguém outras se encorajam e, também, se identificam. Não deixa de ser impressionante, por exemplo, como de poucos dias para cá se somam vítimas agredidas sexualmente pelo ator Kevin Spacey . Trata-se em geral de pessoas que sofreram assédio por parte do ator quando ainda rapazes. Tantas são as vítimas que não resta a Spacey senão desculpar-se e dizer que procura tratamento para o seu terrível comportamento.

A indústria do cinema prontamente reage às acusações, punindo de modo exemplar os infratores do código moral. Kevin Spacey, ganhador do Oscar, está sendo severamente punido. O encerramento da série “House of Cards” por ele estrelada e o apagamento das cenas em que aparece num filme a ser em breve lançado são ações punitivas numa carreira que pode ser considerada encerrada.

Mas, novos casos aparecem no mundo do cinema onde o poder de alavancar ou destruir carreiras de atrizes serve como moeda de troca de favores sexuais. Hoje o conhecido comediante Louis C. K. foi acusado de se masturbar diante de mulheres. Em reportagem publicada pelo New York Times cinco mulheres acusaram o comediante do mesmo ato.

A verdade é que assédios e práticas de sexo não consensual fazem parte do dia-a-dia, havendo ou não uso de situações hierárquicas nas quais algumas pessoas, na maioria das vezes mulheres, acabam cedendo a pressões para não serem prejudicas em suas carreiras e empregos. No passado soube do caso de funcionária de um banco que viu=se ameaçada de ser demitida pelo seu superior caso não cedesse aos seus avanços de natureza sexual.

As manchetes abaixo fazem parte do noticiário publicado hoje no site G1 da Globo:

“Funcionária de prefeitura acusa secretário de assédio e é demitida”.

“Jovem estuprada denuncia pai e é rejeitada pela família”.

“Guia de turismo é investigado por abuso e assédio a três mulheres”.

“Portia de Rossi relata assédio de Steve Segall em teste para filme”.

“Ator Corey Haimm acusa Charley Sheen de pedofillia”

“Mais uma mulher acusa ator de “Gossip Girl” de estupro”.

Como se observa infelizmente estupro é o tema recorrente na mídia. Na TV um comentarista sugere que, na verdade, isso sempre aconteceu. Ocorre que, atualmente, a proliferação de meios de comunicação tem incrementado a exposição de estupradores, pedófilos e toda sorte de criminosos sexuais. Daí o triste noticiário que presenciamos cujo fim não se tem expectativa de que venha em breve a acontecer.

Violência incontrolável

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O Ministro da Justiça declara haver corrupção no comando da polícia do Rio de Janeiro. A notícia nos deixaria estupefatos não fosse a interminável onda de corrupção e violência que atravessamos. A se comprovarem as declarações do Ministro fica-se à mercê de conluios entre policiais e traficantes. O homem comum não terá mais a quem apelar. Como confiar num sistema de segurança corrompido até mesmo na alta hierarquia da polícia, caso exista? O problema é que quem fez as afirmações não é qualquer um: trata-se do Ministro da Justiça.

No Texas um homem entra numa igreja e fuzila os fiéis durante cerimônia religiosa. Mata 26 pessoas e fere outras tantas. Depois foge, bate o carro e aparece morto. Não se sabe, ainda, se terá cometido suicídio. O celerado servira a força aérea do país e tinha 26 anos.

Dias antes, em New York, um terrorista, dirigindo um caminhão, invade uma pista de ciclismo, mata oito pessoas e fere algumas. Cinco dos mortos eram argentinos que estavam na cidade para comemorar os 30 anos de formados em universidade. Ferido e preso pela polícia o terrorista, de origem muçulmana, identifica-se como simpatizante do Estado Islâmico.

Há menos de um mês um atirador executou 50 pessoas que assistiam a um show de música em Las Vegas. Atirando, indiscriminadamente, contra a multidão o assassino suicidou-se antes da chegada da polícia ao quarto de hotel de onde ele perpetrou seu hediondo crime.

Em Goiânia um aluno da oitava série entra na sala-de-aula de mata dois de seus colegas, ferindo outros. Alega sofrer bullying, nisso a razão de sua ação. Os pais do atirador, dois policiais, nãos sabem o que fazer. As famílias dos adolescentes mortos em crise.

Enquanto isso a guerra diária na Favela da Rocinha segue adiante, fazendo mortos em combates com traficantes. Policiais morrem em enfrentamentos com traficantes. Semana passada um comandante da polícia foi assassinado pelos bandidos. Ontem um policial à paisana foi executado por um bandido.

Em 2016, 60 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, número que ultrapassa o número de mortes verificados em guerras que acontecem no mundo.

Semana passada uma jovem combinou, através de uma rede social, carona com um desconhecido para viagem até o Triângulo Mineiro. Não sabia ela que o tal era um bandido fichado cuja intenção era a de matá-la e roubá-la. O corpo da jovem foi encontrado com cabeça dentro da água. O assassino foi preso e narrou friamente à polícia como arquitetou e executou o crime.

Seguiria, interminavelmente, relacionando crimes e mais crimes que a toda hora são noticiados. Tanta violência nos leva a perguntar sobre o que terá acontecido com a natureza do ser humano. Desigualdade social, assassinatos em nome da fé e outras razões serão suficientes para explicar tamanho descalabro?

Afinal, o mundo tem volta?