Arquivo para dezembro, 2017
Natal
Cuidado: na programação das tevês serão incluídos filmes sobre o natal. Infelizmente a quase totalidade desses filmes deixa a desejar. Alguns deles são mesmo terríveis. Nem mesmo a presença de grandes atores chega para salvar tramas muitas vezes absurdas. Nunca me esqueci de um antigo filme sobre o natal no qual é confiada ao Papai Noel a dura tarefa de combater Satanás. O problema é que Satanás estimulava crianças a fazer traquinagens para estragar o natal.
Crianças pequenas acreditam no Papai Noel. Nos shoppings o bom velhinho espera pelas crianças para o abraço e a foto que mães se apressam a tirar. A fila é longa. Quando pequenos meus filhos esperavam pela chegada dos presentes trazidos pelo bom velhinho. Era mais fácil quando dormiam antes da meia-noite. Nesse caso restava-nos acordá-los para receber os presentes ou deixá-los para a manhã seguinte. Se não dormiam fazia-se toda a encenação que começava pelos presentes escondidos e até a produção de algum ruído que seria o da passagem do papai Noel pela nossa casa. Então as crianças saiam em disparada, encontravam os presentes e verificavam se seus pedidos, enviados por uma cartinha, teriam sido atendidos.
O tempo passa. As crianças cresceram, tornaram-se adultos, hoje repetem o rtual que envolve o natal com os filhos deles, meus netos. Não existe como, nessa época, não se emocionar. O passado é revivido. Noites de natal com tanta gente que já deixou esse mundo retornam com cenas de alegria que deixaram de existir.
O homem é um ser estranho. Capaz de tantas coisas, algumas delas infelizmente terríveis, o ser humano devota carinho e afeto aos semelhantes em datas que unem a humanidade. Não há como ser indiferente à noite de natal e à passagem de ano. Mesmo os solitários, os que garantem não se incomodar, mesmo esses não estão infensos a esses dias em que o relógio do mundo parece parar por alguns instantes.
Que venham o natal e o ano novo. Que sejam melhores que os anteriores.
Nada na memória
Num filme um casal de jovens, casados há pouco, amam-se loucamente. Até que o destino interfere na relação entre os dois. A bonita moça sofre um acidente e, ao se recuperar, não se lembra de nada. Não reconhece o marido. Ele apaixonado. Ela indiferente. Com amar a alguém que não se conhece? A trama do filme segue ao ritmo dessa insólita situação. A única chance do rapaz é a de que ela se apaixone novamente por ele. Note-se bem: não recuperar o amor de que ela se esqueceu; apaixonar-se pelo homem que acaba de conhecer.
Deslizes de memória tornam-se frequentes com a idade. Se acontecem com muita frequência pensa-se no mal de Alzheimer. Para os idosos a possibilidade de vir a ter Alzheimer é um tormento. Um amigo me liga vez ou outra para falar sobre o assunto. Está assustado com seus esquecimentos. Aos sessenta anos dirige uma empresa e receia que sua memória esteja apagando. Meses atrás estive com ele e encarei seu semblante tenso. Disse-me que apagar-se a memória é o próprio horror. Atormenta-o a perda progressiva das lembranças. A consciência de que o cérebro está se apagando é terrível. Como sobreviverá ele quando se tornar um vegetal destituído de memória? É o que me perguntou.
Entretanto, talvez o amigo esteja exagerando. Ao ouvir o papo sobre Alzheimer a mulher dele o repreende. Diz que o marido está com mania em relação ao mal. De tanto falar sobre o assunto enfiou na cabeça que tem a doença. Demais, na família dele não há nenhum caso.
O mal de Alzheimer não leva em conta riqueza, condição social etc. Ronald Reagan, ex-presidente norte-americano, teve Alzheimer. O mesmo aconteceu com os grandes atores Charlton Heston e Rita Hayworth. Mundo afora hoje em dia muita gente sofre com a demência da doença, apresentando alterações de comportamento e humor até a fase final de esquecimento total.
De tempos para cá ingressei, definitivamente, na turba dos idosos. você percebe que é realmente velho quando a dor aparece. Você vai ao médico, ele analisa os exames, as radiografias, e diz: é, a máquina desgasta.
Pois é, a tal máquina humana. A minha máquina dentro da qual vivo com minhas memórias, realizações, experiências, acertos, grandes erros etc. A máquina que foi gerada, cresceu, desenvolveu-se, amadureceu e, agora, envelheceu. A máquina que começa a dar sinais de cansaço, excesso de uso. A máquina que começou a reclamar pela dor. A máquina que se mostra no espelho com ares até então desconhecidos, a ponto de levar-me a perguntar: mas. este sou mesmo eu? Onde aquele rapaz ágil de tantas façanhas, aparentemente indestrutível? Em que espelho, no dizer da poeta, perdi a minha face?
Mas, a vida segue. Trafegando no território dos idosos a esperança é que o Alzheimer não nos alcance. A mente sadia deverá estar viva até o último momento, aquele em que o corpo capitular. Saber-se dono de si ainda quando se perdeu o comando sobre o corpo é o mínimo que a dignidade exige adiante da morte.
Festas
Aproximam-se o natal e a passagem do ano. Poucas luzes nos prédios. A Av. Paulista tão tradicional em suas decorações natalinas está praticamente nua. Uma ou outra luz num banco e sem aquela festa de luzes no parque Trianon.
O país se ressente da crise. O povo tradicionalmente festivo não tem grandes coisas a comemorar. Papai Noel deverá passar por aqui num trenó menor e puxado por poucas renas. Sairá das regiões polares, talvez com atraso, e não muito animado.
Mas, as famílias mais uma vez se reunirão. A ceia de natal não será tão exuberante na maioria das casas: os preços estão uma loucura. As bebidas então… Os importados quase inacessíveis mesmo para a gente de classe média. Há que se olhar as caixas sob as árvores de natal e verificar os conteúdos, talvez não tão expressivos como em anos anteriores.
Nessas horas o cidadão se ressente ainda mais dos desmandos na condução do país. Depois de um ano duríssimo nem mesmo nas festas de fim de ano há lastro para grandes alegrias. Bolso furado é problema que traz tristeza. No Braz uma senhora diz ao repórter que compra, sim, brinquedos importados e não aprovados. De nada adiantam advertências sobre a qualidade e perigos desses brinquedos. Existe uma justificativa e a senhora não a esconde: esses brinquedos custam mais barato.
Pois é. Confesso não ter lá muitas afinidades com o natal. Na casa de meus pais a festa em geral não acontecia. Meu pai era avesso a fins de ano. Minha mãe preparava o frango assado que iria para a mesa à meia-noite. Naquela época os presentes eram raros, inexistiam.
Entretanto, tenho grandes afinidades com a noite da passagem de ano. Sei lá. A virada sempre me parece momento de assinar termo de acordo com o ano que termina e esperança no ano que começa. Não se vive sem estímulos, ainda que nem sempre verdadeiros. Mas, não se paga nada para sonhar.
Não sei o que se passará na minha cabeça na noite de 31. A virada pura e simplesmente recolocará as coisas nos eixos? Haverá melhora na economia? Resolverão o imbróglio da previdência? O brasileiro eleitor acordará na manhã seguinte mais consciente para votar nas eleições que virão mais à frente? A bandidagem será reprimida e poderemos andar por aí sem medo de assaltos, balas perdidas, sequestros, etc? O dólar ficará num patamar pelo menos aceitável? Os preços estarão ao alcance da população? A saúde pública será renovada e mesmo os mais simples terão acesso ao bom atendimento? A inflação permanecerá sob controle? Os corruptos serão afastados definitivamente da vida pública? E quanto á desigualdade social?
Ora, será um bom novo ano. Como se disse anteriormente, não custa sonhar.ano novo será bom?
Tempos de assédio
Um deputado estadual de Kentucky atirou-se de uma ponte dias depois de ser acusado de assédio por uma mulher. Ela relata ter sido beijada e manuseada por ele, em 2012. O deputado, pastor de igreja evangélica, no passado dissera que Obama e esposa eram primatas. Antes de se suicidar o deputado escreveu uma carta, alegando ter vivido em depressão nos últimos 16 anos. A causa? Ora o ataque às Torres Gêmeas com o qual não se conformou e nunca pode superar.
A lista de personalidades acusadas de assédio sexual cresce. Congressistas, jornalistas, atores, diretores de cinema e outras pessoas têm seus nomes ligados a atos desse tipo cometidos no passado. Dias atrás o conhecido ator Dustin Hoffman passou a fazer parte da lista.
O caso mais rumoroso nos últimos dias diz respeito a acusações de mulheres ao presidente Donald Trump. Ele nega. Atribui aos democratas manobras para desestabilizar seu governo. Mas, as acusações são sérias. As mulheres que se dizem assediadas por ele no passado exigem investigação.
É cedo para se dizer como a história julgará Trump. Com um ano no cargo sua imagem tem sido de um sujeito incompetente para governar e, principalmente, desinformado. Usa as redes sociais para enviar mensagens e com frequência se complica. Acaba de sair-se mal por seu apoio a um candidato republicano ao senado no estado do Alabama. Malvisto pela comunidade negra do estado e também acusado de assédio o republicano foi derrotado pelo opositor democrata. Ainda que a margem de votos do vitorioso tenha sido pequena a derrota refletiu sobre o presidente.
O mundo árabe está contra Trump. O presidente reconheceu Jerusalém como capital de Israel e vai mudar a embaixada de seu país para a cidade. A decisão provocou grande revolta em todo o mundo árabe para quem Jerusalém também é sua capital. Desse modo, tornam-se ainda mais difíceis as já complicadas negociações de paz no Oriente Médio.
Fala-se muito em inteligência artificial hoje em dia. Existe a previsão de que em poucos anos os veículos circularão sem motoristas. Teme-se que se atinja o estágio em que uma máquina se torne capaz de ensinar outra máquina o que poderia representar o fim do domínio humano sobre o planeta. Não se trata de ficção científica, mas de probabilidades não descartáveis. Entretanto, essa preocupação não parece merecer tanta atenção. Teme-se que muito antes desse incrível desenvolvimento tecnológico o homem acabe por destruir o planeta onde vive. Aí está a Coreia do Norte munida de armas nucleares e ameaçando lança-las contra seus inimigos. Do outro lado fica Trump, garantindo que acabará com a Coreia do Norte caso ela tome alguma iniciativa guerreira.
O poder não se encontra em boas mãos no momento e não se pode ignorar que o perigo é iminente nesses tempos de assédio.
Formaturas
Sonhos de futuros brilhantes enunciados em conhecidos lugares-comuns permeiam as cerimônias de formatura. São elas marcos divisórios nas vidas de formados e seus familiares. A despeito dos ritos tão conhecidos e sempre repetidos existe nessas cerimônias as certezas de marco transposto e dever cumprido.
Não por acaso os olhos de familiares se humedecem ao ver um representante de sua estirpe ser chamado a receber o diploma. Nos passos do jovem que se apresenta toda a história de dificuldades superadas, momentos que agora retornam como num filme que se passa, vertiginosamente, nas memórias. A febre da conquista não faz olvidar as agruras do trajeto. Aquela senhora que se emociona ao ver o filho receber seu diploma há de considerar suas lides financeiras e tantos outros percalços domados ao longo de anos de sua viuvez. Cada ser humano traz consigo uma história pontuada por barreiras a serem superadas.
Mas, não há como não se emocionar ao ver as crianças de 5 anos de idade que completam o ciclo de educação infantil. Já avançados no território da alfabetização eis que a eles se abre um novo mundo no ensino fundamental. Ao comemorarem o encerramento do ciclo talvez pela primeira vez experimentem a sensação da perda que fatalmente acontecerá. Eis que daqueles tão maravilhosos amigos uns tantos seguirão outros caminhos, outras escolas, etc. Inevitável que ocorram separações.
Mas, me adianto. Por agora tudo ainda é festa. Os pais que a todo instante acionam suas máquinas fotográficas, os felizes avós, toda essa gente se entrega ao orgulho e alegria do momento. Os pequenos se divertem, recebem seus diplomas, a vida é boa, muito boa aos cinco anos, quando se tem uma família e uma casa a cuidar de si.
Não seria o caso de lembrar às crianças que completam o primeiro ciclo de que o mundo que as aguarda não é complacente. Importa garantir a esses rostinhos a felicidade que neles transparece, a ilusão de que a vida é e será um mar de rosas. Até que descubram o engodo, mas, então, serão maiores e quem sabe agentes em prol de um mudo sempre melhor.
Grandes craques
Recebi um vídeo com gols de Pelé. Coisa de tirar os óculos, limpar as lentes e ver de novo para certificar-se de que é aquilo mesmo. Nossa! O cara driblava defesas inteiras, não raro entrava no gol com bola e tudo.
Eu me considero um cara de sorte. Primeiro porque era nada mais que um bebê na Copa de 50. De modo que não passei por aquela desgraça nacional. Cresci ouvindo dos mais velhos relatos sobre o jogo no Maracanã. Anos depois a turma ainda não se conformara com a derrota. Falava-se sobre a falha de Barbosa, a lambança de Bigode e a escalação de Chico. Flávio Costa preferira o parente ao invés de Teixeirinha.
A segunda razão de minha sorte foi ter visto grandes jogadores em atividade. Passei um mês perto da concentração da seleção brasileira que seria campeã em 62. Todo fim de tarde tinha um racha entre paulistas e cariocas. Garrincha, Didi, Vavá, Pelé, Nilton Santos, Mauro, Bellini, vi essa gente toda de perto.
Mais: vi Pelé jogar algumas vezes no Pacaembu. Vi Rivellino e tantos outros. Estava presente quando Paulo Borges fez aquele gol que deu a vitória ao Corinthians sobre o Santos após 10 anos de derrotas. E olhe que não sou corintiano.
Tudo isso para dizer que não entendo essa história de comparações entre grandes craques do futebol. Maradona foi maravilhoso, não se nega, mas igual a Pelé? Assista aos vídeos dos gols do rapaz de Três Corações. Agora só de fala em Cristiano Ronaldo e Messi. Nos últimos dez anos só tem dado os dois. E a turma os coloca como os maiores de todos os tempos. Coisa de loucos.
Nessa história toda só existe uma certeza: Pelé foi o maior. Outras comparações deixam de lado circunstâncias nada desprezíveis. Para citar uma: o futebol tem mudado. Tornou-se esporte milionário que paga milhões aos ídolos de momento. A seleção e 70, aquela imortal seleção, como se daria no futebol atual? Impossível responder embora nos pareça que jamais existirá um grupo como aquele.
Futebol é paixão. Alimenta nossas neuroses, leva-nos a atitudes que até mesmo nos surpreendem. De modo que é inútil essa interminável comparação entre grandes craques do esporte. Mas, que fazer se a mídia se nutre disso e não deixa os ídolos do passado em paz?
Há 50 anos
Era o dia 08 de dezembro de 1967. Naquele ano eu terminava o Curso Colegial, atual Ensino Médio, e encaminhava-me para o exame vestibular. A meta era estudar no Rio. Um mês antes fizera a minha inscrição para as provas. Então viera ao Rio no trem noturno da Central do Brasil. Esse trem passava em Taubaté à meia-noite. Viajei no banco de madeira da segunda classe porque a passagem nesse vagão era mais barata. Mas, o trem não seguia direto ao Rio: em Lorena ficava parado por quase três horas, esperando o trem de aço que vinha do Rio. Só depois da passagem do aço tínhamos a linha livre para seguir adiante. De todo modo desembarquei na manhã seguinte, na estação D. Predo II e fui providenciar a minha inscrição.
Um mês depois, na véspera do vestibular, fui, em companha de um amigo, ao CTA de São José dos Campos. Ali falamos com um sargento sobre nosso interesse em seguir para o Rio num dos aviões do Correio Aéreo nacional - CAN. O sargento nos disse que caso houvessem assentos livres poderíamos embaraçar.
O avião do CAN não era jato. Remanescente da Segunda Guerra fora adquirido pelo governo e servia ao transporte de cargas e correspondência. Não haviam assentos como em aviões usados por passageiros: de cada lado uma fileira de lugares onde quem viajava se prendia com os cintos. Certamente ali haviam se sentado soldados durante as batalhas, paraquedistas, etc.
Não demorou mais que uma hora para que chegássemos ao Rio. O barulho do motor era ensurdecedor. Desembarcaríamos no Aeroporto de Santos Dumont. Entretanto, quando nos aproximávamos do aeroporto o piloto foi avisado de que a pista estava interditada. A ordem era a de aguardar até que a desinterdição acontecesse.
Foi nesse dia que experimentei uma das mais belas impressões visuais de toda a minha vida. Para fazer hora o avião sobrevoou, demoradamente, o Rio. Tal o encanto das belezas naturais da cidade que não havia como não se comover. Até hoje guardo lembranças de minhas primeiras impressões de estar sobre o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. O Rio era mesmo a “cidade maravilhosa”.
Mais tarde soubemos a razão da interdição do aeroporto. Naquela manhã o presidente Arthur da Costa e Silva e 23 membros de sua comitiva escaparam sem ferimentos de acidente com o avião presidencial no aeroporto de Santos Dumont. O “Viscount” procedente de Brasília perdeu altura e tocou bruscamente o solo do aeroporto. O impacto fez ceder o trem de pouso e o avião arrastou-se, “de barriga”, na pista. A asa direita chocou-se com o solo e um dos quatro motores pegou fogo.
São passados exatamente 50 anos desde a ocorrência desses fatos. Não fiz faculdade no Rio. Costa e Silva seguiu no governo. Um ano depois seria baixado, ainda em seu governo, o AI-5, considerado como a mais bem acabada expressão da ditadura brasileira.
Noir c´est noir
Morreu, aos 74 anos, o roqueiro francês Johnny Hallyday. A morte do cantor repercute em toda a França que o tem como ídolo.
Entre nós Hallyday é pouco conhecido. Entretanto, impossível esquecer de sua passagem pelo país no final da década de 60. Na ocasião Hallyday alcançara o grande sucesso inicial de sua carreira com a música Noir c´est noir. Nós o víamos na telinha da tevê, em preto e branco, e logo passamos a cantarolar ao ritmo da música.
Talvez Hallyday tenha voltado outras vezes ao Brasil. Não me recordo. Entretanto, a notícia de sua morte nos devolve lembranças do tempo passado. Não se desconhecem as revoluções que tornaram a década de 60 realmente inesquecível. O maio de 68 na França balançou o mundo e as cabeças. No Brasil o golpe de 64 deu início a um dos períodos mais violentos de nossa história. Ainda hoje se fala sobre a estudantada presa em Ibiúna e a passeata dos 100 mil. Aquele Brasil incandescente não adormece nas memórias.
Difícil mesmo é reviver o que éramos na época. Afinal, enquanto rapazotes, que consciência tínhamos da dimensão dos acontecimentos que nos cercavam? A Guerra Fria dividia o mundo em dois blocos, o poder americano fazia-se sentir em nosso país. Presos à engrenagem do mercado mundial, cabendo-nos o papel de devedores e país terceiro-mundista em grande atraso não nos restavam muitas opções. João Goulart caiu porque seria inadmissível qualquer governo de ideário socialista no quintal dos americanos. Mas, isso já é outra história.
Johnny Hallyday estabeleceu-se como ícone dentro de um país exportador de vasta cultura. Era francês. Olhava-se para Paris com reverência. Lá viviam Sartre e Simone de Beauvoir, entre tantos outros.
Mas, não se nega que, grosso modo, os franceses sempre mantiveram singular noção de superioridade. Lembro-me de um francês no Aeroporto John Kennedy, em Nova York. Acabara de desembarcar e chegara à imigração. De modo algum o francesinho aceitava se submeter às normas imigratórias. Recusava-se a preencher a ficha de imigração, dizendo: sou francês. Era um dono do mundo…
Hoje revi Johnny Hallyday cantando Noir c´est noir. No vídeo um jovem muito claro, enlouquecendo a multidão de fãs. São imagens de um tempo passado do qual guardamos impressões nem sempre precisas. Não sei dizer se tenho saudades daquela época.
Tromba d´água
Chove muito em algumas regiões do Brasil. No interior de Minas corpos de duas crianças são encontrados. Foram levados pela enxurrada. Há pessoas desaparecidas. Imagens de pequenas cidades, praticamente submersas, impressionam. Muita gente perdeu tudo. Uma senhora olha para os destroços do que foi sua casa e mostra desespero. Ao lado dela o marido, um idoso, mira o nada.
Não sei como você se sente em relação a fenômenos naturais imprevisíveis e que causam destruição. Imagino como possa ser a vida de quem vive na região do Caribe que, a cada ano, é assolada por furacões. A ideia de que a destruição se aproxima e será irreversível atordoa. Que fazer quando nada se pode contra a força que oprime?
Tínhamos medo de tromba d´água. Na região onde morávamos não era incomum a ocorrência desse fenômeno. De repente nuvens muito carregadas largavam milhares de litros de água no cume de um morro. A aguaceira descia encosta abaixo, ganhando velocidade, levando consigo tudo o que encontrasse pelo caminho. Árvores eram arrancadas, casas destruídas. Nas que resistiam ao impacto das águas perdas de tudo que havia em seus interiores. Um fabuloso desastre.
Talvez por isso as tempestades incomodassem tanto. Ventos de mais de 80 km horários causavam temor. O fato é que chovia demais na nossa terrinha. Nossa casa era um sobrado. As crianças dormiam na parte de cima. Pelas janelinhas de madeira chegava-nos a luz dos relâmpagos, tantos que iluminavam a madrugada. O ruído da chuva implacável a bater sobre o telhado fazia-nos temer pela tromba d´água. Acontecera há pouco em cidade vizinha, por que não na nossa?
As mulheres cobriam os espelhos, acendiam velas, rezavam. Traziam de suas infâncias, nos inícios do século 20, crenças e hábitos que supunham agir para aplacar a ira do temporal. Queimavam-se ramos guardados desde a semana santa nos quais depositava-se a fé da proteção sobrenatural.
Felizmente haviam as novas manhãs. Acordávamos e íamos à rua para ver o que acontecera. Em geral presenciavam-se pequenas avarias, telhas arrancadas e algum telhado, etc. Não fora desta vez que a tromba d´água nos surpreendera. Aliás, nunca aconteceria.