Arquivo para janeiro, 2018
Recomeço
As pessoas seguem lentamente. Fazem tudo como se estivessem a aquecer os motores pessoais. Veículos testando o poder de arranque.
No café da manhã um olhar ao mundo lá fora. A quietude incomoda. Muita gente ainda nas estradas, nada do trânsito caótico na cidade. Um amigo me liga e relata que passou mais de 7 horas na estrada para o retorno a São Paulo. Todo ano é assim. Multidões seguem em direção ao litoral. Muita cerveja, salgados, doces, comemorações. A vida é bela.
Existe o noticiário que não nos abandona. A crueza da realidade entra cortante na pasmaceia do ano que recomeça tão devagar. Um homem comemora a passagem de ano dando um tiro para o alto. Irresponsavelmente. O projétil alcança a cabeça de um menino de 5 anos que, atingido, falece. A notícia nos incomoda. Não se tira a vida de alguém assim. A mídia passa a ter assunto. O delegado é entrevistado. Um rapaz de 20 anos é preso, mas libertado em seguida porque ainda não se confirma ter sido o autor do crime. Ele comprou um revólver na Feira da Madrugada por mil reais. Estreou a arma na passagem de ano. Agora a perícia da polícia compara o projétil com a arma. A ver no que isso vai dar.
Nas estradas acidentes e mortes. Do Peru a notícia de um ônibus que caiu numa ribanceira. A bordo 55 pessoas com 30 mortos. O novo ano não os quis, rejeitou-os.
Há que se agradecer ao ano que começa por ter-nos aceitado. O ceifador poderia ter nos levado minutos antes da passagem. Por que não? Humanos somos cheios de vida, mas carentes de perspectivas. Não comandamos nem ao menos nosso tempo de vida. Talvez por isso os anos do calendário vez ou outra se tornem ferozes. Trata-se de uma vingança. Acontece porque os anos do calendário são os únicos seres que tem hora de nascimento e morte datada. A alegria da passagem dura exatamente o tempo decorrido para o início de outra passagem.
Vi na TV que no ano de 1988 os relógios atômicos do mundo foram atrasados por um segundo. Na época descobrira-se que a Terra vinha girando mais devagar. Foi preciso acertar as horas do mundo com o movimento da Terra. Estava vivo nesse dia e nem me dei conta da mudança.
Habituados ao movimento frenético do dia-a-dia estranhamos a lentidão dos homens nas primeiras horas do ano que começa. Mas, que não se enganem. Daqui a pouco os leões tornarão a rugir e as multidões se perderão em meio a esbarros inesperados, cada um cuidando de sua própria permanência no mundo. A partir daí só nos resta esperar que este 2018 seja melhor, mais pacífico e que os homens se entendam.
Ano novo
Lá se foi 2017. Não deixa saudades. Mas, há que se considerar que, no fim das contas, saímos no lucro. Quem não se lembra das previsões realizadas no fim de 2016? Os economistas sambaram na tenda dos desastres. A recessão continuaria, o PIB encolheria, a taxa de juros aumentaria, a inflação encostaria nos 10%. Nem o maior otimista esperaria os resultados apresentados ao final do ano. Uma das menores inflações da história, queda da taxa de juros, PIB positivo, embora só de 1%. Mas positivo, positivo. Setor automobilístico alavancando, redução do desemprego etc.
Está melhor? Melhorando. Doente, mas saiu da UTI. E o povo aventurou-se nas compras de fim de ano. Natal melhor que o de 16 no comércio. Nada gigantesco, mas melhor.
De muito ruim só mesmo a política. O Brasil parece ter se especializado na produção de gente desalmada. Desalmada? Sim, porque quem entre pelos canos com a roubalheira é a população. Serviços estatais péssimos na área de saúde, educação e tudo o mais que se conhece. O Brasil, diz a música, não conhece o Brasil.
Do que se fala? Da reforma da Previdência e das eleições para presidente. A reforma explica-se ser necessária, mas a turma de interesses garantidos não quer largar as gordas aposentadorias. As redes sociais fazem o trabalho de incutir desconfiança no povo. Mente-se, descaradamente, sobre tudo. A tal ponto que, vez ou outra, a gente se confunde. Afinal, qual será mesmo a verdade?
Sobre a presidência da República a boataria é crescente. Enquanto nada se define na maluqueira dos partidos que não se entendem, o Temer vai-se aguentando. É o cara errado, no lugar certo, fazendo a coisa certa. E o país melhora devagar.
Não se enganem. Este vai ser um ano do diabo. Vamos aturar o embate de interesses na questão da Previdência, as falácias dos políticos desesperados pelo poder, o noticiário sobre a corrupção e a violência que só faz crescer etc. Assistir aos noticiários pela TV virou exercício custoso. Deviam gravar um só para valer pelo mês. É só prestar atenção: mudam os atoresque geram notícias, mas o que fazem é sempre o mesmo.
No país do carnaval a alegria está suspensa. Quem saiu por aí no fim do ano que terminou em vão procurou sinais de festa. Onde as luzes do natal? Onde o foguetório? O brasileiro, tipo expansivo, está se tornando um ressentido. Ressente-se do que fazem com ele. Das dificuldades que a ele são impostas pelos titulares dos desmandos que pululam por aí.
Sempre admirei o voto livre praticado em alguns países. Incomodava-me a obrigação de votar. De modo que recebi com satisfação a notícia de que, de agora em diante, não terei mais que comparecer às urnas. Pois é. Como não votar nas próximas eleições se tenho o dever e a necessidade de contribuir para colocar na presidência um bom governante para o país?
Se viver, estarei lá.