2018 fevereiro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para fevereiro, 2018

Funerais

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Houve tempo que eu frequentava cemitérios. O silêncio das alamedas e a observação de lápides parecia-me tranquilizante. Fulano de tal nasceu em 1923 e faleceu em 1959… Como teria sido a vida desse homem cuja foto membros da família estamparam em seu túmulo?

Os mortos não falam, mas são eloquentes. Tantas vezes esquecidos em suas tumbas, permanecem como advertência a nós, os vivos, de que a vida não só é precária como finita. A cada dia passam a fazer parte do mundo dos mortos pessoas surpreendidas pela visita inesperada da morte. Ao homem que es barbeia de manhã e sai para o trabalho no dia em que vai morrer a morte não passa de possibilidade muito remota.

Há cemitérios e cemitérios. Alguns particularmente interessantes. O cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, é majestoso. Ali se encontram mausoléus realmente suntuosos. Turistas visitam o grande cemitério de Buenos Aires diariamente, atraídos pela suntuosidade do lugar.

Na velhice há quem perca o interesse por cemitérios. Talvez o afastamento se dê pela certeza de que, com poucos anos pela frente, o idoso não deseje vivenciar a presença da morte nos cemitérios. O mesmo acontece em relação aos funerais. De repente você constata que seus companheiros de idade devagar vão desparecendo. Fulano morreu, sicrano se foi, serei eu o próximo?

De muitos conhecidos guardo o semblante no último momento antes de se fechar o caixão. São expressões faciais inesquecíveis dado que nunca mais serão vistas. Lembro-me da face de um tio vista no momento quando sobre ele se fechava a tampa do caixão. Pude vê-lo, ainda, de viés no último instante. Essa face sem vida pertence às memórias para mim inesquecíveis.

Cada povo tem suas liturgias em relação à morte. Entre nós os velórios são marcados pelo silêncio e reverência. Os mexicanos encaram a morte de modo mais ameno, festivo. As katrinas mexicanas e as comemorações no dia de finados nos dão conta do modo como o povo do México se relaciona com a morte.

Entretanto, há culturas que nos figuram estranhas. Na China strippers e dançarinas são contratadas para acompanhar féretros. Elas desfilam sobre jipes durante o cortejo que segue aos cemitérios. Há hipóteses para explicar o estranho costume, entre elas a possibilidade de atrair mais acompanhantes o que seria uma honra para o falecido. Entretanto, o Ministério da Cultura tem combatido o hábito classificando-o como “ação não civilizada”.

O mundo é vasto como dizia o poeta. Tão vasto que abriga até mesmo ações que nos parecem estranhas em relação à morte.

Futebol e cinema

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Em entrevista a jornalistas o produtor de cinema Rodrigo Teixeira afirma que filmes sobre futebol não dão certo. Quem faz a afirmação não é qualquer um. Teixeira é brasileiro bem-sucedido no mercado norte-americano de cinema. Mantém uma sociedade com o famoso diretor Martin Scorcese e está por trás da produção de grandes filmes. Agora se prepara para a produção de um filme com ninguém menos que Brad Pitt.

Confesso nunca ter pensado sobre as dificuldades de produção de um filme sobre futebol. Teixeira diz que o jogo não serve para ser transposto à tela. Já assisti a algumas películas cujo tema é a peleja travada dentro das quatro linhas. Não há como negar que são muito favorecidas pelas tramas paralelas e não pelo jogo em si.

Mas, futebol é paixão e tudo o que provém dele é quase sempre bem-vindo. No passado frequentei estádios com assiduidade e, posso dizer, vi grandes craques em ação. De alguns jogos realmente memoráveis guardo detalhadas memórias.

Os mais velhos se lembrarão de que, não faz tanto tempo assim, não tínhamos transmissão pela TV de jogos de futebol. Nessa época dependia-se da opinião dos locutores de rádio que narravam as partidas, nem sempre com total isenção ou correção. Em 1954 o Brasil foi desclassificado da Copa do Mundo pelo notável time da Hungria no qual pontificava o grande Puskas. A derrota, então atribuída à parcialidade do árbitro da partida, revoltou a torcida brasileira. Tanto que o nome do árbitro, um certo Mr. Ellis, passou a ser sinônimo de “ladrão”, aqui em nosso país. “Dar uma de Mr. Ellis” tinha o significado claro de contravenção. Entretanto, mais tarde o vídeo-tape da partida veio a revelar que o tal Mr. Ellis não tinha sido tão parcial assim contra o Brasil. Na verdade os craques canarinhos haviam enfrentado uma das maiores seleções de futebol da história a qual, incompreensivelmente, viria a ser derrotada no jogo final pelo selecionado alemão.

Em 1958 o Brasil conquistou a Copa na Suécia. Ouvimos os gols de Pelé pelo rádio. Só vimos momentos das partidas de nossa seleção tempos depois no cinema. Até que, em 1970, tivemos, pela primeira vez, a transmissão direta da Copa do Mundo, realizada no México, ao vivo e a cores na TV.

No cinema o futebol sempre nos emocionou nos momentos que antecediam o começo da projeção dos filmes. Era o cine jornal, o Canal 100 que trazia imagens de grandes jogos. Em 2015 a exposição “Canal 100: uma câmera lúdica, dramática e explosiva” permitiu ao público rever passagens do excelente cine jornal.

De fato, filmes com roteiro sobre futebol nem sempre dão certo. Mas imagens de jogos nas telonas são fantásticas.

As tais notas

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Toda gente que passou e passa pelo período estudantil preocupa-se com as notas alcançadas nas provas. Nota baixa é um terror. Demora a consciência de que adquirir conhecimentos importa mais que notas. Mas, enfim, sem boas notas não se passa de ano. É assim.

Numa prova difícil para qual estudei muito acabei ficando com um três. Fiquei desolado quando recebi a prova corrigida pelo professor. O diabo é que não consegui concordar com a correção. Lie reli a prova, comparei o que escrevi com o livro que me servira de base e constatei estarem corretas as minhas respostas. Pelo que pedi uma revisão de prova. Dias depois eis que me reuni com um assistente da matéria em questão e ele, de modo algum, pode concordar com as minhas objeções. No fim das contas descobri que meu erro fora preparar-me usando um livro em espanhol. Daí que usei vários termos da língua espanhola misturados ao meu sofrível português. De nada adiantaram minhas reclamações dado que o assistente deu o assunto por encerrado e a nota foi mantida.

Nos meus tempos de estudante dávamos importância a notas atribuídas a países. Hoje em dia agências internacionais atribuem notas indicativas de risco de investimentos. Tais notas são importantes porque grandes investidores se baseiam nelas para decidir sobre onde colocar seus dinheiros. De modo que receber notas baixas influi dramaticamente nas economias dos países que as recebem. Obviamente, busca-se lucros, mas sem correr riscos.

O Brasil vem recebendo notas baixas, ficando pontos abaixo do nível recomendado a bons investimentos no país. Nesta semana a agência Fitch baixou mais um ponto na posição do país que, agora, situa-se três abaixo do nível recomendado a investimentos seguros. Nosso grande e amado país está sendo reprovado e, pior, há perspectivas de mais notas ruins.

Eis aí um caso em que a revisão da nota de nada adiantaria. Embora no momento se verifiquem sinais de recuperação da economia não se pode dizer com certeza se estamos afastados da crise gerada pelos desmandos políticos verificados em anos anteriores. O descrédito em relação à classe política que se nega a aprovar reformas importantes dado o receio de perda de votos nas próximas eleições repercute no exterior. Crises nos três poderes da República alimentam a incerteza sobre a recuperação do país.

Notas atribuídas a países são emitidas friamente. Não levam em conta que o desvio de investimentos para outros mercados afeta a economia do país e o modo de vida de milhões de pessoas. O Brasil de hoje compara-se ao paciente que saiu da UTI, mas segue hospitalizado. Doente de nota baixa.

Relatos

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Há o relato sobre um antigo rei do Egito que construiu um palácio com cerca de 300 quartos para que a morte, caso o procurasse, não conseguisse encontrá-lo. A cada noite dormia em quarto diferente em sua ânsia de ludibriar a morte. Já no fim da vida construiu uma tumba na qual havia uma miniatura de seu palácio e domínios. Milhares de súditos trabalharam na construção. Mas, como acontece a todos os mortais, o dia do rei chegou. Entretanto, seu enterro foi peculiar. No trajeto, seguido pelos súditos, as refeições a que ele estava habituado forma servidas nos horários de costume para que ele não soubesse que havia morrido. Quando, finalmente, seu esquife foi depositado na tumba a ele preparada fechou-se a entrada. Consta que centenas de súditos, ainda vivos, ficaram dentro da tumba para sempre.

O relato sobre o modo de oficiar a missa por um padre não deixa de ser interessante. Naquele tempo as missas eram rezadas em latim. Entretanto, na hora do evangelho, o padre repetia sempre as mesmas palavras. Chamava a atenção dos fiéis sobre um rio cujo leito percorria um majestoso vale. Convidava-os a observar a sinuosidade da trajetória e imaginar as dificuldades enfrentadas pela torrente de água que nunca passaria pelo mesmo lugar outra vez. Assim era a vida, percurso sinuoso e pleno de obstáculos a serem superados. O homem, como as águas do rio, ficava à mercê da torrente e, a ele, cabia prostra-se diante do Senhor, vivendo segundo os ditames da religião.

Durante muitos anos o padre repetia, em suas missas, a história sobre o rio. Conta-se que os fiéis, de tanto ouvi-la, passaram a conhecê-la de cor. Daí que nas missas podia-se ouvir um murmúrio, resultante da repetição pelos fiéis de cada palavra pronunciada pelo padre. Para muitos a história do rio tornou-se oração que se repetia nas casas em momentos dedicados à fé. Consta, ainda, que muitas crianças foram educadas segundo a filosofia de vida inspirada pelo trajeto do rio que, incansavelmente, percorria o vale imaginário inventado pelo capelão.

O terceiro relato é sobre um grande ator inglês que, certo dia, ao entrar no palco, perdeu sua capacidade de representar. Até então brilhara nos palcos, sendo capaz de incorporar variada gama de personagens. Tão grande foi seu desespero que confessou aos atores que com ele representavam ter perdido a sua magia. Pediu-lhes, então, que a procurassem e, caso a encontrassem, a devolvessem de vez que a ele a magia de atuar era muita cara.

O escritor Phillip Roth impressionou-se com a caso do ator que perdeu a magia. Sobre esse tema escreveu um romance denominado “Humilhação”. Para Roth a perda da magia pode acontecera qualquer um, em geral com o avanço da idade. No caso dos escritores o envelhecimento seria causa da perda da magia, influindo na arte de escrever. Ele próprio, Roth, aposentara-se ao perceber que sua magia de escrever fora desaparecendo.

Para cada um de nós cabe zelar pela magia empregada naquilo que fazemos.

Fome

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Era uma manhã chuvosa. O rapaz acordou cedo e, em vão, procurou por algo de comer no armário da cozinha. Os tios haviam viajado a alguns dias daí o nada.

Sem comer o rapaz saiu à rua, portando um guarda-chuva. Esperava-o longo trajeto a percorrer a pé. Faltava a ele, naquele dia, dinheiro para a condução. De modo que, quase duas horas depois, chegou ao prédio onde seriam realizadas as provas de seleção. Suas roupas estavam molhadas e a fome apertava no estômago.

A prova seria iniciada às 10 da manhã, mas, sabe-se lá porque, atrasou. Eram quase 11 e meia quando, finalmente, o rapaz entrou na sala de provas.

À fome somou-se a dor de cabeça. Não serão necessárias muitas elucubrações para se inferir que o resultado foi um desastre. O rapaz havia se preparado muito para a ocasião, mas foi vencido pela fome.

Casos como o acima são comuns. Há coisas infinitamente piores. Diariamente cruzamos nas ruas com pessoas que nos estendem as mãos, implorando por, pelo menos, uma moeda. São seres humanos como nós a quem é comum ignorarmos. As campanhas de cunho social recomendam que não se dê dinheiro aos pedintes que erram nas ruas.

Entretanto, por mais que fechemos os olhos, a pobreza e a fome incomodam. Quando você passa dentro do seu carro e é abordado por alguém que pede alguma coisa é quase impossível evitar o constrangimento.

A perversidade humana é enorme. Que o digam os milhões de imigrantes, perseguidos e desterrados de seus países de origem. Campos de refugiados com mais de 500 mil pessoas à espera de serem aceitos num lugar onde sejam tratados sem ódio. Sem falar nas perseguições étnicas que beiram o genocídio.

Agora a fome bate à porta do país, vinda da Venezuela. Milhares de venezuelanos fogem de seu pais no qual o desgoverno submete a população a condições de vida insustentáveis. Em desespero os venezuelanos atravessam a fronteira, chegam a Roraima, e aguardam pelo milagre da integração ao cotidiano de um país que, para eles, assemelha-se ao paraíso.

Tristes as imagens de homens, mulheres e crianças dormindo em praças, sem ter para onde ir. O governo brasileiro propõe-se a ajudá-los. Enquanto isso nada mais resta a eles que esperar.

A fome, infelizmente, não é nova por aqui. Milhares de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. A desigualdade social é tema sempre lembrado nos discursos, mas pouco se faz efetivamente para combatê-la. Milhares de nossos conterrâneos sofrem com a miséria e passam fome.

Depois do carnaval

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Acompanhava minha mãe à igreja para receber as cinzas da quarta-feira. Em geral havia pouca gente. Na minha vez recebia o semblante sisudo do padre como reprimenda. Ele balbuciava palavras ininteligíveis e fazia na minha testa o sinal da cruz com as cinzas. Saíamos da igreja com o sinal escuro, prova de nossa fé. As cinzas apagariam os erros praticados durante a folia dos dias anteriores, pelo menos assim eu entendia a liturgia.

Não sei se os fiéis comparecem em massa hoje em dia para receber as cinzas. O que há de novo é que a quarta-feira já não representa o fim do carnaval. A folia invade a quaresma. Na própria quarta-feira saem blocos de rua em muitas cidades do Brasil. Em Salvador o carnaval parece que se nega a terminar. Trios elétricos seguidos por multidões não dão a mínima para o previsto fim da folia. Homens e mulheres fantasiados, seios à mostra, baterias sacudindo os corpos com a loucura de batidas sonoras que parecem não ter fim.

Hoje é sábado. Amanhã, domingo, a turba estará de novo nas ruas, sacolejando corpos. Em São Paulo a Av. 23 de Maio estará fechada ao trânsito de veículos para a passagem dos blocos. Espera-se mais de um milhão de pessoas na grande avenida. O povo segue em festa para esquecer as mazelas do dia-a-dia sempre convulso no país.

Mas, a segunda-feira, chegará, acreditem. Com ela o silêncio dos tambores, das vozes que cantam funk e outros gêneros nos trios elétricos. Com pesar as pessoas retornarão a seus afazeres e responsabilidades. A cortina de fumaça da alegria contagiante será desfeita e a realidade se instalará, implacável.

Como será o ano de 2018 que, como se diz, começa mesmo agora que terminou o carnaval? O governo federal acaba de intervir no Rio para tentar resolver os problemas da segurança. A reforma da previdência sai do foco do governo de vez que as chances de vir a ser aprovada parece muito remota. E assim por diante.

Nós? Ora, seguiremos a bordo desse grande barco à deriva que se chama Brasil. Muitos desertarão ao longo do ano e novas vidas adentrarão o convés, oriundas das maternidades. A vida seguirá em seu ritmo vertiginoso até que, passado um ano, entraremos num novo carnaval.

Os calendários são repetitivos. A vida é repetitiva. A morte nada mais que pontual.

Carnaval

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Entra ano, sai ano, os carnavalescos não morrem nunca. Muda, sim, o carnaval. Não mudam as turmas que se acabam nos cordões. Na moda os blocos de rua. Perto de um milhão de pessoas sambou na Av. 23 de Maio, em São Paulo. A adesão aos blocos de rua surpreende. As pessoas saem de casa para  se esbaldar, por para fora a insatisfação que reina no país. Os entendidos se perguntam por que toda essa gente não veio às ruas para protestar contra a crise permanente no país. Crise na saúde, na segurança, na educação… Deixa pra lá esse mundo de políticagem, propinas, desvios, roubos escancarados, pouco se importando com os milhões que seguem à míngua, com os desempregados, enfim.

Mas, sempre resta o carnaval. O carnaval salvador. O momento em que as classes sociais se irmanam em blocos de desconhecidos a contorcerem os corpos na folia que nunca acaba. É um ópio que transforma, liberta. Que faz a gente correr atrás daquele que segue à nossa frente e, também, não sabe para onde está indo.

Na minha infância esperávamos pelo Zé Pereira. Ainda existem neste vasto Brasil as folias do Zé Pereira que, segundo consta, nos foram trazidas pela tradição portuguesa. Para nós o Zé Pereira era um boneco muito alto que surgia não se sabe de onde e despontava na rua, cercado pela criançada. Era uma festa. Corríamos felizes em torno da figura mágica, para nós símbolo do carnaval. Com o Zé Pereira iniciavam-se os trabalhos carnavalescos. As mulheres cozimento os trapos com remendos que resultavam nas fantasias. Não importa o quão simples e estranhas eram, mas as víamos como maravilhosas porque eram as nossas fantasias.

Então os bailes aconteciam num galpão de madeira, nos fundos da padaria. Verdade que precisava-se contar com a boa vontade do único pitonisa local para animar a festa. Acontece que o cara era “empombado”. Sujeito do contra. O jeito era dizer a ele que não tocaria naquela noite. O “não” funcionava como gatilho para o “sim”. Mas, caso não desse certo, a coisa acontecia mesmo sem o instrumento de sopro. Então o bumbo, o surdo e o repinique marcavam o ritmo da dança sob as vozes entoadas pelos foliões que mandavam brasa nas marchinhas.

Verdade que não fomos eternamente escravos da boa vontade do cara do pistão. Certa ocasião apareceu um rapaz de São Paulo que se apaixonou por uma mocinha local. Pois não é que o magricela tocava trombone? A partir daí tivemos alguns carnavais com o sopro do trombone pelo magricela.

Velhos carnavais. Para onde foi toda aquela gente que pulava no festim do galpão de madeira, vez ou outra sob a ação de um providencial lança-perfume? Desapareceram na voragem dos anos, mas deixaram descendentes. Quem são eles? Ora, essa massa humana seguindo por aí em blocos entusiasmados, revelando a verdadeira alma dessa gente meio louca conhecida como brasileiros.

Orson Welles dizia que escolheu filmar o carnaval porque  os brasileiros são um povo feliz. O grande cineasta nunca terminou o filme. Ela não sabia que o carnaval não tem fim.

Escrito por Ayrton Marcondes

13 fevereiro, 2018 às 8:27 am

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As pontas do fio

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“Todo fio tem duas pontas. A sabedoria nesta constatação óbvia está em ligá-las pois só assim teremos noção mais próxima da trajetória percorrida. A própria vida não passa de uma sequência que começa na ponta de um fio e termina na outra. Para entender um ser humano é preciso percorrer o fio da vida, do início ao fim”.

Essa a visão da vida na opinião do Otoniel, sujeito lido que detestava o próprio nome. Falava da fatalidade de não se ter a possibilidade de discutir com o pai, no momento zero da vida, as condições de início da trajetória no fio. Fosse possível teria chamado o pai à razão e, certamente, advogado outro nome. Otoniel citava o escritor Anatole France que, em 1908, publicou o livro “A Ilha dos Pinguins”. Viviam os pinguins em paz quando receberam a visita de um padre que os batizou. O batismo das aves não foi bem visto no céu. Instalou-se entre os santos a discussão sobre a validade de se batizar aves. A questão foi decidida pelo Senhor que converteu os pinguins em homens. A partir daí iniciou-se a civilização pinguínea nos moldes das humanas, com surgimento de hábitos humanos, paixões, crises etc. Prezava Otoniel no livro de France a ocasião do nascimento de uma criança. Na hora do parto indaga-se àquele que vai nascer se quer ou não vir ao mundo. A resposta do feto inclui explicações sobre características negativas das personalidades dos pais que por ele seriam herdadas. Assim o feto pode recusar-se a nascer.

Para Otoniel a ficção do escritor francês seria de grande valia caso se tornasse realidade no mundo em que vivemos. Se tivéssemos a oportunidade de decidir se viveríamos ou não muitas desgraças seriam evitadas. Para que percorrer toda a trama de uma longa vida, trazendo do berço uma constituição física e mental fadada ao fracasso?

Ontem encontrei-me com o filho de um amigo.  Eu o conheci quando tinha menos de dez anos de idade. Agora homem na faixa dos quarenta, vinha ele acompanhado de um filho. Eu o reconheci dada a semelhança com a figura do pai, hoje falecido.  Conversamos rapidamente e, ao me despedir, lembrei-me da filosofia do Otoniel que resumia o percurso da vida aos acontecidos entre as duas pontas de um fio. Pareceu-me estranho ter presenciado momentos iniciais da vida do homem a quem encontrei e, agora, a fase distante daquela. Mas, o que teria acontecido a ele ao longo desses anos, enquanto seguia a rota estabelecida pelo fio de sua vida?

Para Otoniel, aquele que detestava o próprio nome, o fio da vida não foi longo. Mas, deixou-me essa interpretação um tanto esdruxula da existência, da qual nunca me livrei por completo.

De fato, não há dia em que, ao abrir a janela do quarto e dar com as novas manhãs, eu não pense no fio de minha vida e a proximidade de seu ponto final. A extremidade do fio que marca o fim da minha vida a cada dia parece se aproximar mais velozmente.

Escrito por Ayrton Marcondes

7 fevereiro, 2018 às 2:17 pm

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Tempo de reformas

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Aguarda-se o resultado das tentativas do governo em convencer parlamentares a votar a aprovação da reforma da previdência. Há um consenso sobre a necessidade da aprovação de vez que o Estado não reúne condições de sustentar o pagamento das aposentadorias do modo em que estão. Por outro lado, a proximidade das eleições gera no meio político receio de consequências nas urnas sobre aqueles que se decidirem a favor da reforma.

Em pauta uma questão de consciência entre deveres em relação ao país e interesses particulares, pelo menos assim a questão vem sendo proposta. Obviamente, existem opiniões contrárias ao processo de reforma, mormente no que diz respeito a direitos do funcionalismo. Partidos de oposição advogam a não aceitação da reforma nos moldes em que está sendo pretendida. Por parte do governo tem havido predisposição a recuos no sentido de atender aos aclamos de grupos que seriam prejudicados com as mudanças a serem adotadas.

Mas, como isso se apresenta ao cidadão comum? Não se ignora que o país atravessa período no qual a escolha dos melhores caminhos em direção ao futuro nem sempre são claros. De todo modo fica a impressão da necessidade das reformas previdenciária e tributária. Não escapa ao cidadão comum a diferença entre tetos de aposentadoria que se mostram muito favoráveis aos que que exercem atividades públicas.

Como se sabe o fim do regime militar, em 1985, ensejou o restabelecimento de liberdades antes sufocadas pela ditadura. Reiniciaram-se as reuniões de grupos, antes dissidentes, agora sob o prisma do restabelecimento da democracia. Creio que terá sido em 1986 ou 1987 que compareci a uma reunião de um desses grupos, levado por um amigo de orientação marxista.

Na ocasião fomos agraciados com a palestra de um economista. Relatou-nos ele sua então recente viagem á Europa na qual fez contato com figuras proeminentes de seu setor. Impressionou-nos sua narrativa de que, na ocasião, via-se a Europa em situação complexa diante do envelhecimento de sua população. As necessidades geradas pelo envelhecimento representavam aos estados europeus custos com os quais não poderiam arcar. Na época esse quadro, ainda sob algum controle, mostrava-se preocupante com o passar do tempo: em futuro não distante não se sabia como ficariam as coisas.

Ainda hoje a dor de cabeça em relação à previdência permanece na Europa. Vários países já optaram pelas reformas previdenciárias. Com a expectativa de vida aumentando parece não haver outro meio de enfrentar o problema.

Naqueles idos dos anos 80 falávamos em um Brasil de população ainda jovem. Entretanto o nosso palestrante já nos advertia que não muito distante no tempo chegaríamos à situação que hoje se nos apresenta. Como enfrentá-la, garantindo a qualidade de vida da população, é o encargo que cabe ao governo e classe política do país.

Agressões

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O ministro Gilmar Mendes é agredido verbalmente durante viagem aérea. No meio do xingatório alguém o classifica como “bosta” e “ca,gão”. O ministro não reage, apenas sorri. Agora solicita à Polícia Federal investigação sobre o caso. Quer identificar seus agressores para processá-los.

Não se ignora e o STF tem despertado crise de confiança em relação aos procedimentos de seus componentes. Decisões difíceis com divisão de opiniões entre os ministros hoje em dia são públicas dada a transmissão televisiva das sessões. Ao cidadão comum parecem demasiado longas as exposições de ministros ao justificarem seus votos. Para quem não entende do assunto as longas exposições, cheias de retórica, chegam a sugerir talvez algum exibicionismo. Será?

O que se fala por aí é sobre as disputas entre ministros. Existem aversões declaradas entre membros do grupo. Causa estranheza observar entre membros da mais alta corte do país debates talvez desnecessários. Há quem acuse ministros de agir segundo interesses pessoais.

Nos EUA a Suprema Corte funciona de modo secreto. Os nove ministros que a compõem mostram aversão à exposição pública. Há quem compare O STF brasileiro a um verdadeiro “reality show” no qual acontecem até mesmo bate-bocas entre ministros.

Entretanto, não se pode negar que o STF age com transparência, embora até isso seja discutido dados os já citados votos prolongados, excesso de retórica e uso de linguagem que nem todo mundo entende.

O falecido ministro Teori Zavascki afirmava que o STF passas por excesso de exposição. Talvez seja o caso de seus pares dimensionarem o problema e agir no sentido de evitar aquilo que muita gente afirma ser excessos de ego.

Não nos cabe opinar sobre o conhecimento de cada ministro nem acerca de suas qualidades enquanto julgadores. Entretanto, não custa lembrar de que ao longo de sua história o STF tem contado com a presença de ministros de alto gabarito que inseriram seus nomes da história do Judiciário do país. A um deles tive a honra de conhecer pessoalmente dado suas relações de amizade com meu falecido pai. Era o Ministro Nelson Hungria que ocupou a presidência do STF. Hungria é conhecido como um dos mais importantes penalistas brasileiros, autor de vários livros, entre eles os “Comentários ao Código Penal”.

Certa ocasião recebemos em nossa casa, no interior de São Paulo, a visita do grande ministro que viera ver meu pai sem, contudo, tê-lo avisado da visita. Encontrou-me Nelson Hungria sozinho em casa. Teria eu entre 13 e 14 anos de idade e, certamente, sem condições de sustentar conversa com o famoso jurista. Mas eis que ele conversou muito comigo, narrando recente viagem que fizera à Rússia, na época sob o regime ditatorial comunista. Contou-me o ministro ter sido confundido no aeroporto e passado por dificuldades na imigração. Segundo ele salvou-o um brasileiro de São Paulo que explicou á s autoridades quem era Nelson Hungria. A partir daí o ministro recebeu todas as atenções, nisso incluindo-se notícias e entrevistas em jornais.

Daquele homem alto e perspicaz guardei na memória a imagem do STF que não consigo adaptar o STF de hoje. Entretanto, por mais que se critiquem as ações de alguns membros do STF não há como não depositar nesse órgão ápice do Judiciário a confiança de que sempre foi merecedor.

Infelizmente esse respeito tem decaído nos últimos tempos. Que o digam as marchinhas carnavalescas cantadas por aí cujas letras trazem citações nada elogiosas a ministros da mais alta corte do país. ministri