Arquivo para junho, 2018
As copas
As gerações se sucedem. Costumava-se definir o aparecimento de uma nova geração a cada 25 anos. Hoje em dia o prazo é de mais ou menos 10 anos. De todo modo ai estão os “Baby Boomer” e as gerações X, Y e Z.
A geração Baby Boomer surgiu após o final da Segunda Guerra Mundial, terminada em 1945. Pertenço à Baby Boomer, de modo que os anos 50 do século passado foram os que presenciaram a infância da minha turma.
Em se tratando de Copa do Mundo a minha memória remete á Copa de 50, realizada no Brasil. Muita gente se lembra de fatos da sua mais tenra infância. Não estou entre eles, mas de algum modo ficaram-me gravados acontecimentos relacionados à derrota do Brasil diante do Uruguai, no Maracanã. Talvez a grande comoção gerada pela perda da Copa em nosso país tenha sido a razão de ter guardado cenas daqueles momentos, embora, na ocasião eu tivesse pouco mais de três anos de idade. Lembro-me de meus pais e algumas pessoas junto ao rádio da sala de nossa casa, ouvindo o desenrolar da partida. Em particular guardei o desespero dos presentes no instante em que o locutor gritou a palavra gol, certamente o segundo gol que daria a vitória ao Uruguai como vim a saber mais tarde. Lembro-me de minha mãe dizendo que o Brasil ainda reagiria, pois, o jogo não estava terminado.
A copa de 1954 terá passado completamente despercebida para mim. Mas, em 1958, lá estava eu ao pé do rádio, vibrando, torcendo loucamente pela nossa seleção.
De lá para cá acompanhei todas as copas, algumas conquistadas pelo nosso selecionado. Mas, se perguntarem qual a copa que terá recebido de mina parte maior atenção e torcida, certamente será a de 1958.
Aquele era um outro Brasil. A vitória na Copa servia-nos como justificativa de presença no mundo. Inaugurava-se uma era de vitórias. Pelé surgia para a história do futebol. Maria Esther Bueno era a gigante no tênis. Eder Jofre nosso “galinho de ouro” no box. Na música a Bossa Nova começava a espalhar no mundo o novo som do país. Em agosto de 1958 ouvíamos no rádio João Gilberto cantando “Chega de Saudade”.
A efervescência do país se prolongaria até 1964. Ganháramos a Copa de 62 com atuações formidáveis de nossos ídolos. Dois anos depois Jango caiu e a ditadura foi instalada, mas isso já é outra história.
Eremitas
Na infância conhecíamos Robinson Cruzoe, náufrago que fora viver numa ilha, enfrentado toda sorte de aventuras. Cruzoe é personagem do escritor e romancista Daniel Defoe (1660-1731) de quem também recebemos o livro “Mol Flanders” no qual são problematizadas as vidas de personagens solitárias e em crise.
Cruzoe passa muitos anos na ilha até vir a ser resgatado. Vive solitário, com um cachorro, sobrevivente do naufrágio, até encontrar um índio canibal, Sexta-feira, que passa a ser seu companheiro. O nome Sexta-feira foi dado ao índio por ter sido encontrado nesse dia da semana. No cinema a aventura de Robinson foi levada ao cinema, em 1997, sob a direção de Ron Hardy e George T Miller. Aliás, em se falando sobre filmes sobre náufragos, vale lembrar de “Náufrago”, estrelado por Tom Hanks. No filme Hanks é um funcionário da FedEx que, durante viagem à Malásia, se vê às voltas com o desastre do avião. Sobrevivendo ao acidente, o funcionário passa a viver numa ilha, isolado, enfrentando toda sorte de adversidades.
Mas, não só na ficção existem pessoas que vivem isoladas em ilhas. O japonês Masafumi Nagasaki, de 76 anos, se cansou de viver no mundo “normal” e optou por viver isolado numa ilha. Isolado numa das ilhas do arquipélago de Okinawa, Japão, Masafumi permaneceu durante 30 anos sozinho até ser retirado do lugar devido a doença. O japonês relata que no início usava roupas, mas perdeu seus pertences durante um tufão. A partir daí passou a viver nu, considerando a nudez como uma espécie de uniforme. O cansaço da civilização foi substituído por vida quase militar na qual passou a seguir as regras da natureza.
Masafume não chegou à ilha por ser náufrago. Trabalhava num fábrica em Osaka quando soube da existência da ilha através de um amigo. Durante um voo assustou-se com a poluição que viu no mar e decidiu-se a abandonar tudo, tornando-se eremita.
Há gente que prefere a solidão, embora para isso sejam necessários nervos fortes. Abandonar tudo exige força e determinação, além de descaso pela sociedade em que vivemos. Não sei a quantas pessoas essa opção possa parecer razoável ou mesmo lógica. No caso de Masafumi a opção é clara: recuperado, pretende retornar à ilha onde viveu nas três últimas décadas.
Não é mole parar de fumar. O vício se perpetua. Há quem tenha algum controle e consuma uns poucos cigarros ao dia. Mas, a maior parte dos fumantes costuma se perder na contagem. Digo isso porque fumei muito. Deixei o vício a mais de 20 anos, mas me considero um fumante que não fuma. Tenho a certeza de que se for agora à padaria da esquina, tomar um cafezinho e fumar um cigarro, um só veja bem, sairei de lá com um maço no bolso. Portanto, a vigilância tem que ser permanente.
Certa vez parei de fumar por quase um ano. Numa festa, cercado por amigos num ambiente esfumaçado, ousei fumar um cigarrinho. Seria só aquele, juro. Seguiram-se o segundo, o terceiro e voltei ao vício.
Certa ocasião fumei mais de três maços num dia de muita tensão. Na manhã seguinte, ao acordar, logo procurei pelo cigarro. Ao colocá-lo nos lábios senti que estavam queimados. Decidi deixar para fumar depois do almoço. Durante a tarde respeitei a trégua: fumaria à noite. Ao anoitecer fui à padaria e comprei meia dúzia de maços do meu cigarro favorito. Deixei-os à mostra em vários pontos da minha casa. Decidira lagar o vício, mas não poderia ficar sem os cigarros por perto. Se não os tivesse em casa ficaria desesperado. Coisa de louco, não?
Os primeiros dias foram terríveis. Da nicotina a gente se despede depois dos primeiros dias. Fica o hábito. A todo instante colocava a mãos nos bolsos, procurando pelo maço salvador. Gestos mecânicos que demoraram a desaparecer.
E nunca mais fumei.
Certa vez vi um homem, bastante idoso, num leito hospitalar, dentro de uma câmara de oxigênio. Ele não conseguia respirar. Os pulmões daquele homem estavam realmente acabados pela evolução de seu enfisema pulmonar. Entretanto, quando me viu, mexeu-se no leito e, com muita dificuldade, dirigiu-se a mim. Pediu-me, pelo amor de Deus, que lhe arranjasse um cigarro. Sabia que iria morrer, mas queria o último cigarrinho. Veio a falecer no dia seguinte.
Um tio fumou durante toda a vida cigarros sem filtro. Eram cigarros bastante fortes. Muitas vezes eu o vi, sentado, durante as madrugadas, com dificuldades respiratórias. Ele deixou os cigarros poucos anos antes de falecer. Meu pai fumou muito. Num fim-de semana surpreendeu-me com a notícia de que parara de fumar naquela manhã. Veio a falecer dois dias depois. Seus pulmões e o coração não resistiram aos estragos provocados pelo vício.
Há tempos se fala sobre tratamentos para o enfisema, doença na qual os alvéolos pulmonares são substituídos por tecido fibroso, situação até hoje irreversível. Agora noticia-se sobre o uso de células-tronco da medula óssea e do tecido adiposo para tratamento do enfisema. As primeiras evidências de bons resultados têm sido relatadas.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) cigarros associados à poluição serão a terceira maior causa de mortes no mundo até 2030.
Medos e memória
Um amigo me conta sobre sua mãe. A senhora de 90 anos tem a doença de Alzheimer. Ele relata que os problemas dela começaram no dia seguinte ao aniversário de 85 anos. Durante a comemoração da família a senhora esteve absolutamente normal. Entretanto, na manhã seguinte, levantou-se diferente, fazendo perguntas sobre coisas que até então eram de seu conhecimento. Hoje a mãe do amigo está alienada. Não reconhece pessoas de seu convívio, embora, vez ou outra, manifeste alguma lucidez. Diante da necessidade de cuidados permanentes a família decidiu-se por interná-la em clínica onde conta com todo o conforto e atenção. O filho a visita duas vezes por semana.
Pessoas em cujas famílias acontecem casos de esquecimentos na velhice preocupam-se que o mesmo aconteça a elas. Diagnósticos de Alzheimer preocupam ainda mais. Há nisso o horror da despersonalização. Tanto que o amigo que me falou sobre sua mãe também me disse ser favorável à eutanásia. Para ele toda pessoa deveria ter o direito de decidir sobre a continuidade de sua própria vida. No caso de esquecimentos progressivos, antes de se chegar ao estágio de Alzheimer, a eutanásia seria a solução.
Publica-se a possível relação entre vírus causadores do herpes e a doença de Alzheimer. Trabalho publicado na revista científica Neuron, relata que dois subtipos do vírus do herpes foram encontrados no cérebro de pacientes de Alzheimer em níveis até duas vezes maiores do que os achados no tecido cerebral de pessoas sem a doença. Esses vírus agiriam incrementando a resposta imunológica para a produção de proteínas amiloides. É o depósito dessas proteínas no cérebro que causa o Alzheimer. Aliás, segundo os pesquisadores, não só os vírus do herpes, mas também outros vírus teriam o mesmo efeito.
Deve-se dizer que, entretanto, a relação entre doença de Alzheimer e vírus não é unanimidade. Pesquisadores lembram de que o Alzheimer é doença complexa e, possivelmente, devida a vários fatores.
Água com açúcar
Na falta de sono meio comprimido de calmante. Se não funcionar, a outra metade. Indutores do sono são indicados para quem não consegue adormecer.
Uma amiga me conta que seu problema é diferente. Deita-se sempre às 11 da noite e logo pega no sono. Invariavelmente acorda às duas da madrugada. A partir daí torna-se impossível para ela conciliar o sono. Acaba se levantando, anda pela casa, liga a televisão e só volta para a cama quase ao amanhecer. Então dorme. Mas, o despertador a acorda às 8 da manhã, hora de sair para o trabalho.
A insônia atinge número muito maior de do que se imagina. Não sei se há base científica para afirmar, mas a coisa parece ser, também familiar. Pelo menos na minha família existem casos e casos de pessoas com dificuldade para adormecer. Uma tia, já falecida, passava as madrugadas andando pela casa. Em certas noites precisava de companhia dado que gostava muito de conversar. Muitas vezes fui acordado por ela para jogarmos um papo. Sentávamos à mesa da cozinha, comíamos alguma coisa e falávamos sobre assuntos do dia. Até dar sono.
Os noctívagos não se dão bem com os horários do mundo. Para eles a rotina de ficar acordado de dia e dormir durante a noite torna-se complicada. O relógio biológico dessas pessoas funciona de modo diferente. São mais produtivas nas madrugadas e preferem dormir quando há sol alto.
Certas atividades não se coadunam bem com o esquema dia e noite. Pessoas que trabalham por turnos veem-se obrigadas a passar noites acordadas, seguindo-se dias nos quais voltam ao que se considera rotina normal. O organismo paga tributos por isso.
Há quem use a mistura de água com açúcar como calmante. Hábito antigo, ainda permanece nos dias atuais. Um susto, notícia ruim, descontrole emocional, a água com açúcar seria um bom remédio nessas situações. Pode funcionar como placebo. A convicção de que a mistura funciona em situações estressantes de fato pode ajudar. Demais existe o sabor adocicado sempre ligado a coisas boas. Mas, afora efeitos psicológicos, não existem fundamentos que justifiquem o uso de água com açúcar para aplacar o nervosismo.
Registro de nascimento
Nome é coisa para toda vida. Há quem goste do próprio nome, há quem deteste o seu. Quando fui registrar meu filho precisei de alguém como testemunha. Não sei se ainda é assim, mas os pais no balcão do cartório serviam uns aos outros como testemunhas. Pois me coube um homem baixinho, muito simples, simpaticíssimo. Viera para registrar a filha de quem acabei testemunha. Quando o tabelião perguntou ao baixinho pelo nome e profissão ele respondeu: Errones. Profissão: curioso.
Errones. O cara do cartório mandou que o baixinho repetisse o nome. E veio, de novo: Errones. Mas isso está nos seus documentos? Sim, senhor, era também o nome do meu falecido tio.
Quanto ao “curioso” tem lá sua razão de ser. Não se usa mais, mas chamavam-se de “curiosos” pessoas que sabem fazer um pouco de tudo: meio pedreiro, meio encanador, meio eletricista, enfim um faz tudo que conserta coisas.
Mas, aos nomes. Eis que atravessamos a Copa e aí estão na TV jogadores de vários países cujos nomes podem servir à inspiração dos pais de recém-nascidos. Não sei se ficaria bem a uma criança um primeiro nome como Lewandowski. Mas, não custa imaginar que mentes criativas usem nomes poloneses, alemães, nigerianos etc. Assim, seria honrado, sem saber disso, o craque polonês do Bayern de Munique.
O assunto me ocorre porque aqui onde trabalho tem um rapaz cuja esposa está a parir nos próximos dias. O menino que virá à luz já está comprometido com seu futuro nome: Neymar.
Todo mundo daqui estranha a escolha do rapaz. Ele se justifica: é coisa da mulher. Ela adora o Neymar. Adorou o cabelinho dele no primeiro jogo do Brasil na Copa. Quisesse Deus o menino teria uns cachos daqueles. Um sonho.
Tenho vontade de dizer ao futuro pai que esse Neymar, o jogador… O cara fez a seleção depender dele e está mais preocupado com seu marketing pessoal. Joga muita bola, isso não se nega. Mas, segura demais, cai demais, não é exatamente um craque de equipe.
Entretanto, não devo me meter. Em dias o Neymarzinho estará nesse louco mundo, para alegria de seus país. Quem sabe a moda pegue e venhamos a ter muitos Neymares andando por aí em futuro próximo.
A senhora
A senhora a meu lado é descendente de japoneses, acho que nikkei (nipo-brasileira). Filhos de nikkei são chamados nissei e os netos sensei.
A imigração japonesa teve início em 1908 quando aportaram no país 781 lavradores que vieram trabalhar nas fazendas do interior paulista. Estima-se, atualmente, a existência de cerca de 1 milhão de nipo-brasileiros, mais concentrados em São Paulo e no Paraná.
Convivi com japoneses durante a minha meninice. Eram agricultores que cultivavam frutas e hortaliças na Serra da Mantiqueira. Produtos de qualidade aos quais davam vasão pelas péssimas estradas de terra que conduziam ao Vale do Paraíba e, depois, a São Paulo.
Com os japoneses aprendi ordem e respeito. Meninos e meninas eram educados segundo o modo de ser dos mais velhos, alguns vindos do Japão. Na colônia japonesa o trabalho começava ao alvorecer, almoçava-se antes do meio dia e dormia-se cedo. Um grupo muito organizado para o trabalho e produção.
Vez ou outra chegava à colônia um novo imigrante, oriundo do Japão. De um deles guardo memória. Era um rapaz de pouco mais de 20 anos que logo passou a comunicar-se em português. Lutara na Segunda Guerra, terminada em 1945. O interessante é que para ele o Japão não perdera a guerra. O imperador Hiroito comandara seus exércitos e os conduzira à vitória. Mas o novo imigrante pagava pesado tributo à sua participação no conflito. Era um sujeito nervoso, muito irrequieto, que não conseguia dormir. Vez ou outra referia-se a combates, mas de modo tão confuso que jamais se soube onde havia lutado. Sobre ele os locais fantasiavam que teria sido um kamikaze que não teria entrado em ação devido ao fim da guerra. Ainda hoje penso sobre qual teria sido o destino daquele rapaz.
Após algum tempo a senhora queixou-se da demora em ser atendida. Ficara de pegar o neto na escola e preocupava-se com o avanço da hora. Conversamos um pouco, ela sempre atenta aos ponteiros do relógio. A certa altura queixou-se da filha que estava sempre a pedir a ela que buscasse o neto na escola. Demais a filha se casara com aquele sujeito a quem não suportava. Um tremendo irresponsável. Doente pelo Corinthians. A ponto de fazer empréstimo bancário para ir à Argentina para assistir um jogo do time de seu coração. Pois o genro não deixara de ir à festa de aniversário de seu filho para ir ao estádio num jogo do time?
Não soube bem o que dizer à senhora. Ela disse que de nada adiantaram os avisos à filha para que não se casasse com o tipo. Pior: a filha era louca pelo marido.
A certa altura a senhora foi chamada. Era a sua vez para consultar-se com o médico. Ao se levantar ela emendou: os filhos agem assim porque sabem que têm alguém por trás. Estamos sempre prontos a socorrê-los.
Copa
A partir de agora o assunto será Copa do Mundo. A mídia nacional passa a se dedicar, quase integralmente, à cobertura dos jogos. Neymar tira fora com fã; Neymar aprimorará a forma no meio da Copa; Tite faz treinamento fechado; russos recebem bem o Brasil…
Mas, talvez não estejamos muito interessados em saber disso tudo. Pelo que a animação de locutores, repórteres e jornalistas de toda sorte figura meio inconsistente. Rola por aí o esforço para retomar paixões e adesões do passado o que hoje, acredite-se, parece não fazer muito sentido.
No alto de sua primeira página o jornal anuncia em letras garrafais: pela primeira vez, maioria não tem interesse na Copa. Seguem-se dados da pesquisa realizada na qual 53% dos nacionais se declaram indiferentes à Copa por começar.
As razões? Ora, muitas. Analistas elencam a infindável crise do país, o desânimo em relação a quase tudo, o receio de mais um fracasso, o 7 a 1, e por aí vai. Um vizinho lembra que entre os convocados por Tite só três jogam no país. Ele me diz isso em tom pesaroso. O Brasil tem um time de emigrados que atuam nas equipes europeias. Mas, que isso tem a ver?
No mundo globalizado talvez nada. Mas, em 58, não se queria o atacante Mazzola no time do técnico Vicente Feola. Mazzola fora vendido para um time italiano, jogaria no Milan. Entretanto, atuou nos dois primeiros jogos da Copa e fez o primeiro gol do Brasil. Depois cedeu seu lugar no time a Pelé.
Também se fala do dinheiro recebido pelos jogadores. Os caras ganham fortunas para jogar futebol. Caso muito contrário é o do trabalhador brasileiro que se mata para receber uns poucos reais com os quais mata a fome. Salários exorbitantes contribuem para a irritação.
Pergunto a pessoas de meu convívio sobre seus prognósticos para o jogo de estreia do Brasil, no próximo domingo. De alguns recebo como resposta que nem mesmo sabem se assistirão ao jogo. Insisto: é o Brasil jogando! A nova resposta: quem sabe, se não tiver nada para fazer, verei o jogo.
Pelo menos por enquanto não se cruza com brasileiros vestindo a camisa da seleção nas ruas. Por onde anda o verde-amarelo com que se costuma demonstrar a brasilidade em épocas de Copa?
O livro da masturbação
Há pouco faleceu o grande escritor Philip Roth. Oportunidade para reler o excelente “O complexo de Portnoy” no qual Roth narra as desventuras de um rapaz judeu, Alexandre Portnoy, que desabafa ao seu psicanalista. Um dos capítulos do livro é denominado “Bronha”. Nele Roth devassa a intimidade do jovem Alexandre, trancado no único banheiro de sua casa, não raro usando peças íntimas de sua irmã mais velha. Masturba-se várias vezes por dia. À mãe que bate à porta o rapaz responde que anda mal do intestino. Aliás, tal como seu pai que sofre de uma horrível prisão de ventre. A mãe ordena que ele não dê descarga, quer ver as fezes para orientar-se quanto ao que deve fazer com o filho. Mas, Alexandre está mais preocupado em apagar os sinais de seu pecado.
O livro de Roth foi publicado em 1969, permanece atual e engraçadíssimo. No capítulo sobre masturbação devolve-nos as epopeias da rapaziada a descobrir o sexo e fazer uso da mão para saciar ao apetite invencível.
A ligação entre a masturbação e o pecado tortura muita gente. Além do que muito se fala sobre os perigos do ato de masturbar-se. Associam-se ao ato inverdades que fazem tremer aos incautos. Não sei se perduram ainda hoje maluquices como a de que o sujeito pode ficar tuberculoso caso exagere na masturbação. Conta-se o caso de um sujeito que se masturbou tanto que, após casar-se, não conseguia consumar ato carnal com a mulher pelo fato de que… gastara tudo na masturbação.
Mas, como se disse, a história vem de longe. Em 1830 foi publicado um livro cujo título era “Um livro sem título” com 15 ilustrações, feitas à mão, nas quais, passo a passo, mostrava-se a destruição do corpo pela masturbação. A obra baseava-se num tratado de 1760, o “Onanismo”, no qual o autor afirmava ser o sêmen um “óleo vital” que, sendo perdido, causava perda da força vital e mesmo da razão. Além do que a perda seria responsável por várias doenças.
Assim, na obra “Um livro sem título” o leitor pode acompanhar as fases de deterioração do organismo de um contumaz onanista. Da condição jovial de saúde a um rápido envelhecimento com as costas curvadas, dores terríveis de estômago, dificuldades para andar, insônias prolongadas, apodrecimento e queda dos dentes, tosse com expectoração de sangue, queda de cabelos, perda de apetite, aparecimento de pústulas na pele, febres, delírios e, finalmente, morte aos 17 anos de idade.
O quadro acima seria de fato desestimulante diante de qualquer intenção de gozo através da masturbação. Mas, a rapaziada…
Nas missas o padre relatava a experiência de Onan que, no ato sexual, ejaculava ao lado do leito para não engravidar a mulher. Deus teria punido Onan, matando-o com um raio. Do pecado de Onan restou-nos o termo onanismo, sinônimo de masturbação.
A velha piada segue firme por aí. Trata-se da pergunta feita a um rapazote: sabe que quem se masturba tem pelo na mão? A resposta instintiva é o jovem imediatamente olhar para a palma de sua mão.
Influência francesa
A influência francesa na cultura brasileira é marcante. Desde os tempos do Império o Brasil se rendeu à supremacia intelectual francesa. A Missão Artística Francesa, trazida por D. João VI ao país, aportou aqui em 1816, comandada por Joachim Lebreton. Com ele vieram artistas como os pintores Jean Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay. Escultores, gravadores e outros especialistas chegaram ao país, alguns deles trazendo suas famílias. Seis meses depois chegou o fotógrafo Marc Ferrez a quem devemos o raro registro de imagens daquela época.
Mas, é no campo do pensamento que a influência francesa talvez tenha causado maior impacto. Foi com base no Iluminismo francês que se realizou a Inconfidência Mineira. O modelo das universidades públicas brasileiras foi importado da França. Em 1936 foi criada a USP, seguindo esse modelo. Aliás, em seus primórdios, a USP contou com a participação de importantes professores franceses, entre eles Claude Levi-Strauss e Fernand Paul Achille Braudel.
É inegável a admiração, ao longo de nossa história, em relação aos franceses. De resto, justificada. Conta a França com invejável grupo de personalidades marcantes cujos nomes despertam admiração e respeito em todo o mundo. A área da literatura, por exemplo, é pródiga em expoentes, podendo-se citar Victor Hugo, Andre Gide, Marcel Proust, Honoré Balzac, Gustave Flaubert e tantos outros. Obviamente, a influência francesa não está restrita á área cultural. No nosso cotidiano verificam-se traços do modo de ser francês, a começar por regras de conduta, etiqueta etc.
Nos anos 50 do século passado chegou ao Brasil um francês chamado Luís Enoch. Antes dele viera sua irmã que se instalara em cidadezinha nos altos da Serra da Mantiqueira. A “Francesa”, modo como os locais identificavam Dona Louise, estabeleceu-se com uma pensão na qual recebia hóspedes que vinham gozar os ares das montanhas.
Mas, quem mais chamava atenção era o irmão Enoch. Parisiense, o francês fizera de São Paulo o seu domicílio. Regularmente visitava a irmã, ocasiões em que se mostrava afável e bom conversador. Falava um português carregado por sotaque francês. Causava estranheza o apuro com que se vestia - sempre um lenço no pescoço, cobrindo em parte a gravata - e os modos delicados que sugeriam fosse talvez efeminado.
Enoch foi o primeiro francês a quem conheci. Naquele meio de século sua figura irmanava-se à imagem de um país cultuado. No ginásio tínhamos aulas de francês e sabíamos cantar a Marselhesa. Ouvíamos da professora sobre a Torre Eiffel, o Jardim das Tulherias, o Louvre e a Notre Dame. E Paris! Enoch viera de lá. Na cabeça do ginasiano seria ele, talvez, alguém muito importante…