Arquivo para junho, 2018
Rio de Janeiro
No Uber pergunto ao motorista se conhece a cidade onde estamos. Ele conhece, mas não sabe onde fica a rua onde moro. Vai usar o GPS, mas digo que não será necessário, mostrarei o caminho.
O rapaz é do Rio, Tijuca. Parentes dele ainda moram lá. Aqui ele tem uma namorada que dizia odiar o Rio. Num fim de semana ele levou a moça para conhecer o Rio. Caprichou, mostrando a ela os melhores pontos turísticos. A namorada voltou apaixonada pela antiga capital federal.
- Não mostrei a ela os lugares onde a regra é a violência. Agora não são só as facções, existem as milícias. E balas perdidas, crimes de toda ordem.
Digo a ele que sempre amei o Rio. Quando jovem viajava no trem noturno que fazia o percurso entre São Paulo e Rio. Embarcava no trem, à meia-noite, quando passava pela estação ferroviária de Taubaté. Com um nada de dinheiro no bolso o jeito era viajar na segunda classe. Assentos duros de madeira que para o corpo jovem pouco importavam. Em Lorena o trem deixava os trilhos principais e parava na lateral. Ficávamos ali cerca de duas horas, esperando pelo Trem de Aço, primeira classe com restaurante e tudo, que vinha em sentido contrário, rumo a São Paulo.
De manhã desembarcava na Estação D. Pedro II. Estava no Rio. Maravilha. Uma cochilada no banco da estação, depois as ruas. Catete, Cinelândia, o Ouvidor, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, o mar que vi pela primeira vez aos 18 anos. A barca para Niterói. O Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista. Tudo e mais um pouco.
À noite bater pernas na Cinelândia. Passar pelos teatros de revista onde atuavam futuras celebridades televisivas. Contar no bolso as merrecas de notas para a entrada nos teatros. Numa dessas acabei assistindo à primeira encenação de “O Rei da Vela”, obra de Oswald de Andrade. Comendo pouco, dormindo mal, era feliz porque a cidade maravilhosa sorria para mim.
Meu Deus, no que se transformou o Rio? Que história é essa de violência escancarada, partes da cidade onde a polícia não entra, crime organizado e milícias no comando?
Terá o Rio morrido? Não conseguirão os homens devolver à cidade a segurança de que os cariocas tanto anseiam? Poderei ainda uma vez visitar o Rio e andar por lá, livremente, sem medo?
Mas, que não se perca a esperança. Um dia a beleza vencerá. O Rio é belo demais para sucumbir nas mãos de traficantes.
O homem
Nesses tempos tão obtusos causa estranheza assistir ao julgamento de um homem poderoso como o megaprodutor norte-americano Harvey Weinstein. Afinal, por que alguém que parece tudo poder terá passado a vida importunando lindas mulheres, obrigando-as sexualmente em troca de favores profissionais? Celebridades do mundo cinematográfico saem das sombras para acusá-lo, despertando, em todo mundo, movimentos semelhantes ao americano #MeToo. Não se fala sobre personalidades desconhecidas. Fazem parte da lista de acusadoras celebridades como Ashley Judd e Gwyneth Paltrow. Sem falar em jovens desconhecidas que esperavam tornar-se atrizes.
Há poucos anos fomos apresentados a um notório caso de assédio sexual. O Diretor-Gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, foi acusado de ter agredido sexualmente uma camareira em seu hotel de Nova York. Infelizmente, manobras jurídicas favoreceram Strauss- Kahn e o caso acabou dando em nada. Obviamente, Kahn pagou o preço pelo seu erro. Deixou o FMI e suas aspirações políticas na França naufragaram.
Agora pergunta-se sobre o que acontecerá a Harvey Weinstein. Ele está livre após ter pago uma fiança de 1 milhão de dólares. Mas será julgado. Especialistas divergem sobre o resultado do futuro julgamento. Há quem acredite numa confissão de culpa o que reduziria a pena. Mas, desde logo, Weinstein apresentou-se à Justiça declarando-se inocente.
O tema “assédio” tem despertado a atenção do mundo, no qual multiplicam-se casos de estupros, alguns bastante escabrosos. Da Índia recebem-se regularmente notícias de abusos contra mulheres em geral seviciadas por vários homens. Basta ligar a TV brasileira nos programas policiais da tarde para inteirar-se sobre casos e casos em que mulheres são vítimas de violência, incluindo-se estupros e assassinatos.
O que pensar diante de tudo isso? Não custa lembrar da natureza animal dos seres humanos. Recentemente, ouvi de um professor que os antepassados do homem não desapareceram por acaso. As gerações que os sucederam teriam cuidado do desaparecimento de seus ancestrais através de genocídios. O homem atual, inteligência desenvolvida, dominou o planeta, eliminando seus antepassados. Não sei se isso é exatamente correto, mas faz pensar. Por que o homem civilizado do século XX teria se engalfinhado em duas Guerras Mundiais nas quais milhões de seus semelhantes pereceram? Por que ainda hoje perduram radicalismos, guerras, sequestros, assassinatos, crimes que parecem sempre em número crescente? Facilmente poder-se-ia aqui elencar inúmeras razões de ordem sociológica e política aliadas a conflitos de interesses e desigualdade de classes para explicar o que acontece. Mas, não se pode perder de vista que por detrás de tudo isso está ele, o Homem. Aliás, o mesmo ser humano altamente civilizado e poderoso que se dedica a atos espúrios, entre eles assédios de que a toda hora tomamos conhecimento.
Histórias de terror
Os contos de Edgar Allan Poe foram, são e sempre serão inesquecíveis. Poe é um mestre na arte de narrar situações inusitadas, prendendo o leitor até a última linha de suas histórias. Quem não se lembra, por exemplo, do terrível “Enterrado vivo” no qual um homem desperta após ser enterrado e experimenta todos os horrores de sua horrível condição enquanto aguarda a morte? Que dizer de “O estranho caso do Sr. Waldemar”, pessoa presa ao leito e hipnotizada que não pode morrer enquanto o hipnotismo não for desfeito? Não por acaso Charles Baudelaire traduziu a obra de Poe para o francês. O grande poeta Baudelaire certamente bebeu na fonte inspiradora de Poe.
A literatura conta com grandes mestres na arte de narrar histórias de terror. Desde o “Conde Dracula” de Bram Stocks, aos contos de H.P. Lovecraft e ao mais recente Stephen King, os adoradores do gênero têm sido premiados com obras de excelência no gênero fantástico.
Outra coisa são os filmes de terror. No passado o cinema era pródigo em filmes sobre vampiros, sendo o Drácula encarnado por grandes atores como Bela Lugosi, Christopher Lee e Boris Karloff. Lembro-me de cenas aterrorizantes patrocinadas por vampiros que nos faziam tremer nas salas de cinema. Os filmes em preto-e-branco eram de fato assustadores. Quando meninote me cercava de crucifixos, dentes de alho etc. para me proteger de um impossível ataque de vampiros enquanto dormia…
Entretanto, sem generalizar, creio que os filmes de terror atualmente produzidos pecam pelo excesso de clichês, a todo custo criando situações nas quais o espectador é submetido a uma infindável sequência de sustos. Continuam ativas as sequências nas quais uma mulher caminha numa casa enorme e escura, abrindo portas atrás das quais a esperam espíritos malignos ou mesmo monstros. Ruídos súbitos e ensurdecedores dão ritmo a essas muito manjadas técnicas de causar horror nos espectadores.
Verdade que hoje em dia a arte cinematográfica conta com recursos audiovisuais inimagináveis no passado. Também verdade que nem todos os filmes são apelativos. Películas baseadas nas obras de Stephen King em geral se constituem em bom terror. O excelente “Carrie, a estranha”, há pouco refilmado, demonstra bem o que se está a dizer.
Raramente assisto aos mais recentes filmes de terror. Prefiro a leitura - ou releitura - de clássicos do gênero. Há pouco reli “A Pata do Macaco”, escrito por W. W. Jacobs, publicado pela primeira vez em 1902. Se você gosta do gênero e ainda não leu, eis aí algo que vai impressioná-lo bastante. O conto de Jacobs pode ser encontrado na internet.
Sem rumo
Ouço de várias pessoas que, se pudessem, sairiam do Brasil. Aliás, os que podem estão justamente fazendo isso. Um comerciante abre-se sobre seu negócio. As vendas não cobrem as despesas. Cansado do Brasil pensa em se mudar para Potugal.
O Brasil faz lembrar de um poema de Arthur Rimbaud - O barco ébrio - no qual um barco é levado pelas correntezas, desgovernado. Ninguém o comanda: os marinheiros estão todos mortos. Assim, o barco erra nos caminhos das águas.
Nós estamos vivos. Mas dentro de um barco sem capitão que vislumbre a rota a seguir. Assim, avançamos ao sabor do acaso, sofrendo na própria pele a força de indesejadas intempéries.
Está encerrada a greve dos caminhoneiros. Durante dez longos dias a categoria nos fez reféns de suas exigências. Sem combustível ficamos reclusos às nossas casas. Falta de gêneros de primeira necessidade, caos nos serviços básicos, escalada absurda nos preços. O governo curvou-se, cedeu. Voltamos àquela normalidade.
Há mais de setenta anos vivendo no país supunha já ter visto de tudo. Mas, o Brasil não é simples. O país é, de fato, uma grande caixa de surpresas. Aqui tudo pode acontecer até mesmo segundo a inpiração do próprio acaso.
É hora de repetir que o Brasil não é para principiantes. Um dia o nosso barco chegará o mar. Espera-se não ser recebido com maremotos.