Arquivo para julho, 2019
Gabriela
São passados quatro anos desde o dia em que deixamos você na campa do cemitério. Difícil entender como a vida de repente deixa de existir. Voltamos para casa sem você, capítulo encerrado. Encerrado? Jamais! A morte leva as pessoas, mas não apaga em nossos corações e memórias o transe da perda. Assim, você continua presente. O diálogo com os mortos permanece ativo. Não há dia em que eu não me lembre de você. Agora mesmo, olhando para cadeira vazia defronte a minha mesa, posso ver você na plenitude da juventude depois rompida pela doença que a levou.
Nunca saberemos se de fato existe alguma coisa depois da morte. O “outro mundo” afinal existe? A alma sobrevive ao corpo conforme nos garantem as religiões? Se assim for você estará por aí, em algum lugar, vagando no éter. E de lá poderá constatar que ainda sofremos com a sua perda.
Pois é. Os anos passam, entretanto, é como se tudo tivesse acontecido ainda ontem. Não foi há pouco que você me enviou aquele e-mail com o resultado da biópsia no qual se diagnosticava o carcinoma? E a ida ao médico? Lembra-se de que, no fim da consulta, pedi para você esperar fora da sala, alegando que precisava me consultar sobre um problema de saúde que na verdade não tinha? Pois naquele dia, naquela hora, naquela terrível hora, ouvi a sentença sobre o seu futuro entre nós: você vai perder a sua filha - garantiu o médico.
Dai para a frente foram três anos de luta permanente contra o câncer. Estive com você a cada passo, lembra-se? Sofrendo quieto. Assistindo ao avanço da doença que medicamentos e a cirurgia não lograram impedir. Quantas horas passamos juntos nas sessões de quimioterapia. Lembra-se daquele programa sobre emagrecimento que assistíamos nas tardes enquanto os soros corriam, lentamente, para dentro das suas veias?
E quanto à queda dos cabelos? Meu Deus, que triste. Os seus lindos cabelos caindo, arrancados pela brutalidade dos quimioterápicos. E as sessões de radioterapia que nos preocupavam porque àquela altura as metásteses haviam alcançado o cérebro?
Gabriela você lutou muito. Bravamente. Jamais ouvi de você uma só queixa. Enfrentou a doença e se submeteu ao tratamento sem jamais reclamar. Nem mesmo quando nos aproximávamos do final você fez uso de uma única palavra de revolta contra um mal que vinha ceifá-la em plena juventude.
Mas, o período final foi terrível. Aquela manhã em que fui buscá-la para irmos ao hospital e você me ligou, pedindo ajuda, porque não conseguia nem mesmo se vestir. O dia em que fomos à pneumologista para tratar das metásteses pulmonares que se espalhavam e já comprometiam a sua respiração. Ou a nossa ida a uma loja de materiais de construção na qual você, sempre guerreira, evitou o elevador e quis subir pela escada. Lembra-se? Pois não conseguiu passar do quinto degrau e tivemos - eu e o vendedor - que ajudá-la.
Repasso sempre os derradeiros dias em que você já não mais saiu do hospital. No último aguardávamos a sua inevitável partida. Você morreu na madrugada sem que eu estivesse ao seu lado. Cheguei minutos depois, gritei como um louco dentro do quarto. Abracei seu corpo ainda quente, mas já sem vida. Vi na sua axila a enorme bolsa gerada pela inflamação dos gânglios linfáticos. Chorei.
Você estava, finalmente, morta. Parara de sofrer. A estupidez da morte precoce abria um sulco incurável em nossos corações.
Lembro-me de seu rosto no último momento, antes que o caixão fosse introduzido na campa. Você estava linda. Parecia dormir. Dormira para sempre.
Saudades. Pai.
De dentro do ovo
Uma experiência realizada com ovos de gaivota de perna amarela tem resultado inesperado. Cientistas espanhóis separam ovos de uma mesma ninhada. Um deles permaneceu isolado. Os outros dois foram submetidos a situações estressantes como a possibilidade de ataque de algum predador. Depois os três ovos foram, novamente, reunidos. Os três demoraram mais tempo que o normal para se abrir, libertando os embriões. Quando aconteceu vieram os três na mesma posição de defesa como se estivessem ameaçados. A conclusão: embriões de aves, dentro dos ovos, trocam informações. A percepção de ameaças externas e o repasse de informações foi confirmado.
À primeira vista a experiência parece não ter maior significado. E daí? Daí que se torna impossível não se ponderar sobre a relação entre vida animal e a alimentação humana. No mundo 50 bilhões de aves são mortas por ano. Frangos são sacrificados com cerca de 45 dias de vida. Galinhas poedeiras vivem de um a dois anos quando sua expectativa de vida é de dez anos.
No veganismo propõe-se que o ser humano não é melhor, nem pior, que nenhum outro animal. Adeptos do veganismo boicotam empresas, organizações, atividades, etc. que usam animais. A dieta vegana é considerada por eles adequada para todas as fases da vida. Essa dieta é estritamente vegetariana, excluindo-se quaisquer alimentos de origem animal.
Vegetarianos também optam por dieta baseada em vegetais, mas, a diferença dos veganos, consomem alguns produtos de origem animal como lactáceos e derivados. Em suma os veganos são mais radicais que os vegetarianos. Trata-se de um estilo de vida que se contrapõe a toda forma de exploração e crueldade praticada contra animais.
Quem teve a oportunidade de assistir ao sacrifício de milhares de aves ou à morte de animais para fornecer carne a frigoríficos e açougues sabe que isso não se passa na ausência de sofrimento. É chocante presenciar ao golpe fatal que tira a vida de um touro, de um carneiro etc. Obviamente, não se pensa nisso na mesa sobre a qual se serve suculento churrasco. Nem se pondera sobre a vida perdida por aquele frango assado que acaba de sair do forno para compartilhamento durante a refeição. Entretanto, a experiência na qual se constata que mesmo embriões de aves, ainda dentro dos ovos, são capazes de transferir informações, levam-nos a pensar. Os seres cotidianamente sacrificados em prol da alimentação humana não desaparecem sem sofrimento.
A espécie humana domina o mundo tal como hoje o conhecemos. Mas, os animais possuem inteligência e vidas sociais complexas. Galinhas têm noção de futuro. Vacas fazem amizades. Todos animais sentem dor.
Não há igualdade entre as espécies. Mas, o sofrimento precisa e deve ser evitado.
Depois da morte
Há quem se preocupe demais com o que será de seu corpo após a morte. Para essas pessoas é como se, mesmo após a morte, a ligação com seu corpo permanecesse ativa. Uma senhora me disse, certa vez, sobre o horror que experimentava ao imaginar seu corpo preso dentro de um caixão e sendo devorado por vermes.
Quem já presenciou uma exumação sabe bem como as coisas se passam. Num cemitério do interior estive presente na exumação do cadáver de uma mulher que, suspeitava-se, falecera em consequência do esquecimento de ferramentas cirúrgicas em seu abdômen. Terra removia, caixão na superfície eis que, ao ser aberto, dele surgiram baratas e outros insetos que se fartavam dos restos mortais. O forte odor de matéria em decomposição e a cena desagradável presenciada foram e são inesquecíveis. No final constatou-se, infelizmente, a presença de material cirúrgico no decomposto organismo da mulher.
A preferência pela cremação tem conquistado muitos adeptos. Com ela desparecem resquícios físicos da passagem dos seres humanos sobre o planeta. Após a cremação familiares recebem as cinzas daqueles que partiram. O destino dado às cinzas varia de acordo com os desejos dos familiares, muitas vezes atendendo a pedidos dos que faleceram. Há pouco tempo um casal de idosos veio a falecer com diferença de intervalo de poucos meses. Os filhos optaram por depositar as cinzas dos dois no solo, junto a uma árvore, numa propriedade rural da família. Em outro caso as cinzas de uma senhora foram lançadas ao mar.
Laboratórios de faculdades contam com a presença de cadáveres que servem ao estudo da anatomia humana. São mantidos em formol para que se mantenham conservados. Há quem doe seus corpos para que sejam utilizados após a morte. Outros cadáveres pertencem a indigentes e pessoas não identificadas. Existem casos relatados de pessoas que desapareceram e, mais tarde, foram identificadas, casualmente, com seus corpos em laboratórios. Na internet se lê sobre o caso de uma estudante que iniciou a dissecação do cadáver da sua avó. Tendo a avó optado por ceder seu corpo para estudos relata a neta visitas periódicas para rever o cadáver.
Por outro lado, não devemos nos esquecer daqueles que acreditam ser possível o retorno à vida mesmo muito tempo depois da morte. Existem locais onde corpos são mantidos em cápsulas que os protegem contra a decomposição de seus organismos. Sob temperaturas baixíssimas e preservando as estruturas orgânicas pretende-se retornar à vida em momento futuro no qual a evolução da ciência permita a reparação das causas que provocaram a morte.
O fim da vida é inevitável. O destino dos restos humanos nem sempre um problema de fácil solução. Noticia-se que na cidade de São Paulo cemitérios contam com grande número de ossos em sacos plásticos, muitas vezes sem identificação. O Serviço Funerário do Estado está a merecer a atenção dos governantes.
A morte é certa. Melhor não pensar nisso ou decidir sobre o que será de nossos corpos quando deixarmos esse mundo.
Alterações cerebrais em Cuba
O cérebro é máquina poderosa que controla nossas ações. Sede do pensamento, memória e controle de funções sensoriais e motoras o cérebro pode estar sujeito a alterações que venham a prejudicar seu funcionamento. Com frequência surgem alertas sobre danos cerebrais causados por acidentes vasculares e mesmo a incidência de doenças como o mal de Alzheimer que levam ao apagamento da memória. Com o envelhecimento da população problemas dessa natureza têm se tornado mais frequentes daí a proliferação de recomendações para uma vida saudável cuja adoção resulta na minimização dos males descritos.
Caso estranho envolvendo a constatação de danos cerebrais ocorre entre diplomatas e seus familiares que estiveram a serviço, em Cuba, entre 2016 e 2018. Americanos e canadenses que trabalham na diplomacia de seus países apresentaram sintomas como dificuldades de equilíbrio e movimentação ocular. Muitos dessas pessoas relataram ter-se sentido “mentalmente nebulosas”, além de terem redução da capacidade de trabalho, irritabilidade e nervosismo.
Mais tarde, analisados dados obtidos por tomografias, verificou-se que o cérebro dessas pessoas apresentava alterações espalhadas em áreas de todo o cérebro, em particular no cerebelo, estrutura ligada ao controle do equilíbrio e movimentos oculares.
Não se sabe dizer ao certo sobre a(s) possível(eis) causa(s) dessas lesões que acometeram um grupo separado de pessoas, aparentemente submetidas a algum tipo de agressão, talvez de natureza sonora. O fato é que muitos dos afetados relatam ter ouvido sons muito altos, descritos como zumbidos, guinchos etc. Por essa razão a possibilidade de “ataques sônicos” não pode ser descartada.
Entretanto, não se conhecem efeitos semelhantes aos apresentados em função de exposição a concussão sonora. Por essa razão os médicos que estudam o assunto seguem desnorteados.
Como não poderia deixar de ser não pode ser descartado algum tipo de ataque motivado pelas longas disputas entre os norte-americanas e os cubanos, prejudicados desde o Bloqueio Continental. Mas, o governo cubano rechaça veementemente a hipótese de agressão aos diplomatas daí o problema permanecer em aberto.
A dúvida
Nos jornais depoimentos de gente que, de modo algum, acredita que o homem tenha ido à Lua. Um senhor afirma que na época nem existia tecnologia suficiente para façanha de tal monta. Uma senhora diz, com todas as letras, que aquilo não passou de grande mentira.
Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua, está com 89 anos. Em 2002 o astronauta foi confrontado por um defensor da ideia de que a ida do homem à Lua foi uma farsa. Bart Sibre foi a um hotel e tentou fazer com que Aldrin jurasse, com a mão sobre a Bíblia, que de fato estivera na Lua. Como não conseguisse passou a agredir Aldrin, chamando-o de covarde e mentiroso. A reação de Aldrin foi surpreendente: desferiu violento soco no rosto de Bart Sibre.
Como se vê as dúvidas vêm de longe e ainda persistem. Entretanto, nada há para se questionar. Nesses tempos de smartphones, tablets e internet não se conhece se os jovens ainda se preocupam em saber como, afinal, formou-se e estabeleceu-se esse mundo integrado pela internet. No passado alunos em idade aos que hoje cursam o Ensino Médio acompanhavam - e espantavam-se - com avanços da tecnologia. Inesquecíveis as conversas sobre os feitos de Alan Turing, inglês pai da computação e da inteligência artificial que desvendou os mistérios da comunicação do exército nazista, abreviando o tempo de duração da Segunda Guerra. Que dizer dos cientistas nazistas, a frente deles Wernher von Braun, que construíram o míssil V2 com o qual bombardearam Londres. E foram esses cientistas alemães que, trazidos aos EUA após o fim da Guerra, deram início à construção de naves espaciais, sob o comando e coordenação de Von Braun.
A evolução tecnológica a que estamos assistindo é, de fato, espantosa. Muito ainda haverá pela frente. Obviamente, sempre existirão os adeptos de teorias esdrúxulas tais como os que defendem a Terra ser plana e não esférica. Quanto às dúvidas em relação aos eventos espaciais nada há a se fazer. O fato de estarmos restritos ao solo que temos sob os nossos pés confere a muita gente um tipo de segurança que as incursões espaciais parecem abalar.
O futuro se encarregará de colocar as coisas em seus devidos lugares. Ou não…
Velhice precoce
Inundam a internet fotografias de pessoas envelhecidas através do uso de um app. Personalidades a cujas estampas estamos habituados surgem em perspectiva de como estarão daqui vinte ou trinta anos.
Interessante como o envelhecimento digital desperta a curiosidade das pessoas. Aquela atriz, tão bonita, como estará ela quando a velhice chegar? Esse apresentador de TV a cujo rosto estamos habituados o que o envelhecimento fará com suas feições?
No geral o que se tem são aparências de velhos, com flacidez da pele, rugas, cabelos brancos, enfim o inevitável. Mas, para quê? De que serve a uma pessoa ainda jovem verificar as mudanças provocadas pelo envelhecimento? De que a vida passa sabemos bem. De que a velhice e a morte estarão a postos nos últimos capítulos de nossa existência estamos cientes. Mas, não é que o melhor é viver o agora, aproveitar a plenitude enquanto a temos sem olhar muito em direção à morte?
Envelhecer digitalmente celebridades talvez seja um modo de igualar seres humanos naquilo que tem de perecível. Ao feio talvez importe ponderar que ao belo estão reservadas as mesmas vicissitudes que a ele. Não que se pense nisso ao observar uma fotografia de pessoa envelhecida digitalmente. Mas, o subconsciente se encarrega de colocar as coisas em seus devidos lugares.
Por outro lado, publica-se que o app de envelhecimento talvez ofereça o perigo de servir ao roubo de dados das pessoas que o utilizarem. Não será demais se isso acontecer numa época em que crimes digitais proliferam.
Não sou mais jovem. Caso ainda fosse tenho a impressão de que não gostaria de me submeter ao uso do app de envelhecimento. Não gostaria de me ver como sou agora por melhor que esteja. Fico com a impressão de que os proprietários dessas faces envelhecidas que vemos na internet não devem concordar com esse tipo de publicação. Gente de cinema e TV querem-se jovens diante do público. Comparar o que agora são com a imagem possível do venham a ser talvez não seja do agrado dessas pessoas.
Viagem à Lua
Leio que, ainda hoje, 26% dos brasileiros não acreditam que o homem tenha estado na Lua. Armação dos americanos. Filme, nada mais que isso. Acontece no momento em que justamente se comemora a chegada do homem ao satélite. Há 50 anos, no dia de hoje, partia a nave Apolo na missão que levaria o homem a pisar no solo da Lua.
A história dessa façanha todo mundo conhece. Kennedy prometera que os americanos seriam os primeiros. Venceriam os russos na corrida espacial. De fato, venceram. Quando Neil Armstrong desceu da nave e tornou-se o primeiro homem a pisar no solo do satélite os americanos comemoram o grande feito da sua gente.
Hoje fala-se numa viagem de retorno. Querem alcançar o outro lado da Lua. Mas, a grande meta é Marte. Pelo jeito que as coisas seguem não demorará para que essa aventura venha a acontecer. O desafio faz parte da natureza do homem. Vencer barreiras. Olhar-nos de longe. Chegar a um lugar onde nunca antes. Marte é a meta.
Entretanto, por aqui as coisas seguem um tanto malparadas. Os homens não se entendem. De nada parecem servir as terríveis experiências de duas guerras mundiais. O mesmo homem que avança no espaço é o que se envolve em disputas que, com frequência, terminam em grande mortandade. Vidas perdidas, inutilmente.
De que temos noção sobre a pequenez de nosso planeta diante da imensidão do universo não restam dúvidas. Mas, raramente levamos esse fato em conta. Assistimos a filmes sobre impactos inevitáveis que destroem a Terra, mas nem de longe imaginamos que isso venha a acontecer. Atribuímos à Terra uma solidez que ela, na verdade, não desfruta.
O filme “Impacto Profundo”, de 1998, torna real a possibilidade de que a civilização humana possa chegar ao fim. Descobre-se a trajetória de um cometa em rota de colisão com a Terra. Interessante acompanhar o comportamento dos homens durante a espera da grande catástrofe. Desespero diante do inevitável.
Espera-se a existência de água em Marte. Caso seja encontrada haverá possibilidade de maior tempo de permanência por lá. Enquanto nenhuma viagem tripulada chega ao planeta vermelho fica-se com as aventuras de Flash Gordon no planeta Mongo. Elas nos permitiam, nos anos cinquenta do século passado, imaginar como seria a recepção aos terráqueos longe da nossa Terra.
Na ficção Marte é tido como planeta onde existe civilização avançada. Não é o que nos trazem as imagens obtidas através de sondas que percorrem grandes distâncias para aproximar-se do planeta vermelho. Há poucos dias uma sonda da NASA detectou uma enorme cratera no solo marciano. A fotografia foi tirada a uma distância de 255 km do planeta.
Já a sonda InSight está em Marte desde o final do ano passado. Caso alguém tenha interesse em ver as impressionantes fotografias obtidas através da sonda basta procura-las no Google. Entretanto, afora poeira e pedras não há sinais aparentes de vida em Marte.
1932
Da Revolução de 32 guardei as memórias de meus tios. Muitas vezes ouvi deles narrativas do período em que São Paulo se ergueu contra o governo federal do presidente Getúlio Vargas. As razões da revolta dos paulistas estão esmiuçadas nos trabalhos de vários historiadores. A indignação com a nomeação por Getúlio de um interventor para o Estado que não contava com a concordância dos paulistas está entre as razões da eclosão do movimento. O país não contava com uma Constituição. Inexistiam Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Para um de meus tios era emblemática a sangrenta noite na qual ocorreu o embate entre manifestantes paulistas e tropas federais ligadas ao Partido Popular Paulista (PPP). O evento, ocorrido em 23 de maio de 32, foi uma das razões que desencadearam a Revolução. Na ocasião aconteceu a tentativa de manifestantes de invadir a sede do PPP, localizada na esquina da Rua Barão de Itapetininga com a Praça da República. Os governistas reagiram com fuzilaria e granadas. Como não poderia deixar de ser do tiroteio restaram vítimas. Quatro delas, Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, legaram as iniciais de seus nomes ao movimento que passou a ser conhecido como M.M.D.C. A sigla representava os mártires da causa Constitucionalista. A partir de 9 de julho o M.M.D.C. passou a recrutar voluntários para o combate, dando a eles treinamento, além de arrecadar fundos para o conflito.
Muitas vezes ouvi meu tio repetir os nomes dos rapazes mortos naquele 23 de maio. Repetia-os com emoção. Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo faziam parte do passado não só dele como do povo paulista. De minha tia ouvi sobre a participação das mulheres no conflito. Muitas delas trabalharam na indústria bélica, atuaram como costureiras, enfermeiras, enquanto algumas participaram diretamente dos conflitos.
Um de meus tios participou de combates. Era militar. Distinguiu-se por atos de bravura razão pela qual recebeu promoções em sua carreira militar. Isso soube através de minhas tias porque ele mesmo jamais falou sobre o assunto.
Distanciados em relação ao tempo em que os acontecimentos ocorreram restam-nos as novas interpretações dos acontecimentos que elencam, entre outros fatores, a atuação da classe dominante, as circunstâncias sociais, as dificuldades do trabalho e a incitação o brio dos paulistas. Entretanto, aos que tiveram oportunidade de conhecer pessoas que participaram do conflito restam memórias da emoção com que se recordavam daqueles dias. Mantinha-se naquelas pessoas o amor pelo Estado e a vigência do ideal constitucionalista.
João Gilberto
Em 1958 entrávamos em êxtase com a surpreendente campanha do selecionado brasileiro na Copa da Suécia. Surgia Pelé que se tornaria o rei do futebol. Eram jogadores fantásticos, atuando no 4-2-4. No gol Gilmar defendia as nossas cores. O memorável ataque contava com gente como Garrincha e Didi. Zito mandava no meio do campo.
Naqueles dias, durante a Copa, dei com o Lico na calçada da rua onde morávamos. Falamos sobre a seleção. Quem era aquele Pelé que, através das transmissões radiofônicas, ficamos sabendo tratar-se de um moleque de 17 anos a encantar o mundo com seu maravilhoso futebol?
Do futebol passamos à música. Eis que o Lico me diz que, de modo algum, aceitava o tal João Gilberto. O sujeito não tinha voz. Nem de longe se aproximava de um Orlando Silva, do Vicente Celestino, do Nelson Gonçalves, do Carlos Galhardo…
Nascia a Bossa Nova. Aquele sujeito que cantava de outro jeito, na linha do Mário Reis, mas superior a ele, entrava na vida musical do país, estabelecendo um antes e um depois nos ritmos musicais do país. Verdade que o Jhonny Alf já trazia impressões do novo ritmo. Mas, o João viera para ficar. Já ouvíramos a batida do seu violão naquele “Chega de Saudade”, acompanhando a Alaíde Costa.
O fato é que, até então, vivíamos com o samba. Maravilhoso samba. Quem não se enternecia, ouvindo Ataulfo Alves? Ismael Silva e tantos outros. E as deliciosas marchinhas de carnaval?
Mas, a Bossa Nova se impôs. Ela incorporava novas harmonias à musica, não só a brasileira como a mundial. O jazz americano não resistiu a invasão da Bossa. Lembro-me bem do noticiário, um tanto negativo, em relação à apresentação dos músicos brasileiros que levavam a bossa ao Carnagie Hall. “A Bossa desafinou nos EUA” trazia uma das manchetes. Mas, os grandes do jazz entenderam o recado. Pouco tempo depois foram influenciados pelo novo ritmo trazido por João Gilberto, Tom Jobim e tantos outros.
João Gilberto fez-se celebridade apresentando-se nas principais salas do mundo. Encarou plateias estrangeiras em palcos sofisticados. Só ele e seu violão. Deixou-nos gravações memoráveis de músicas cujas letras sabemos de cor.
Mas, como tudo passa eis que a vida de João Gilberto também se foi. Semana passada deixou-nos. Partiu com o mesmo silêncio que manteve durante toda a sua vida. Ficou essa gigantesca lacuna que só os gênios são capazes de legar quando desaparecem.
Boa viagem João.
Jogo do Brasil
Confesso que já não me atraem tanto as peripécias realizadas em campo durante partidas de futebol. Acontece-me preferir mais ouvir a narrações de jogos que os assistir. Ligo a TV, mas só olho para o vídeo nos momentos em que os narradores enfatizam iminências de gol ou jogadas interessantes.
Nem sempre foi assim. A paixão pelo futebol sempre existiu. Ainda menino fui levado ao Pacaembu para assistir a um jogo entre o São Paulo e o Palmeiras. Tarde de domingo, ensolarada e inesquecível. No Palmeiras atuava um jovem atacante, Mazzola, que, mais tarde, jogaria na Itália. O São Paulo tinha Poy, Mauro… No fim um empate por 0X0.
Naqueles tempos as transmissões pela TV iniciavam-se. A Copa de 58 ouvimos pelo rádio. A terrível excursão da seleção brasileira pela Europa, em 56, também nos foi trazida pelas ondas de rádio. Retenho imagens difusas do jogo de 50, Brasil e Uruguai, no Maracanã. Não chegara ainda ao quarto ano de idade. Mas, tamanha era a euforia com a Copa, realizada no Brasil, que, em todo o país, pessoas se acotovelaram em torno de rádios para ouvir a transmissão da partida. Na sala da minha casa não foi diferente. Momento forte foi aquele em que Gighia anotou o segundo gol que daria a vitória ao Uruguai. Era inacreditável: a seleção brasileira perdia a Copa em pleno Maracanã. Uma grande nuvem de depressão e tristeza passava a pairar sobre os brasileiros.
Mas, o tempo passou. Comemoramos 70 como loucos. Que jogos! Mas, devagar e imperceptivelmente, o interesse pela seleção veio diminuindo. Ao que parece hoje em dia o país não mais se une em torno da seleção nacional. A tal pátria de chuteiras perdeu pelo menos parte de sua antiga força.
Foi com esse espírito que ontem ouvi/assisti ao grande jogo entre o Brasil e a Argentina. Jogo para não se botar defeito. Duas equipes reeditando seus melhores momentos em clássicos do passado. Uma delícia ver Messi jogando. E o fantástico Daniel Alves?
Paixões antigas estão sempre prontas a renascer. O futebol é dessas coisas das quais não nos livramos. No coração do torcedor resta sempre uma última semente a germinar. Pelo que vi ontem a minha semente, que julgava adormecida, segue bem ativa.