Arquivo para outubro, 2019
A saúde na doença
O Bernardo é um sujeito interessante. Sempre gostou de esportes daí o físico de quem malha pelo menos duas vezes por semana. Não faz o tipo entrão. Nem é muito falante. É daqueles que preferem ouvir antes de dar a opinião. Em geral se sai melhor quando o assunto é esporte. Apaixonado por futebol, torce para o Santos. Vez ou outra acompanha o time, vai ao estádio. É fervoroso e sofre nas derrotas.
Não via o Bernardo a algum tempo. Desta vez encontrei-o na rua e paramos para breve conversa. Mas, apague-se tudo o que foi dito no parágrafo anterior. A pessoa que encontrei não era “aquele” Bernardo. O homem diante de mim perdera o viço. Muito magro, abatido, mesmo sua a voz parecia gerada em profundezas pulmonares. Não chegava a assemelhar-se a gemidos, mas fazia-me lembrar deles.
Afinal, o que acontecera ao Bernardo? Onde a força e a disposição de outrora? Não tive coragem de perguntar. Conversamos e nos despedimos rapidamente. Mas, a imagem do Bernardo de agora calou-me fundo.
Foi o Fonseca quem em esclareceu o que acontecera ao Bernardo. Tempos atrás fora diagnosticado com a doença miastenia gravis. Nessa doença o sistema imunitário ataca a bainha de mielina que reveste os neurônios. Com o sistema nervoso afetado começam os sintomas. Incialmente cansaço que evolui para perda de força, fraqueza, dores, alteração do raciocínio e dificuldades motoras. Como a doença não tem cura os sintomas pioram. O diagnóstico se faz com exame de líquor, extraído da medula espinhal, e ressonância magnética. A doença é tratada com medicamentos, exercícios e descanso.
Pessoas que sofrem de miastenia costumam esconder a doença. O receio é que venham a perder seus empregos. Estatísticas mostram que 40% dos pacientes com miastenia estão desempregados.
O Bernardo sempre foi funcionário de um banco estrangeiro. Certa ocasião esteve por três anos nos EUA, trabalhando na matriz do banco. O Fonseca não soube me dizer se o Bernardo comunicou a doença à empresa onde trabalha. Aliás, disse isso e emendou: ele diz que goza de muita saúde na doença.
O garoto de 12 anos
Crimes sempre impressionam. Alguns mais que outros por conta dos detalhes de sua execução. Vive-se a época de ascensão da criminalidade. Há medo. A próxima vítima pode ser você é tão real que cada um teme de fato ser o próximo.
A incontrolável sede de violência parece incontornável. Miséria, pobreza e déficits de educação compõem fértil caldo para ebulição de criminosos. Não há dia em que não se recebam notícias sobre assaltos, latrocínios, assassinatos, balas perdidas etc. E mortes. Inexplicáveis mortes que poderiam ser evitadas caso houvesse melhora das condições sociais e mais segurança. Mas, se mesmo as forças policiais são acuadas e cresce, entre elas, o número de suicídios de seus integrantes… O horror pode não ter limites.
Dias atrás um crime despertou a atenção pelo requinte de quem o realizou. Ao sair de uma sessão de exercícios físicos uma jovem, 19 anos, encontrou seu carro com o pneu furado. Um homem, solícito, ofereceu-se para ajudá-la. Do meio-fio o carro foi levado a uma chácara defronte, local onde se realizaria a troca do pneu. Mas, eis que o tão solícito homem era um criminoso há pouco saído de reclusão. O restante do caso soubesse depois. A moça despareceu. Em desespero a família acionou a polícia e puseram-se a procurá-la. Encontraram o corpo da moça enterrado na chácara. Depois prenderam o criminoso. Ele premeditara o crime, esvaziando o pneu para pegar a moça. Inenarráveis as cenas do pai da moça, inconformado com a brutal perda da filha.
Uma menina de 9 anos está na fila de um pula-pula. É uma festa escolar. Atrás dela um menino que mora na mesma rua que ela. Os dois costuma brincar e estudam na mesma escola. Ela tem dificuldade em se socializar. Há um ano foi diagnosticada com autismo e segue tratamento. Num momento a mãe deixa a menina na fila e vai, com o outro filho, comprar pipoca. Quando retorna já não encontra a filha.
Mais tarde o menino de 12 anos conduz a polícia até um lugar onde a menina é encontrada morta, amarrada a uma árvore. Está desfigurada. Apanhou muito e sofreu pauladas no rosto. Num dos braços traz amarrada uma meia masculina. Crime horrível, violência descabida, ato inumano contra uma criança. Mas, nos interrogatórios o menino acaba confessando ser o autor do crime.
Agora o garoto de 12 anos está na Fundação Casa, deixando, atrás de si, enormes questionamentos. Por que uma criança cometeria tal barbaridade? Será este um caso de desequilíbrio mental? O que fazer com um garoto de 12 anos que poderá, ficando livre, tornara cometer crimes tão hediondos?
O melhor é não ficar a par de acontecimentos como os aqui narrados. Eles nos tornam medrosos, ainda mais inseguros. Tememos por nós e pelos nossos. Pelos filhos, pelos netos, pela família. Pelas pessoas que conhecemos. Por aqueles que não conhecemos e nunca conheceremos. Pelas crianças. Pelo medo de que andem por aí outros garotos de 12 anos dispostos a cometer crimes.