Arquivo para julho, 2020
O cordel
Adoro os livrinhos de cordel. Tenho muitos em casa. Pessoas dotadas para rima, poetas populares, narram “causos” impensáveis. Os temas não são lá muito variados. Personagens muito utilizados são os cornos, as mulheres que traem, feras como tigres, bundas de mulheres, boiolas, pavões misteriosos, padres, peidos formidáveis e assim por diante. Elementos inusuais em narrativas comuns entrecruzam-se numa prosa muito própria, rica em achados linguísticos e, principalmente, muito engraçados. Nas capas dos livrinhos títulos muito atraentes tais como: “Novos tipos de cornos do Brasil”, “O casamento do Boiola”, “A bunda da Chica boa”, “Discussão de seu Lunga com um corno” e assim por diante.
Pois aconteceu agora o 3º Encontro de Cordelistas da Paraíba. Na ocasião mulheres cordelistas se uniram para protestar contra o machismo no cordel. Isabel Nascimento, presidente da Academia Sergipana de Cordel, abriu a reunião, dizendo alto e bom som: “Atualmente, não cabe mais um cordel com viés do machismo, do racismo, da homofobia e de todas as formas de preconceito”.
A oradora recebeu apoio de outras cordelistas e ouviu protestos de alguns homens que disseram sobre a necessidade de todos cordelistas terem uma bandeira só. Terminada a reunião a presidente verificou as repercussões de sua fala. Os homens contrários à igualdade de gênero a malharam; mulheres saíram em sua defesa.
Como leitor de histórias de cordel confesso não ter levado em conta o terrível papel reservado à mulher naquelas narrativas. Talvez levado pelo hábito, “afinal o cordel é assim”, fruía as historinhas como se seus enredos se passassem, talvez, em outro planeta. Não pairava dentro da minha leitura, em busca de diversão, o aspecto do machismo e a profunda deselegância no trato com a mulher.
Fato é que não se pode negar razão à presidente dos cordelistas. Mas, fica a dúvida de que, se dentro das histórias a igualdade de gênero passar a ser respeitada, como passarão a se expressar cordelistas herdeiros de tradição em narrativas machistas que atravessam gerações.
O cordel faz parte do folclore popular e traz em si a inteligência poética que nele encontrou meios para se expressar. Mantê-lo vivo e exuberante é mais que uma simples obrigação. Para isso os cordelistas deverão se entender e achar novos caminhos nos quais o respeito à mulher deve ser considerado. Afinal, o mundo tem mudado em todos os setores, às vezes até assustadoramente. É preciso que o cordel se renove, com muita força e originalidade, coisa de que são muito capazes seus poetas e poetisas.
Supressão de sobrenomes
A imperatriz brasileira, D. Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II, tinha o seguinte nome:
Teresa Cristina Maria Josefa Gaspar Baltasar Melchior Januária Rosalía Lúcia Francisca de Assis Isabel Francisca de Pádua Donata Bonosa Andréia de Avelino Rita Liutgarda Gertrude Venância Tadea Spiridione Roca Matilde de Bourbon-Duas Sicílias.
É de se imaginar que, talvez, ao assinar o próprio nome pudesse se esquecer de alguma passagem. D. Teresa Cristina exerceu a função de imperatriz entre 1843 e 1889, data da Proclamação da República. Nascida em Nápoles e filha do rei Francisco, casou-se na Itália por procuração. De modo que D. Pedro II, imperador do Brasil, casou-se sem ter visto a mulher de quem, aliás, era primo. É de se imaginar a expectativa do imperador ao aguardar a chegada de sua esposa. Segundo informes da época foi grande a decepção do imperador ao avistar a mulher que, na verdade, era feia. Enganaram-me - teria ele dito ao chorar no ombro do mordomo.
Há quem goste de seus nomes, há quem os deteste. Não sendo possível a quem é registrado participar da escolha do nome que levará por toda a vida imprevistos acontecem. É o caso de um cidadão que atende por “Chevrolet da Silva Ford”, outro por “Janeiro de Fevereiro de Março Abril” e tantos outros.
Nas famílias a figura paterna quase sempre é predominante fato que não significa inferioridade das mulheres. Presas a circunstâncias nas quais cabe a elas cuidar da casa e dos filhos, além de atender aos maridos, ficam as mulheres em situação de dependência tantas vezes danosas a elas. Casos de violência doméstica acontecem em grande número. Em boa hora surgiu a Lei Maria da Penha que serve à proteção de mulheres contra agressões de toda ordem.
Há bons e maus pais. Os filhos herdam os sobrenomes do pai, queiram ou não. Muita gente se orgulha do sobrenome que o identifica como membro de uma família. Outros não gostam do sobrenome e adorariam retirá-lo. Pois nos últimos tempos tem acontecido de filhos entrarem na Justiça com processos para retirada de seus sobrenomes. Por detrás dessa atitude sempre existe uma história, em geral envolvendo a ausência paterna e mesmo maus tratos.
Consta que até agora a retirada de sobrenomes era mais difícil. Entretanto, mudanças na legislação tornaram as coisas mais exequíveis daí algumas mulheres terem conseguido retirar de seus nomes o sobrenome paterno. Chama a atenção o caso de uma moça que carrega o sobrenome herdado do pai como um peso que já não pode sustentar. Entretanto, ao se propor a retirá-lo foi censurada pela mãe que lembrou a ela ser hoje o pai um idoso de 80 anos que ficaria extremamente triste.
Há casos de pessoas que se empenham em pesquisas genealógicas cujos resultados nada revelam. Certa vez encontrei, numa biblioteca, um homem que trabalhava na construção de uma árvore genealógica, envolvendo o sobrenome de sua família. Perguntei a ele qual seria esse sobrenome. Ao que ele de imediato respondeu: Silva. Depois acrescentou ter certeza de seu parentesco com o Tiradentes da Inconfidência Mineira. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, seria ancestral daquele homem.
Pensei em lembrar ao desconhecido pesquisador a generalidade do sobrenome “Silva” em nosso país. Mas, percebi que ele estava metido em seus afazeres e nada o demoveria de sua intenção. Será que existe algum de ligação entre todos os Silva?
Os alvos
Atravessa-se a era dos alvos. A todo transe investigações identificam alvos de desvios de grandes somas de dinheiro. Na esteira das identificações seguem-se operações como as de busca e apreensão em domicílios e mesmo prisão dos envolvidos.
As operações da Polícia Federal entraram na moda com a deflagração da Operação Lava-jato que desnudou desvios gigantescos de dinheiro em negócios escusos envolvendo a Petrobrás. Muita gente se beneficiou desses dinheiros, sendo encontradas contas no exterior pertencentes a conhecidos funcionários da estatal e membros da classe política. De lá para cá atos de corrupção em outros meios como governos estaduais e prefeituras têm vindo à luz. Afora negócios escusos de toda sorte como a impressionante falta de caráter ao desviar recursos nas compras de aparelhos respiratórios necessários à ventilação pulmonar de pessoas infectadas pelo vírus Covid-19. Nunca é demais lembrar que a pandemia já matou mais de 80 mil pessoas no país, até agora, e o número de infectados chega a dois milhões.
Bem, todo mundo sabe disso. Entretanto, para além desses fatos o que mais nos surpreende é a verdadeira maratona de pessoas, conhecidas publicamente, que são acusadas de desvios de grandes somas de dinheiro. Políticos de longa carreira no exercício de cargos públicos da noite para o dia têm seus nomes manchados por denúncias de corrupção. Pessoas a quem considerávamos intocáveis são denunciadas publicamente, cabendo a elas defender-se. Infelizmente grande parte dos investigados acabam sendo condenados e muitos até o momento cumprem penas em presídios. Louve-se a Operação Lava-Jato pela devassa realizada na qual foi desarticulada grande cadeia de corrupção.
Mas, ao contribuinte, resta a estranha sensação de que ninguém merece crédito. Confiança em crise e a impressão de que não adianta votar em ninguém. Mudam os governos e os homens, permanece o fantasma da corrupção. Escândalos inadmissíveis surgem à luz do dia como esse da semana passada em que foram localizados, numa operação de busca e apreensão, seis milhões de reais em dinheiro vivo. Seis milhões, simplesmente. Enquanto isso o homem comum, seja lá qual for o estrato social a que pertence, segue na luta para equilibra-se na corda bamba que é a rotina das oscilações da maltratada economia do país. Nos altos escalões, aqueles que decidem, imperam regras nas quais sempre transparece a hegemonia de interesses pessoais sobre a obrigação de agir pelo bem-estar comum.
Por fim fica-nos a pergunta sobre a natureza de homens em que é depositada a confiança de milhões de pessoas e, de repente, surgem com alvos de corrupção. Ao trabalhador assalariado, aos empresários que têm de honrar seus compromissos, a todo mundo enfim, como engolir desfaçatez de tão grande tamanho?
Que futuro nos aguarda?
O Padre
Jesus não ficou velho. Foi torturado e crucificado ainda moço. Era Deus, mas não teve a oportunidade de envelhecer. Como teria sido um Deus envelhecido e com mais passagens narradas nas escrituras? Teria comandado pessoalmente a fundação da Igreja que acabou ficando nas mãos do apóstolo Pedro? Como seria o Cristianismo baseado nas páginas de um Novo Testamento de muitos mais acontecimentos? O Missal que uso nas missas?
O parágrafo acima ouvi de um padre que a todo transe questionava a própria fé. Era ainda jovem, saído a poucos anos da formação seminarista. Culto em teologia tinha ele esse espírito investigativo, como se fora um detetive a buscar respostas mais profundas nas páginas da Bíblia. Foi pároco numa paróquia pequena, mas na qual os fiéis seguiam os mandamentos da lei de Deus. Rapaz de bom aspecto não seria demais dizer dele ser muito atraente. Aliás, foi graças à sua inteligência e postura que uma jovem se apaixonou por ele. Essa jovem nutria pelo jovem padre verdadeira adoração. Não faltava ela a nenhuma cerimônia realizada na igreja. E não era raro que inventasse motivos para visitar o padre na casa paroquial onde ele morava.
Que se saiba o padre jamais se deu ao desfrute de aproveitar-se dela. Entretanto, paixão tão declarada acabou por despertar a atenção de muita gente. As velhas senhoras, carolas, observavam o andamento do caso que já despertava muitas fofocas. Quanto ao padre parecia não se dar por achado. Obviamente, ninguém gozava de intimidade suficiente com o padre para abordá-lo sobre o assunto.
Dirão que se trata e um caso comum que deve ter acontecido em muitas paróquias. Tão comum que não mereceria, passados tantos anos, evocá-lo. Entretanto, o desfecho da aventura da moça que se apaixonou pelo pároco nada teve de comum. Senão vejamos.
Num fim de tarde, como de seu costume, a moça apresentou-se na porta da casa paroquial, chamando pelo amado. Pessoas que presenciaram o fato diriam, depois, que entre os dois travou-se séria discussão. Por várias vezes o padre ergueu a voz com o dedo em riste. A moça chorava. Depois disso a moça partiu, não se antes aproximar-se do amado, tentando beijá-lo, sem sucesso.
Fato é que o padre se recolheu à casa paroquial e não mais foi visto naquele dia. Dai por diante estabeleceu-se a atmosfera nebulosa na qual muitas versões surgiram. Não se sabe o que teria acontecido durante a madrugada. Certo é que, na manhã seguinte, a moça foi encontra nos fundos da casa. Estava morta. Enforcara-se usando uma corda.
No meio do século passado e numa cidadezinha tão pequena não havia meios para realizar-se a autopsia. De modo que se seguiu o enterro da moça debaixo de grande consternação da comunidade. Sendo as coisas como foram a família optou que o esquife fosse diretamente para o cemitério, sem passar pela igreja. Naquele dia o padre se manteve reservado na casa paroquial sem que ninguém o houvesse visto.
No dia seguinte veio de cidade próxima um delegado que chamou o padre para interrogá-lo. Não se sabe ao certo como então as cosias se passaram. Sobre o interrogatório correu o boato de que o padre estivera extremamente abatido e chorara muito diante do policial. Obviamente, negara qualquer participação no episódio. Depois disso o padre desapareceu, deixando atrás de si o que para muitos figurava-se a certeza de ter responsabilidade sobre a morte da jovem.
Os anos se passaram. Certa noite ia eu pela Via Dutra, em direção a São Paulo. A certa altura divisei as luzes de um posto e resolvi parar para um café. No bar, acomodei-me numa banqueta, junto ao balcão, sem reparar nas pessoas que se sentavam ao meu lado. Entretanto, num dado momento, voltei-me para o lado esquerdo e eis que me senti congelar o sangue. Ali estava o padre, agora sem batina, saboreando o seu café. Ele me olhou, mas certamente não me reconheceu. Fui eu quem me apresentei, dizendo sobre a minha cidade de origem na qual ele havia sido pároco.
O padre não conseguiu disfarçar seu constrangimento. Mas, conversamos um pouco e, logo, ele fez menção de se levantar. Nesse momento segurei-o pelo braço e acabei por perguntar a ele sobre ocaso da moça que se enforcara. Mais uma vez ele fez menção de partir, mas, desta vez, segurei-o com mais força. Seja lá pelo que tenha sido o fato é que o padre se voltou para mim, perguntando sobre o que, afinal eu queria interrogá-lo. Acrescentou que o que tinha a dizer já o fizera ao delegado que investigara o caso. Depois disso passou a falar frases nem sempre concordantes, mas que, no conjunto, faziam algum sentido. Foi assim que fiquei sabendo que, naquela noite, a moça fora procurá-lo. Estava transtornada, declarando-se apaixonada. Ele resistira. Depois disso ela saíra e ele fora dormir. Para ele a moça voltara mais tarde com uma corda, entrara pelo fundo e se enforcara. Nada mais que isso.
Estranhei que ele tivesse se disposto a falar, embora a minha insistência. Disse ainda que já não era padre, o fato ocorrido em minha cidade o transtornara a ponto de deixar a batina.
O padre já estava em pé quando arrisquei perguntar se, por acaso, mantivera algum tipo de relação amorosa com a moça que se suicidara. Ele me olhou nos olhos, muito sério, depois se dirigiu até a porta, perdendo-se na noite.
Amigo de cobras
As relações entre seres humanos e animais nem sempre são confortáveis. Há os que amam cães, os que adoram gatos e os que detestam ambos. Na minha família sempre houve muita afinidade com pássaros. Minha tia possuía, no quintal de sua casa, um viveiro no qual mantinha várias espécies de pássaros. A mulher era atenta ao canto deles, deliciava-se com seus trinados. Adorava acordar pela manhã, ouvindo a algazarra da passarada.
Há quem adore papagaios e afins. Um amigo, a quem não vejo a muito, tinha um papagaio ao qual ensinara palavrões. O rapaz vivia sozinho e gostava de ser xingado toda vez que entrava em casa. Mas, também há quem goste de animais estranhos e outros até perigosos. Conheço um homem que cria dois enormes tigres. Ele vive num sítio e se dá bem com os amigos de pelo rajado. Consta que ganha dinheiro com eles alugando-os para propagandas comerciais e participações na televisão.
Gosto de gatos, nunca fui amigo de cães. Aliás, sempre os temi. Acredito que o maior problema em relação a cães não seja propriamente com eles, mas, sim, com seus proprietários. Ontem mesmo noticiou-se que uma criança foi atacada por um pitbull. Criança de cinco anos, sobre um triciclo, dá de cara com um pitbull sem focinheira e enforcador. O responsável pelo cão acreditava na docilidade do animal que não correspondeu à sua crença: mordeu a bochecha da criança, causando graves ferimentos.
Mas, às cobras. Na minha infância vivi em lugarejo cercado por muito mato. Era, então, comum a presença de animais, alguns indesejáveis como cobras. Daí a existência de vários acontecimentos relacionados a essa categoria de animais. Num deles uma senhora sentava-se ao vaso do banheiro quando viu entrar, pelo vão embaixo da porta, um urutu cruzeiro. Foi um Deus nos acuda: desespero da mulher, porta arrombada e grande dificuldade para dar cabo ao animal.
Hoje noticia-se sobre um rapaz, morador da região do Distrito Federal, a quem se atribui a propriedade de dezesseis cobras raras. Aconteceu a ele ser picado por uma delas, a naja. Essa cobra não existe em nosso país. Sobre ela consta ser extremamente perigosa, não sendo agressiva, mas atacando para se defender. Seu veneno é mortal passados apenas sessenta minutos de sua inoculação em seres humanos. Por enquanto o proprietário da naja encontra-se hospitalizado e em estado grave embora tenha recebido o soro antiofídico específico para najas.
O caso de todo inusitado chama a atenção para os cuidados relativos aos perigos de convivência com animais perigosos. Em algumas regiões do país é comum a presença de animais peçonhentos como cobras, escorpiões etc. Manter crianças e adultos ao abrigo da possibilidade de serem atingidos por seres dessa natureza é cuidado indispensável para evitar acidentes indesejáveis.