Arquivo para setembro, 2020
Naufrágios
Naufrágios sempre despertam atenção talvez por ser insondável o destino de embarcações que se acomodam nas grandes profundezas marítimas. Vidas e destinos de tripulantes e passageiros são incorporados a histórias de tempestades, mares agitados quando não a erros humanos que desencadearam catástrofes.
Entre todos o caso do RMS Titanic é seguramente o mais icônico, talvez pelas circunstâncias de lançamento ao mar de um navio considerado indestrutível ou, ainda, pelo fato da colisão com um iceberg ter desencadeado o naufrágio. O naufrágio aconteceu entre 23h40min - 2h20min de 14-15 de abril de 1912. 1514 pessoas morreram e 710 conseguiram se salvar. O acontecimento entrou par a história, sendo até hoje lembrado quando se fala de navios naufragados. O filme Titanic trouxe às telas imagens realistas dos acontecimentos daquela noite de 1912. O RMS Titanic encontra-se no fundo do mar e desperta o interesse de empresas e mergulhadores que dele se aproximam em incursões exploratórias.
Menos falado, mas sempre citado, foi o afundamento do vapor alemão MV Wilhelm Gustloff no qual morreram quase 5 mil pessoas. O vapor foi atingido por míssil enviado por submarino russo, em 30 de janeiro de 1945. Era um navio de cruzeiro transformado em navio hospital durante a guerra. Quando foi atingido nele viajavam 10582 pessoas entre tripulantes e passageiros.
Com alguma frequência fala-se sobre naufrágios. No momento o assunto tem aparecido na mídia por conta do naufrágio do MV Golden Ray, ocorrido em 8 de setembro de 2019 na costa da Georgia, EUA. Nesse cargueiro estavam 4 mil carros que foram parar nas águas marinhas. Agora divulga-se que o cargueiro naufragou devido à carga mal posicionada o que teria gerado instabilidade e deixado seu centro de gravidade muito alto.
Durante a Guerra das Malvinas, em 1982, um submarino nuclear britânico afundou o cruzador argentino General Belgrano provocando a morte de 323 marinheiros. A disparidade de forças disponíveis entre britânicos e argentinos era por demais conhecida. Entretanto, a ditadura argentina declarara guerra contra forças que não reuniam condições de enfrentar, sendo certa a derrota.
A conhecida rivalidade entre brasileiros e argentinos hoje em dia talvez esteja restrita ao futebol. Na ocasião da guerra era certamente maior. Entretanto o afundamento do cruzador argentino foi aqui recebido com espanto e tristeza. Naquele momento irmanamo-nos com sul-americanos agredidos.
A derrota
Quando pequenos é difícil acostumar-se com a ideia de derrota. Meu neto torce para o São Paulo que experimenta prolongada má fase. O time não conquista nada a bom tempo. Somam-se fracas atuações isso para desespero da grande torcida tricolor. Meu neto tem oito anos e sofre com o time. Dias atrás desesperou-se quando o São Paulo tomou um gol logo no início de uma partida.
Para mim as derrotas vieram muito cedo. Era muito pequeno quando do 4×2 da Hungria sobre o Brasil na Copa de 1954. Fiquei sabendo depois, mas passei os anos seguintes acreditando que o Brasil fora espoliado por um certo Mr. Ellis, árbitro da partida. Era comum afirmar-se sobre um ladrão quando de algum roubo: “deu uma de Mr. Ellis”.
Mas, a verdade acabou por se impor. Aquela seleção húngara era o que havia de melhor. Tinha, entre outros, o grande Puskas. O Brasil contava com grandes jogadores, mas ainda sem a organização que seria vitoriosa em 58.
Numa época em que a todo custo precisávamos granjear projeção internacional - Brasil desconhecido, terra do arco e flecha - eram poucos os ícones de representatividade reconhecida no exterior. Eder Jofre, boxer peso galo, ídolo no país, seguia com sua carreira de campeão mundial. Pois me vem nítida a memória do dia em que Eder enfrentou, no Japão, Fighting Harada. A luta se travou na noite japonesa, manhã no Brasil. Eu acabara de desembarcar do bonde da Estrada de Ferro Campos do Jordão no qual viajava, diariamente, para frequentar as aulas do ginásio local. Ainda na plataforma da estação ouvi pessoas falando sobre a derrota de Eder. Perdera por pontos com jurados parciais. Até hoje se discute se o resultado foi correto. Eder era o campeão, talvez o melhor teria sido o empate. Mas, estava-se no Japão que queria e ficou com o título.
Não há como descrever a tristeza do rapazote sentado num dos bancos da estação. Eder fora derrotado. Resultado inaceitável, fosse pelo que fosse.
Mal sabia eu que ali se iniciava o longo período da vida no qual vitórias e derrotas se alternariam de modo sempre surpreendente. Entretanto, ainda não consigo aceitar derrotas como acontecimentos “normais”. O ser humano não foi gerado para o fracasso, essa a índole de uma espécie afinal vencedora no planeta.
Domingo passado, ao presenciar meu neto constrangido diante do gol sofrido pelo São Paulo, me vi inclinado a dizer a ele que, afinal, a vida é isso mesmo, vitórias e derrotas viriam. Mas, me calei. Será o futuro a dizer e ensinar a ele as regras desse jogo confuso que é estar vivo.
Fugindo da Terra
Nos tempos que correm é comum ouvir-se sobre a possibilidade de mudança do país. Ah, se eu pudesse… E muita gente vai mesmo. Há quem quebre a cara como divulgado sobre brasileiros que se desencantaram com Portugal e nem mesmo dispõem de dinheiro para a passagem de volta. Por outro lado, há os que saem daqui e se adaptam muito bem à vida no exterior. Miami é destino comum.
Ah, se seu pudesse. Fosse mais novo teria coragem de deixar o país e tentar a sorte no estrangeiro? Talvez. O Brasil, terra que amamos, tem cansado demais o seu povo. Desanimado a quem vive do trabalho. O problema são as amarras que nos prendem a uma série de circunstâncias. Família, negócios, encargos…
Mas, volta e meia nos chegam notícias mais desafiadoras que a simples mudança de país. Não é que seguem em andamento projetos de colonização de Marte? E agora que descobriram na atmosfera de Vênus a fosfina, substância que só existe onde se encontram seres vivos? Vida em Vênus? Vênus colonizável? O problema são os 450º de temperatura em Vênus. Mas, sabe-se lá o que o futuro distante nos reserva.
De todo modo explorar o espaço faz parte da natureza aventureira do homem. Existe, sim, uma incrível curiosidade de ver-nos de fora. Olhar-nos, ver a o lugar onde vivemos, mas do espaço. Daí existirem projetos turísticos de viagens suborbitárias nas quais os ilustres passageiros poderão experimentar sensações que, seguramente, não estarão à disposição do comum dos mortais.
A Virgin Galatic, empresa de voos espaciais, está desenvolvendo aeronaves para turismo intergaláctico. Os testes estão em andamento e caso sejam bem sucedidos o primeiro voo terá lugar no final de 2021. O problema é o preço das passagens: cerca de 1 milhão de reais. Mas, não se espantem: cerca de 600 pessoas já compraram ingressos, entre eles gente famosa como Leonardo di Caprio, Tom Hanks e outros. Essas pessoas poderão chegar à altitude de mais de cem quilômetros e, depois de ver tudo do espaço, retornar à Terra.
Nada se fala, ainda, sobre a segurança da viagem. Imagina-se que os primeiros turistas espaciais deverão ser dotados de alguma coragem. Depois, caso tudo dê certo, esse tipo de turismo se tornará rotineiro. Relatório do banco suíço UBS estima que, nos próximos 10 anos, o turismo especial será uma indústria de US$ 3 bilhões.
Ao espaço, portanto.
Na velhice
A Rede Globo demite alguns ícones de sua programação. Estão velhos. Ganham muito e a muito não participam de produções. Os fãs reagem. Surge a pergunta: no lugar de um sessentão contratarão duas pessoas de trinta?
Fato é que a paisagem vai mudando. Novas caras nas telinhas e no mundo. O lugar reservado aos velhos só encolhe. Velho é velho, ainda mais com suas chatices.
Nos comentários que surgem as opiniões são expressas por pessoas mais jovens sobre os velhos. O cronista que escreve sobre as choradas demissões de Tarcísio Meira e Glória Menezes certamente tem menos idade que eles. Trata-se do presente, olhando para o passado.
Mas, e quanto ao que acham e sentem os velhos? Que acham e sentem eles sobre a paulatina exclusão da qual não podem escapar? Pode não ser regra geral, mas paira certo ar de aceitação, senão conformismo. A velhice é um gigante contra o qual faltam aos velhos forças reais para combater. Verdade que existem fases. A tinta no cabelo, os exercícios, cuidados com a saúde etc., tudo isso contribui para a manutenção da jovialidade que dia-a-dia escapa. Até quando as forças decaem irreversivelmente: é o fim.
Para quem chegou até aqui, na velhice, muitas coisas são claras e inegáveis. De fato, não há como negar que essa máquina, o tal do organismo, não foi feita para durar para sempre. Assim, o declínio é inevitável. Para cada ser humano o declínio assume características em acordo com sua complexão física e possíveis cuidados tomados ao longo da vida. Fumou, não fumou, bebeu, não bebeu, doenças anteriores etc. Não é tão simples assim, mas passa por isso.
Entretanto, o grande problema é “estar na velhice’. Sentir-se incorporado ao batalhão de reservistas que, não muito adiante, deixarão esse mundo. Perceber no próprio corpo mudanças irreversíveis contra as quais pouco se pode fazer. Enfim, “ser velho”.
Nisso se pensa toda vez que as pernas doem e fraquejam, quando a respiração se torna mais ofegante, a cada visita ao médico que nos prescreve a lista de medicamentos sem os quais já não se pode viver.
Mas, apesar disso tudo, a ideia não é converter a velhice em período sempre depressivo. Há que se manter a flegma. Sobreviver. O segredo é não desistir. Nunca. Não custa nada ter sempre em mente coisas boas da vida, mesmo quando já não se possa desfrutá-las integralmente.
Celebridades
Talvez por desatenção não tenha reparado se antes da atual pandemia valorizava-se tanto o corpo como agora acontece. Nos sites dos grandes meios de comunicação diariamente o assunto “boa forma do corpo” é noticiado, acompanhado de fotos nas quais mulheres esculturais exibem seus atributos. São fotografias nas quais são realçadas formas exuberantes como seios, nádegas e por aí vai. Fulana está em Búzios e mostra o resultado de sua malhação diária… Sicrana e o namorado na praia, curtindo o sol, exibindo seu belo corpo.
Do outro lado das telinhas estão os olhos que, queiram ou não, sempre passam por essas notícias. A febre que envolve o dia-a-dia das celebridades parece não ter fim. Artistas globais publicam selfies agora que estão em casa reclusas por conta da pandemia. Influencers, youtubers e toda sorte de novos arrebanhadores de seguidores destacam isso e aquilo cuja importância nem sempre é relevante.
A atração por celebridades é mais que imã, arrastando seguidores. O que há é a imensa curiosidade sobre seres que parecem figurar como não pertencentes ao planeta em que vivem os mortais comuns. Basta embrenhar-se um pouco na internet para encontrar vídeos sobre o estilo de vida de atores de cinema. Se você quiser conhecer o estilo de vida de Leonardo di Caprio, basta um click no mouse. Tempos mais que pós-modernos.
Isso sem falar no extenso noticiário sobre sexo. Especialistas no assunto escrevem sobre orgasmo feminino, pudores, entregas alucinantes, traições, multiplicidade de parceiros, brinquedos eróticos, simulações, vícios, masturbações etc. Para tudo existe algum tipo de abordagem, quando não aconselhamentos. Não raro alguma mulher que tinha lá seus impedimentos concede entrevista para relatar como se livrou de suas amarras e agora experimenta o bom e delicioso sexo. Pessoas de mais idade são avisadas de que a vida sexual não termina aos sessenta, sendo possíveis orgasmos formidáveis na velhice. Tudo isso você pode encontrar agora, agorinha mesmo, nas primeiras páginas de importantes sites.
Entretanto, não se está aqui a fazer denúncias, mesmo condenar o que acontece. Nada de rotular como errado coisas decorrentes de estilos que já existiam e agora se acentuam. Mas, de expressar alguma estranheza diante daquilo que nos é colocado goela abaixo.
As celebridades são, inquestionavelmente, cercadas de grande curiosidade. São ícones e nada se pode fazer em relação a isso. Está na internet um vídeo no qual uma motocicleta aparece encostada na traseira de um carro estacionado. Policiais param para atender o que pode ser possível ocorrência. Acontece que a moto pertence ao ator norte-americano Keanu Reeves. Eis que num dado momento o ator aparece para se entender com os policiais. Está com boné, barba crescida, quase irreconhecível. Mas, é Keanu Reeves! No que ele surge o trânsito praticamente para. Curiosos se agrupam para vê-lo e assistir ao desenrolar dos acontecimentos. No fim tudo dá em nada. A moto não causara dano ao veículo contra o qual se apoiava. Então, Keanu senta-se na moto, que demora a pegar, depois parte. Vida de celebridade.
A nova Babel
Pelo Gênesis, primeiro livro da Bíblia, somos informados que os descendentes de Noé, após o dilúvio, passaram a construir a Torre de Babel. A obra seria uma forma de comunicação com Deus. O Todo Poderoso, entretanto, destruiu a torre por não aprovar a soberba dos homens. E não ficou só nisso: o Senhor castigou seu povo, confundindo sua língua e o espalhando pela Terra. Seria essa a origem das diferentes línguas faladas pelos homens.
Babel é sempre citada quando se fala em confusão, quando as pessoas não se entendem. É provável que isso aconteça desde que o homem é homem. Faz parte da natureza humana a diversidade de espíritos, parcelas diferentes de vaidade, ausência de solidariedade e defesa de interesses. O mundo é como é, os homens são como são e inexiste a perspectiva da existência sem conflitos. As regras sociais funcionam como barreiras dentro das quais cada um se vê obrigado a amoldar-se às exigências da vida em sociedade. Obviamente, muita gente descamba para ações que infringem os códigos de conduta tidos como aceitáveis. Deriva daí a multiplicidade de crimes aos quais assistimos tantas vezes estarrecidos. Ainda nos surpreende o fato de que seres humanos sejam capazes de atos inaceitáveis que atentam contra não só a vida como à dignidade das pessoas. Exemplo recente são os desvios de recursos destinados ao socorro de milhares de vítimas da pandemia provocada pelo Covid-19. Enriquecimentos ilícitos se dão às custas de milhares de vítimas cujos óbitos se dão por falta de atendimento, equipamentos médicos e assim por diante. Desvios de milhões por bandidos engravatados.
De que o mundo tenha sido sempre assim não restam dúvidas. Entretanto, com a atual sofisticação dos meios de comunicação passa a existir maior celeridade na divulgação de notícias. De fato, a cada minuto nos chegam informações de todo o mundo, sempre atualizadas. Talvez justamente por isso escancara-se aos nossos olhos essa que pode ser caracterizada como uma nova Babel. Fato é que ninguém se entende. Bipartidarismos, racismos, fobias e a adesões a teorias que até a pouco pareciam em vias de esquecimento, ressurgem com muita força. Daí estarem em voga os adeptos do nazismo, do fascismo, a ressurreição dos ultras, as negações do óbvio, os regimes totalitários, as fake news etc.
Os homens de hoje falam-se através de códigos conflitantes. Líderes mundiais governam em acordo com interesses restritos aos países que governam, estimando conflitos com quem deles discorda. A harmonia entre países fica seriamente prejudicada.
A Babel bíblica nunca deixou de existir. No mundo que parecia escolado após duas grandes guerras erguem-se vozes discordantes que, volta e meia, beiram inícios de novos conflitos. E esses acontecem. A Síria é só mais um triste exemplo.
A nova Babel é o mundo, o futuro cada vez mais incerto.