Arquivo para fevereiro, 2021
No fim
Pessoas conhecidas agonizam. Uma delas está na fase dos cuidados paliativos. Com metáteses torácicas e abdominais nada mais resta a fazer senão aliviar o sofrimento.
Impossível não lembrar dessa mulher que agoniza ao tempo de sua mocidade. Inteligente, interessada, estudiosa, a melhor aluna da turma. Educada, sempre tinha um sorriso nos lábios.
Depois da formatura afastamo-nos. Só a revi há cerca de cinco anos em reunião agendada pelos antigos companheiros. Envelhecida, matinha a elegância e urbanidade. Tratou-me com lhaneza e conversamos sobre coisas passadas ao tempo da escola.
Difícil imaginá-la agora em seu leito de morte. A essa situação foi levada pelo câncer, sempre o maldito câncer. Doença terrível na qual, infelizmente, muitos pacientes são levados a óbito. Destaquem-se os muitos avanços na terapia do câncer e a dedicação de profissionais que cuidam de pacientes cancerosos.
Acompanhar os dias finais de pessoas para quem já inexistem esperanças é doloroso. Difícil aceitar a situação daqueles a quem amamos quando reduzidos a situação terminal. Mais difícil, ainda, assistir ao sofrimento que só a morte pode encerrar.
Discute-se muito a eutanásia. No Brasil a eutanásia é crime previsto em lei como assassinato. Existe atenuante no caso de vir a ser realizada a pedido da vítima. Nesse caso há redução da pena para período de 3 a 6 anos.
Nossa formação é sempre em favor da vida, jamais em prol da morte. Mas, há situações que nos fazem pensar. Se por um lado não queremos nos desligar de entes queridos, por outro há que se considerar a inexistência de reversão de um quadro de muito sofrimento. É claro que a realização da eutanásia implica em vários aspectos, mas para quem está ao lado de pessoas para quem nada mais há a fazer a situação se resume na consideração sobre a duração do período de sofrimento.
Minha colega agoniza. É possível que de hora para outra chegue a notícia de seu passamento. Que vá em paz. Sua vida será sempre exemplo para os que a conheceram e conviveram com ela.
Cotidiano
Resistência a escrever. Abro o Word, vejo a tela em branco e nada. Por quê? Tenho pensado nisso. Afinal se há anos tenho rabiscado aqui algumas letrinhas como justificar tão prolongada pausa? Desistência?
Depois de algumas ponderações creio ter me aproximado de alguma explicação: trata-se de recusa a pensar o cotidiano. Tamanha a crise que enfrentamos e tão monumentalmente desregradas as medidas tomadas na condução do país que o melhor é submergir, tapando olhos e ouvidos.
A prova de redação da FUVEST, no último domingo, teve como tema pergunta sobre a desordem no mundo. Os vestibulandos deveriam analisar o contexto atual e opinar se há ordem ou desordem no mundo. Não sei o que terão escrito, mas acho difícil ver ordem em meio à confusão reinante.
Talvez as gerações precedentes tenham imaginado que a sociedade humana seguiria evoluindo em direção à ordem e a paz. Calcavam-se eles no possível aprendizado com a experiência adquirida em dois conflitos mundiais. Nesse caso não se levou em conta a entropia gerada pela dependência das ações do homem. O homem é insaciável na luta pelo poder. Quem nega a isso?
Passados alguns séculos do início do domínio humano no planeta, superadas em parte necessidades básicas, tendo em vista os formidáveis avanços na área da tecnologia, não há como não observar tantas conquistas com muito desdém. Escancaram-se as desigualdades sociais, as políticas vantajosas aos mais ricos, o desprezo para com as minorias, as revoltas quase sempre sufocadas, a fome… A impressão é a de algo que não só não deu certo como a de que não terá condições de vir a dar certo.
Abrir a janela pela manhã e encontrar o dia ensolarado ainda surge com prêmio. O mundo é pleno de belezas, a natureza pujante. Mas, há algo de errado nisso tudo, algo que nenhuma doutrina consegue explicar inteiramente.
Tristeza tricolor
Podem até achar que não passa de grande idiotice essa paixão pelo time a quem entregamos o coração. Mas, paixão não é mesmo coisa razoável.
Essa paixão pelo time é coisa arraigada em nosso modo de ser. É coisa da qual não se consegue livrar, por mais que se queira. Um amigo a quem muito prezo separou-se da mulher. Ele não queria, ela impôs. Ele era louco por ela, sofreu o diabo. Passado bom tempo eis que hoje o amigo está com outra mulher, feliz da vida. Não se trata de troca porque esposas não se prestam a isso. Respeito.
Podem existir casos em que um sujeito passa a torcer por outro time. São raros. Nos tempos do Santos de Pelé era impossível não gostar daquele time. Assisti, no Pacaembu, a uma goleada do Santos sobre o Corinthians. Estadio lotado pela torcida corintiana. Torciam pelo Corinthians, claro. Em dado momento Pelé e Coutinho fizeram tabela e Pelé anotou um gol de placa. Os corintianos foram obrigados a se render: aplaudiram. Beleza é coisa que se impõe e ponto final.
Tudo isso para dizer que sou irremediavelmente são-paulino. Não há como me livrar desse tormento. Quando menino sofria, acompanhando transmissões de jogos do São Paulo pelo rádio. Mais tarde no Morumbi, estádio em que assisti a um dos primeiros jogos lá realizado. A região era quase desabitada, só uma parte das arquibancadas fora construída. E choveu, choveu muito naquela tarde.
Times de futebol têm história. O São Paulo conta com passado de muitas glórias, campeonatos mundiais etc. Daí a enorme tristeza de ver a camisa tricolor ser tão vilipendiada, desrespeitada.
Dói demais acompanhar o desastre a que a incompetência e o desamor submetem nossa paixão coletiva. Desesperançados dizem que o São Paulo se apequenou a tal ponto que já não há retorno para crise de tal dimensão.
Mas, coração é coração. Sofre, mas acredita. Quem sabe, daqui a alguns anos o tricolor consiga voltar, pelo menos um pouco, ao que um dia foi.