Arquivo para março, 2022
Exercícios
Ouço, diariamente, reclamações quanto à preguiça e consequente inatividade física. O tempo é curto, muito trabalho, enormes responsabilidades etc. Daí que não sobram nem uns poucos minutinhos para frequentar academia, trazer um personal para atividades em casa, caminhar etc.
Tenho que essa história de fazer ou não exercícios depende de fatores ligados à personalidade de cada pessoa. Tem gente que adora praticar, outros nem pensar. Esses últimos, entretanto, deixam-se entregar à repetição da lamúria sobre estarem parados e as consequências advindas dessa condição. Fato é que não se encaixam nas atividades físicas programadas. Acontece, mesmo, inscreverem-se em academias, pagar mensalidades e aparecer muito de vez em quando até, simplesmente, desistirem.
Em relação a esse assunto recordo a máxima atribuída a Neuzinha Brizola, filha do grande político Leonel Brizola, já desaparecido. Dizia ela: “quando tenho vontade de fazer ginástica eu me deito e espero passar”.
Até os meus 30 anos de idade não pratiquei nenhum esporte. Então comecei a correr num parque. Foi progressivo. Vencidos os primeiros quinhentos metros, cheguei aos mil, aos dois mil, até os quinze ou vinte. Adorava correr. Parei quando a minha coluna vertebral discordou da intensidade das corridas. Restaram as caminhadas.
Conheço gente que acorda de madrugada para exercitar-se. Um grupo de ciclistas se reúne às 4:30 da madrugada para seguir trajetos de vários quilômetros. Entre eles está um advogado, meu conhecido, que afirma fazer isso porque seu dia é de trabalho intenso. Ele adora pedalar…
Atletas profissionais de todo o mundo empenham-se em treinamentos, visando competições nas quais só os melhores se sobressaem. Mas, a maioria das pessoas pratica algum tipo de esporte ou atividade física por esporte ou, como se diz, para manter a forma. A prática regular traz benefícios à saúde. De modo que para quem se nega aos exercícios fica a dúvida quanto à disposição e bem-estar que seriam, talvez, melhores caso se dedicassem a praticá-los.
Quase parando
Verdade que atualmente a turma do esporte se aposenta mais tarde. Talvez porque disponham de recursos mais avançados de preparo físico. Importam - e muito – as características individuais que, em alguns casos, permitem carreiras surpreendentemente longevas.
Verdade, também, que o passado nos mostra casos de atletas que se aposentaram tarde. Zizinho - o mestre Ziza - foi campeão paulista, jogando pelo São Paulo, em 1957. Tinha ele então 37 anos e, depois disso, ainda jogou por um tempo.
A caso da aposentadoria de Pelé não deixa de ser interessante. Em 1970 era já era “velho” para a seleção. Tinha então 30 anos… Aos 34 anos aposentou-se do futebol brasileiro. Aos 35 foi contratado pelo New York Cosmos e só parou mesmo aos 37 anos.
Para quem atua no esporte o difícil mesmo é saber quando parar. Reservamos, sempre, um suspiro de tristeza quando observamos grandes nomes do esporte bem próximos do final de suas carreiras. Atletas que ocuparam nossas atenções por longo período, pessoas a quem admiramos, de repente desaparecem da cena diária, ficando vazios nem sempre bem preenchidos.
No momento fala-se sobre a proximidade de aposentadoria de Cristiano Ronaldo, Rafael Nadal, Lebron James, Leonel Messi e alguns outros. A eles certamente devemos momentos de verdadeira magia. Quando pararem farão falta, deixando-nos a buscar quem os substitua.
Mas, a vida é assim. Como tudo, a atividade no mundo esporte tem começo, meio e fim. Ficam as memórias que não se apagam. Vão-se os homens, permanecem os seus feitos, alguém já nos alertou sobre isso.
Dostoievsky
Imagino que as gerações mais recentes não se aprimorem no hábito de leitura. O encantamento com meios eletrônicos seria uma das causas. A molecada é fissurada nos joguinhos eletrônicos. Alguns desses jogos transformaram-se em verdadeira febre, veja-se o caso do Fortnight.
Além do que fato é que no geral das residências inexistem livros. Vai longe o tempo em que, após o jantar, conversava-se sobre assuntos interessantes, incluindo-se livros e seus autores. As novelas da TV também contribuíram para deslocar o interesse para as tramas exibidas na telinha. O mundo mudou, não é mais aquele. Devorar páginas inteiras de livros tornou-se anacrônico. E, pelo que se sabe, os livros eletrônicos ainda não fazem parte do hábito das pessoas.
O que é uma pena. Ficam, assim, os jovens alijados da magia da boa literatura. Não conhecerão os grandes escritores russos, por exemplo. Gogol, Tchekhov, Tolstói, Dostoievsky… Perde-se muito com essa verdadeira alienação.
Entre nós de grande importância foram os volumes da “Antologia do Conto Russo” obra de fôlego, em nove volumes, organizada por Otto Maria Carpeaux. Serviu ela como introdução á literatura daquele país. A ela foram acrescentadas traduções de romances de vários autores. Desse modo, ainda jovens, tínhamos já uma razoável iniciação sobre a literatura russa graças ao excelente trabalho de Carpeaux.
Entre os grandes escritores russos difícil - ou impossível - dizer qual o preferido pelos leitores. De minha parte sempre tive Dostoievsky como leitura obrigatória. Impossível esquecer “Crime e Castigo” no qual Raskolnikov convive com seu crime e a pressão psicológica que o atormenta. E que dizer de “Recordação da Casa dos Mortos”. E quanto a “Os irmãos Karamazoff”?
Dostoievsky é um monstro da literatura. Daí que surge como grande ofensa à memória do escritor a reação em voga por ocasião da invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora a condenação do mundo ocidental ao que Putin determina não se pode estender ao povo russo a ojeriza provocada pela guerra. Daí soarem incongruentes, por exemplo, pedidos ao prefeito de Florença para derrubar a estátua de Dostoievsky que existe na cidade. Seria manifestação de repúdio à invasão da Ucrânia determinada por Putin.
Infelizmente crescem manifestações contra russos e suas coisas, atingindo até a parte culinária - lê-se até sobre boicote ao estrogonofe. Entretanto, espera-se a volta do bom senso. A estátua de Dostoievsky deverá permanecer onde está em nome de algo que chamamos de civilização.
Gente estranha
De que existe todo tipo de gente não se discorda. Acho que foi o Caetano quem disse que de perto ninguém é normal. Para começar, uma análise mais profunda exigiria rigor quanto ao conceito de normalidade. Dizer que “normal” é o mais comum não basta. E por aí vai.
Sempre repito o caso vivido por ocasião de uma passagem de ano numa capital do nordeste. Convidado para a festa conheci, durante o evento, um sujeito boníssimo. Boa prosa, educado, extremante simpático. As coisas só saíram do prumo quando conheci a mulher do gajo e falei bem dele a ela. A mulher sorriu, disse que o marido era ótimo exceto por um probleminha: ele tinha por hábito esperar que todos da casa adormecessem para só depois ir à cozinha e desligar a geladeira. Fazia isso todas as noites, religiosamente. Então voltava para cama e dormia. A mulher esperava que ele adormecesse para então ela ir à cozinha religar a geladeira. Não poderia perder os alimentos armazenados.
Convivi durante anos com um homem extremante correto que trabalhava na área da Justiça. Homem nascido no começo do século 20 vestia-se com esmero, era educado e cortês. Nos domingos permitia-se um ou dois goles de alguma boa cachaça e isso era tudo o que poderia se dizer sobre sua personalidade sempre afeita ao comportamento exemplar. Entretanto, eis que esse senhor tinha lá a sua “loucura”. Nos dias quentes em que hordas de mosquitos invadiam o ambiente, divertia-se ele em colocar veneno para esses animais num pires e observá-los nos momentos em que, atraídos, ficavam à mercê da substância que os mataria.
Acontece que, nesse caso, a morte não é súbita. Os pequenos animais se debatem sob ação do veneno, tentando levantar o já impossível voo. Pois àquele senhor essa batalha entre a vida e a morte, o sofrimento dos mosquitos ao dançar a fúnebre valsa do fim, tudo isso era de seu extremo agrado. Não se continha o senhor em gestos e palavras ao assistir àquele ritual da morte dos animaizinhos.
Como dizia um amigo de meu pai, há muito desaparecido, cada um com o seu peru.
Na rota
Todo mundo morre. A morte é a única certeza absoluta que temos. Seja quem for, rico ou pobre, gênio ou retardado, fato é que a morte o espera no fim do túnel da vida. Essas frases são repetidas à exaustão. Muito sabidas. Muito evitadas porque, estando vivos, pouco queremos saber da morte.
Mas, ela existe. Tem levado humanos em quantidades a perder de vista. Quando se procuram informações sobre alguém no Google encontram-se datas de nascimento e morte, a última exceto se o pesquisado ainda estiver vivo. Por exemplo: Paul Samuelson, Nobel de Economia em 1970. Nasceu em 1915 e morreu em 2009. Deixou-nos obras importantes, inclusive aquele livro sobre economia usado nas universidades. Foi consultor de John Kennedy e Lindon Johnson. Mas, embora brilhante, não pode evitar a morte.
De modo que estão todos na rota, alguns distantes, outros próximos. Há os que são surpreendidos por doenças graves, acidentes etc. Esses alcançam o extremo final antes, precocemente. Há, também os longevos, a turma que encara os 90 ou mais, desdenhando daquela que mais cedo ou mais tarde os submeterá.
Mas, por que falar sobre essas obviedades? A questão de se aproximar do fim começa a incomodar a partir de certa idade. De repente o velhote olha para o espelho e encara a realidade, deixa de ver o costumeiro rosto jovial. Em verdade esse rosto já desapareceu há tempos, mas os tão benignos olhos… É quando emerge a pergunta: até quando? Enfim, mais quanto tempo seguindo na rota em direção ao fim? Pior: como será morrer? Haverá sofrimento? Haverá alguma coisa após a morte? Existirá o barco de Caronte para a travessia até o Hades?
Perguntas sem respostas. Disso tudo a única e terrível certeza de que, mais adiante, em certo dia…
Em Kiev
Há pouco tempo exibiu-se na TV uma visita de repórter à Ucrânia. Vimos um povo pacífico, ordenado, mas preocupado. Sobre eles pesava a mão russa que, promessa feita, um dia os atacaria. Jovens ucranianos falaram de suas expectativas e do amor ao seu país. As imagens mostravam um país seguindo adiante, modernizando-se.
Putin tornou suas ameaças realidade. A Ucrânia está sendo invadida pelo exército russo. Assistimos a isso em tempo real dada a divulgação constante de imagens pelos meios de comunicação.
O homem é um ser construtor. Leva meses ou anos para levantar prédios enormes, ruas, praças, cidades. Organiza-se socialmente. Convive com suas diferenças e vai levando a vida do jeito que ela se apresenta. O problema surge quando a ordem é quebrada. Imagens de um prédio destruído pela ação de bombardeios não combinam com a ideia de construção. Surgem elas alarmantes aos nossos olhos. Quando recebemos a notícia de que o maior avião de cargas do mundo, estacionado num aeroporto, foi atingido isso nos faz perder o fôlego. Mas, pior que tudo isso é assistir, ainda que de longe, às injustificáveis mortes na população civil e mesmo nas forças de combate.
A destruição provocada pela guerra deprime e revolta. Não há sentido ver desabar em segundos algo que se levou tanto tempo para construir.
O cerco dos russos à capital Kiev se agiganta. Os ucranianos resistem com bravura, defendendo seu território. Milhares de pessoas emigraram, buscando refúgio em outros países.
Não sai da memória a fotografia de um grupo de mulheres portando armas, prontas para combate. Não pertencem elas à esfera militar. São civis que lutam pelo solo onde nasceram.