Arquivo para abril, 2022
Notícias fúnebres
Devo a um tio minha curiosidade em relação a notícias fúnebres. Homem culto e leitor de jornais diários tinha ele, por hábito, consultar as notas fúnebres. Vez ou outra vinha o tio avisar que falecera “Fulano de Tal”. Inútil perguntar a ele se conhecera o falecido. Obviamente não, não, não tinha a menor ideia de quem fosse. Mais tarde vim a compreeender que era a finitude da vida, a morte em si que incomodava o meu, tio.
Sou assíduo leitor de jornais. Embora hoje se possam assinar edições digitais aindJosé prendo à leitura dos impressos. O volume de papel nas mãos simula segurança sobre a veracidade do que se lê. Dirão que isso é bobagem, uma coisa nada tem a ver com a outra. Verdade. Mas que fazer se nesse caso é o velho hábito quem comanda não só a ação como, também, a impressão?
Pois, página depois de página eis que se abre aquela em que estão as notas fúnebres. Não há como dobrar essa página e passar à seguinte. A força dela está na parte inferior, junto ao rodapé. Ali ficam os nomes dos ilustres desconhecidos, os tais “fulanos” que nos deixaram. Seus nomes constam de uma lista para a qual olhamos com alguma piedade, piedade essa talvez mais forte em relação a nós mesmos.
Penso que gente como meu tio e eu não somos aficionados das notas fúnebres por simples curiosidade ou mesmo acaso. Talvez as leiamos para nelas procurar nossos nomes, certificando-nos de que continuamos vivos, ainda não desertamos deste mundo.
Quase desnecessário dizer que certo dia o nome de meu tio figurava na lista. Sim, estava lá, com todas as letras, sim era ele mesmo que morrera e tornara-se mais um “fulano de tal”.
Quanto a mim, sigo lendo jornais e dando atenção às notas fúnebres. Esperando pela minha vez de me tornar “fulano de tal”.