A Sagração da Primavera at Blog Ayrton Marcondes

A Sagração da Primavera

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A primavera vem aí. Chega na próxima terça-feira e põe fim ao inverno que já vai tarde. Não que eu não goste do inverno: é a minha estação favorita, pois o frio convida à interiorização e reflexão. As rajadas de ar frio arremessadas às praias dos estados do sul trazem mensagens do pólo e, com um pouco de imaginação, pode-se até ouvir os diálogos dos pinguins. Entretanto, nos últimos anos toda a beleza dos invernos do sul tem sido mascarada por fenômenos climáticos não observados no passado, pelo menos com tal intensidade. O fato é que passamos a falar a linguagem dos grandes ventos, tufões e tornados, das casas destelhadas, das avalanches, dos desabrigados, dos soterrados, das mortes provocadas por fenômenos  atmosféricos impossíveis de serem controlados. Por trás disso tudo as grandes mudanças ambientais que afetam a temperatura, o ciclos dos ventos e das chuvas, as correntes marítimas e toda sorte de fatores que resultam em desequilíbrio dos ecossistemas naturais.

Mas, eis que chega a primavera e, com ela, a expectativa de tempos de bonança. Trata-se da estação das flores e da grande atividade dos agentes polinizadores que sugerem aos homens trocas de favores e compreensão.  A primavera também nos devolve o compositor russo Igor Stravinsky que a revista Time considerou uma das 100 pessoas mais influentes do século XX. Da vasta obra de Stravinsky destacam-se as peças que fomentaram o movimento modernista, justamente as três que a ele foram encomendadas pelo empresário Sergei Diaghilev para serem representadas pelos Ballets Russes, em Paris. Uma delas é “A Sagração da Primavera (Le sacre du printemps)”, cuja estréia, em 1913, provocou um verdadeiro motim e mudou os rumos das obras de vários compositores daí por diante. Foi “A Sagração da Primavera” que caracterizou Stravinsky  como revolucionário musical.

Ícone da música erudita e marco inicial do modernismo, “A Sagração da Primavera” é um balé em dois atos no qual se conta a história de uma jovem que deve ser imolada ao Deus da Primavera para que a sua tribo tenha boas colheitas. A genialidade de Stravinsky impõe um sacrifício para que o cotidiano de uma comunidade tribal seja bem sucedido e me leva a pensar no que poderíamos fazer para transformar o próximo dia 23 de setembro, início da primavera, num marco de mudanças nesse vasto mundo em que reina tanta insensatez.

 A idéia é, obviamente, absurda: os homens não são atores e o mundo não é um grande palco onde a tragédia humana seja exibida em dois atos ao ritmo de um balé. Mais que isso, falta-nos um grande compositor. Mesmo que deixemos Deus de parte dessa conversa, a verdade é que o mundo anda carente de pelo menos um grande regente capaz de aliar a dominação econômica dos países e das grandes corporações ao bem-estar das populações.

Por essas razões a primavera chega, mais uma vez, a um mundo conturbado e que está a exigir, como na peça de Stravinsky, um enorme sacrifício para que as coisas sejam acomodadas em seus devidos lugares e se possa viver bem e com dignidade. Então a corrupção será banida, o dinheiro público utilizado com parcimônia, haverá redução da criminalidade, os políticos colocarão os interesses coletivos acima dos individuais, haverá mais igualdade e por aí afora.

Você pode bem achar que todas essas colocações estão mais para o discurso do Dr. Pangloss, o incorrigível filósofo otimista que nos foi legado por Voltaire. Como se sabe Pangloss era preceptor do jovem Candido a quem ensinava que, mesmo com tantas desgraças acontecendo, esse era o melhor dos mundos.

Talvez você tenha razão, mas o fato é que a primavera está chegando e não custa nada sonhar um pouco, só um pouquinho.



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