Observando o mar
Finalmente céu azul e muito sol. Na orla da praia banhistas de todas as épocas, metidos em roupas de banho, bronzeiam-se e deixam-se acariciar por ondas tépidas e calmas. Olhando para o vasto mar não é impossível sobrepor gerações de banhistas a divertir-se de um mesmo modo, sugerindo ao observador de hoje que o tempo passa, mas o homem é sempre o mesmo e assim será até o fim dos tempos.
Esses dois jovens que acabam de passar, a que geração pertencem? Estarão vivos, ainda, velhos e andando por aí? Que terá sido feito de seus sonhos? Realizaram-se? Estarão ainda juntos, talvez encerrados numa mesma cova, eles e seus sonhos?
Ou divago e não reconheço jovens que estão por nascer e passarão por esse mesmo lugar daqui a alguns anos, abraçados e sonhando com um futuro ao qual também eles pertencem?
E quanto ao observador? O observador de hoje está sentado num banco de pedra, defronte o mar. Ele pertence a uma galeria de observadores do passado e do futuro, testemunhas do cotidiano de diferentes épocas. Há 50 anos, o dia 27 de setembro de 1959 foi exatamente um domingo como este. Na época o observador de plantão lia nos jornais sobre a estrondosa recepção feita, quatro dias antes e nessa mesma cidade de Santos, ao então candidato à presidência da República, o ex-governador de São Paulo senhor Jânio Quadros. Jânio foi recebido no porto por uma multidão que lotou o armazém de desembarque de onde seguiu, em um carro aberto de bombeiros, até a Praça do Mercado, onde fez um breve comício. Eram os tempos do governo Juscelino e, talvez, a história do Brasil fosse outra se aquele Jânio aclamado pela multidão no Mercado não fosse eleito para a presidência, coisa que de todo escapava ao observador de 1959.
Já o observador de hoje lê nos jornais opiniões de analistas que condenam a diplomacia brasileira por abrigar Manuel Zelaya na embaixada do país em Honduras. O que se diz é que o fato atrapalha os planos do Brasil de tornar-se um líder mundial. Ao observador a presença de Zelaya parece conflitar com a noção de soberania nacional dado que Zelaya assumiu o controle da embaixada com seus seguidores. Assim, no território nacional em Honduras há um líder estrangeiro no comando, sendo que os quatro funcionários brasileiros da embaixada não têm como administrá-la.
Mas a crise hondurenha vai passar, assim como Jânio passou e os observadores passaram e passarão. Restarão as manhãs de sol aos domingos, os homens indo e vindo sobre a areia, saindo e entrando em épocas, sonhando com vidas passadas e futuras, até que num domingo qualquer talvez nada mais exista na paisagem além de um imenso vazio sem história, banhado silenciosamente pelas águas do mar.