Adeus a um amigo
O Dito Neves morreu nessa madrugada de enfarte. Era desses caras que não carecem de obituário: fez em vida um pouco de tudo, da valentia à passividade, da mesura ao gesto violento, da arrogância a esse jeito tão dele de conformado.
Nunca esteve no meio termo e, se parou nele, foi como o equilibrista que dá um breque na andança sobre a corda, isso lá pelas alturas do vigésimo terceiro andar. No mais, atacou sempre pelos extremos, indo e vindo na velocidade de um cérebro arredio e sempre em estranhamento com as coisas do mundo.
Foi o que foi. É impossível para qualquer de nós que o conhecíamos deixar de vê-lo com o seu terno e gravata, sorriso de mofa nos lábios, maneirismo estudado, um gentlemam de repente convertido a qualquer seita dirigida por uma bela mulher, pronto a professar uma fé que a conduzisse ao leito. Mas não se pense que era mulherengo! Não! Antes, foi um soldado que jamais fugiu ao compromisso de homem - conforme alertava.
Certa vez perguntei ao Dito Neves. – ele que se meteu em tanta briga de rua – se era capaz de matar. Não pensou muito. Olhou-me com o jeito do professor que se prepara para uma lição e veio com essa de que sempre bateu para matar, o diabo é que ninguém havia morrido.
Então é tarde e penso que essa é a primeira noite do Dito Neves no cemitério, debaixo da terra. Penso nele frio, dentro do seu terno, sem sorriso, sem nada, sem histórias. Acabado. Me vem a certeza de que ele riria desse texto, acharia perda de tempo, absurdo. Quase me comovo ao constatar esse fato, mas me ocorre que o texto sobre a morte dele é tudo que me resta e posso fazer, agora que ele se foi e está lá debaixo da terra, dentro do seu terno húmido, enquanto continuo aqui, lembrando e esperando.