Sonhos
Há quem sonhe muito, existe que não sonhe. Pessoas sonham séries de acontecimentos com continuidade entre um episódio e outro. Há quem sonhe prevendo ocorrências futuras. Tudo é possível quando os olhos são fechados e começam as horas de sono durante as quais não temos contato com o mundo real.
Quando estudante, morei numa república de rapazes separada por um muro alto de uma república de moças. Certa noite um dos meus amigos pulou o muro, esfolando-se todo. Ato contínuo entrou na república das moças e dormiu com uma delas que, pelo visto, aceitou na boa a presença dele.
Na manhã seguinte o meu amigo voltou para casa contando não saber explicar como foi acordar na cama da nossa vizinha. Afirmava ele não se lembrar de nada, nem mesmo do que teriam feito durante a noite. A partir desse dia passamos a chamá-lo de “Sonâmbulo”. O interessante é que a moça, em cuja cama ele acordou lembrava-se muito bem dos detalhes da ocorrência. Tão bem que se apaixonou por ele. Casaram-se quando o curso terminou. Ainda são casados.
Sou desses caras que sonham, embora não tenha no meu currículo passagens de sonambulismo. Nunca pulei muros, nem dormindo, nem acordado - é bom que se diga. No passado tive alguns sonhos em série, num deles visitando cidade no exterior na qual fiz amigos que revi, anos depois, novamente em sonhos. Daí que penso ter algum crédito para falar sobre sonhos, dado que pertenço ao clube dos sonhadores imaginosos.
Arre. Certa vez sonhei que levei um tiro no peito e aquilo doeu de verdade. Acordei assustado, respirando com dificuldade, afinal eu tinha morrido há poucos instantes. Logo, o mal estar passou e, sentado sobre a cama no escuro, cheguei a me divertir pensando estar no outro mundo, um lugar sem luz. Não gostei de imaginar a eternidade no escuro daí optar por acender a luz do abajur e retornar depressa ao mundo dos vivos. Na manhã seguinte o meu cardiologista fez uns exames e me recomendou beber menos vinho antes de me deitar.
Freud dizia que os sonhos são a interpretação dos desejos. Os psicanalistas possuem inúmeras ferramentas de análise tendo como base os sonhos. Mas, se tudo isso for correto, se sonhos relacionam-se mesmo com desejos, creio que no momento estou querendo falar com os mortos.
Como? Ora, tenho sonhado com pessoas que já morreram. Vez por outra estamos, eu e elas, em situações complicadas e trocamos idéias conflitantes. Trata-se de pessoas a quem conheci, algumas delas parentes. Ao acordar lembro-me bem dos nossos diálogos e penso se de fato não os tivemos enquanto essas pessoas estavam vivas. O cérebro, afirmam os especialistas, é uma caixa de surpresas e pode ser que eu tenha armazenado em alguns circuitos neuronais informações referentes a diálogos passados. Agora, entre uma crise de enxaqueca e outra, os impulsos elétricos que percorrem os neurônios talvez tenham se desgovernado e seguido rotas abandonadas, reativando idéias e lembranças. Do que se pode concluir que temos um trenzinho dentro da cabeça, percorrendo rotas que geram pensamentos, às vezes optando por seguir caminhos abandonados. A memória é despertada, portanto, por um trem que corre solto nas trilhas de neurônios interligados.
Termino dizendo que não acredito nessa história de conversar com os mortos. Nego, também, veementemente, qualquer desejo de minha parte de rever pessoas que passaram desta para a melhor. O gênero fantástico só me atrai enquanto opção literária; não quero e nem me interessam contatos ou confirmações da possibilidade de vida após a morte.
Só isso.
Durmam bem. Bons sonhos para todos vocês.