O fantasma do Chile
Salvo engano parece-me que os homens públicos que se notabilizaram por atos condenáveis, quando não inaceitáveis, têm vida mais longa nas memórias, sendo citados com mais frequência. O mais marcante exemplo desse fato é, sem dúvida, Adolf Hitler, cujo nome tornou-se sinônimo de barbárie, daí sobreviver por tanto tempo não havendo perspectiva de que venha a ser esquecido.
Degraus abaixo de Hitler estão os ditadores que atuaram e atuam em períodos marcadamente violentos da vida dos povos de diversos países. Nesse sentido, o caso da América Latina é exemplar. De fato, nas décadas de 60 e 70 instalaram-se no continente sul-americano ditaduras militares que se caracterizam como regimes totalitários fechados, responsáveis por perseguições políticas e torturas. Esses regimes proliferaram sob o beneplácito dos Estados Unidos numa história que ainda não foi verdadeiramente contada.
Não deixa de ser curioso que, pelo menos aparentemente, a ditadura militar brasileira tenha legado à posteridade marcas menos impactantes que as impressas pelas ditaduras argentina e chilena. Existiu, sim, no Brasil um quadro violento de repressão, tendo as mãos do Estado de então alcançado e punido exemplarmente contestadores e dissidentes. Não ficou o Brasil isento de perseguições de fundo ideológico, encarceramentos, torturas e pessoas desaparecidas. Entretanto, talvez pela natureza do povo brasileiro, decorridos cerca de 20 anos do fim da ditadura o assunto figura como pertencente ao passado: realmente não se volta a ele a todo instante.
O mesmo não acontece em relação à Argentina e o Chile, países em que os cadáveres dos sangrentos períodos ditatoriais continuam insepultos. A Plaza de Mayo localizada defronte a Casa Rosada, em Buenos Aires, continua a receber, as “Madres de la Plaza de Mayo”; recentemente o governo da presidente Cristina Kirschner autorizou testes de DNA, visando identificar crianças que foram doadas durante o período de repressão; e os envelhecidos generais, membros de governos militares, ainda são processados e condenados.
Já o Chile continua a ser assombrado pelo fantasma do ditador Augusto Pinochet. A figura do presidente socialista Salvador Allende suicidando-se no Palácio de La Moneda, quando sob o ataque de tropas militares golpistas comandadas por Pinochet, parece ser um filme sem fim. Isso é o que se observa ainda nos dias de hoje quando as eleições presidenciais chilenas apontam para um retorno da direita ao governo.
Próximo ao palácio governamental de La Moneda, em Santiago, existe uma estátua de Salvador Allende. Ele parece estar ali para garantir que o retorno à democracia chilena, ocorrido há 20 anos, persista. Mas quem circula por Santiago hoje em dia percebe o receio popular de que isso possa não acontecer. Afinal, a direita pode vencer as eleições e quem sabe uma estátua de Augusto Pinochet apareça na cidade, dando forma em bronze ao fantasma que tanto assusta ao povo chileno.