O cortador de cana relata
É um rapaz moreno, gente boa, conversador do tipo que puxa assunto. Quer porque quer ser agradável. A certa altura pergunta:
- Quantos anos o senhor acha que tenho?
Olho o rapaz de alto a baixo e respondo:
- Você tem mais ou menos 30, acho que é por aí.
Ele sorri. Depois diz que está acabado, tem só 21 anos. Acrescenta que o que acabou com ele foi o serviço de cortador de cana:
- É duro, muito duro. O dia inteiro debaixo desse sol do nordeste. E para ganhar o que se ganha…
Interessado, pergunto:
- Diga aí, quanto se ganha?
- Depende. Se a pessoa trabalhar na usina recebe o salário mínimo. Agora, se o trabalho for para fornecedor o salário depende da produção. É assim: o serviço é contado pelo número de feixes de cana cortados, cada feixe pesando 10 Kg. Para cada 100 feixes a gente recebe 8 reais.
- Mas - digo a ele – 100 feixes de 10 Kg correspondem a uma tonelada.
- Então, senhor, veja aí: um bom cortador, dos melhores, consegue duas toneladas e meia por dia, o que dá 20 reais. Mas, isso se o cara for muito bom.
- Quanto produz um cortador, em média? – pergunto.
- A maioria se acaba com uma tonelada e meia.
- Ou seja, em média um cortador de cana ganha 10 reais por dia – concluo.
Ele me olha demonstrando alguma tristeza e diz:
- É. Porém, acontece que a balança do cara que pesa não é das boas, sabe? Ela nunca dá os 10 Kg para o feixe que pesa. Daí que nem sempre se chega aos 10 reais por dia.
A conversa termina aí. Penso em 10 reais por dia de trabalho, nos 300 reais de salário mensal e em homens cortando cana debaixo de sol inclemente. Penso, ainda, nas estradas de terra esburacadas e nos homens que trafegam por elas, em geral em velhas bicicletas, no escuro, voltando dos canaviais. Por fim, penso no Brasil, na imensidão territorial do país, nos povos que habitam as suas terras, nos discursos dos homens que detêm o poder e em mim mesmo, impotente e despreparado para compreender tão grande desigualdade.