Abraços Partidos
“Abraços Partidos”, o mais recente filme do cineasta Pedro Almodóvar não pode ser incluído entre as suas produções mais iluminadas. De fato, a história de um roteirista/diretor de cinema cego – Harry Caine - em muitos momentos descamba para um artificialismo desnecessário.
Harry Caine é um diretor de cinema que logo de começo avisa-nos de que, no passado, foi Mateo Blanco. Essa divisão entre duas personalidades do protagonista sinaliza dois planos de narrativa. No primeiro deles, que transcorre no passado, Mateo Blanco dirige uma comédia, chamada “Garotas e Malas”. Para estrelar “Garotas e Malas” Mateo escolhe Lena (Penelope Cruz), mulher de um rico industrial que se torna o produtor do filme. No segundo plano narrativo está Harry Caine, o roteirista cego, cuja ação se passa no presente. Assim, a trama se desenvolve nos dois planos: é do presente que Harry Caine nos informa, por meio de vários flashbacks, o que aconteceu a Mateo Blanco e a razão de sua morte. A isso se acrescenta o conhecido recurso “filme dentro de um filme” que abre inúmeras perspectivas narrativas.
A intenção primeira de Almodóvar é a celebração de sua paixão pelo cinema, o que, aliás, faz através de várias referências a filmes e cineastas. Não por acaso Lena assume ares de Audrey Hepburn e Harry Caine tem esse nome provavelmente numa homenagem ao ator Michel Caine.
Pedro Almodóvar é antes de tudo um grande contador de histórias. Sua lente é sempre poderosa ao flagrar personagens em suas circunstâncias imediatas, adensando-se o drama vivido por elas em seu cotidiano. A habilidade de Almodóvar em expor, em toda intensidade e expressão, a tragédia vivida pelas personagens está definida com grande precisão em “Abraços Partidos”. É através de um verdadeiro meandro de pequenas histórias que chegamos ao fulcro de toda a trama, ou seja, a paixão de Mateo Blanco por Lena, paixão esta que embasa toda a ação do filme e confere sentido a ela. Aliás, diga-se, Penelope Cuz está exuberante no papel de Lena, vivendo intensamente o que pode ser definido como a desdita da personagem.
Colocadas as premissas anteriores é hora de justificar a afirmação de que “Abraços Partidos” não é das produções mais iluminadas de Almodóvar. Na verdade não se trata só de certo grau do artificialismo inicialmente apontado. Talvez seja o caso de dizer que se trata de uma história bem contada demais. De fato, existe no filme uma necessidade imperiosa de explicação de todos os detalhes. Desse modo, não se dá ao espectador muita chance de especular, isso quando certas conclusões não se antecipam por óbvias demais. A cena em que Harry Caine se reúne num bar, no dia do seu aniversário, com sua secretária e agente Judit (Blanca Portillo) e o filho dela, Diego (Tamar Novas) é emblemática: é preciso explicar tudo, esclarecer as razões de tantos acontecimentos do passado e não se pode dizer que isso seja feito com naturalidade. De repente é como se abrissem as comportas de uma verdade duramente represada e que vem à luz de uma só vez para definir o que será a vida dos protagonistas daí por diante. Tudo bem que seja assim, mas ressalte-se a referida falta de naturalidade. No fundo a cena nos lembra certas histórias policiais nas quais o final consiste numa reunião entre policiais, bandidos e o detetive protagonista que acaba esclarecendo o crime.
Mas, que não se retire de “Abraços Partidos” o fato de ser um filme acima da média. É preciso reconhecer que caso não fosse um filme de Almodóvar, talvez não se procurasse na trama os defeitos que apresenta. Entretanto, essa é a sina com a qual são obrigados a conviver os grandes cineastas: deles sempre exigimos mais e mais, exagerando um pouco quando não os vemos em plena forma.
Talvez também seja o caso de dizer que Pedro Almodóvar nos acostumou mal, daí cobrarmos tanto desse formidável cineasta.