A dor de dente dos jogadores at Blog Ayrton Marcondes

A dor de dente dos jogadores

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O pau comeu no bar da esquina, perto de casa: um cidadão comemorou o gol da Coréia em meio a fanáticos torcedores do Brasil que assistiam ao jogo pela televisão. O rapaz do quarto andar do prédio onde moro, aquele que anda sem camisa para mostrar a enorme tatuagem no braço, estava lá e me contou que deram uns sopapos no tal cidadão. Não aconteceria não fosse a cervejada - disse-me o rapaz.

Talvez, talvez. Certa vez fui assistir a um jogo no Morumbi entre São Paulo e o Botafogo de Ribeirão Preto. Na época o anel superior do estádio era identificado como arquibancada – hoje me parece que é geral. Pois comprei uma “bancada” de um cambista e lá fui eu para o anel superior, sentando-me no meio da torcida tricolor. Acontece que fui para o estádio sem pensar no assunto e, na ocasião, vestia uma camisa verde. Foi o que bastou para o pessoal da torcida organizada determinar que eu fosse um palmeirense infiltrado. Depois de muita discussão, não tive outro remédio: tirei a camisa verde e me arranjei com uma do São Paulo que os organizados me deram. Tive sorte: os caras ainda estavam sóbrios, a cervejada veio depois e aí eu já estava integrado.

O rapaz da tatuagem no braço me disse que o cidadão que apanhou não tinha jeito de torcedor da Coréia. Nem olho puxado ele tinha - disse o rapaz. De minha parte, não sei não. Hoje em dia não se pode confiar em ninguém. Não vi o cidadão, mas pode bem ser que ele seja algum estrangeiro que esteve na Coréia ou coisa assim e se apaixonou pelo lugar. O mais provável, porém, é que seja alguém que se irritou com o jeito de jogar do Brasil e tomou a arriscada decisão de torcer contra, bem ali, dentro do bar.

É possível. Leio nos jornais que há gente torcendo contra porque tem arrepios só em pensar que, se o Brasil for campeão, o Dunga poderá ser eternizado no cargo de técnico da seleção. Aliás, escrevem que essa seleção é a cara do técnico: burocrática, laboriosa, empenhada e nada criativa. Isso equivale mais ou menos a dizer que os onze do Brasil jogaram com dores nos dentes, daí que queriam que a coisa terminasse logo para ir ao dentista. Ou coisa parecida. Mas, que os dentes atrapalharam, isso atrapalharam como se viu, tal o desapego dos valentes rapazes com a bola durante o jogo.

E os coreanos? Rapaz, sobre os coreanos o melhor é apenas dizer que são coreanos, embora eu não seja capaz de distingui-los de outros povos orientais. No fim, como se diz por aí, é tudo japonês e pronto. Agora, quanto a chutar bola pode-se dizer, sem medo de errar, que os coreanos não são do ramo. Não faria diferença se a bola fosse só um pouquinho mais achatada ou coisa que o valha. Ainda assim, um daqueles caras de uniforme vermelho de repente arrancou e meteu a bola nas redes brasileiras. Foi quando o tal cidadão comemorou ali no bar da esquina e foi agraciado com uns sopapos em nome na nacionalidade brasileira ultrajada.

O rapaz do quarto andar não vestiu a camisa para entrar no elevador. Entramos no de serviço e, notando que ele estava arrepiado, perguntei se não estava com frio. A resposta dele foi estranha:

- Pô, os nossos jogadores aguentaram sensação térmica de 5º abaixo de zero.

Não compreendi bem a relação de solidariedade e não dissemos mais nada.

Depois do jogo, na televisão só se falava da seleção. Vi jogadores dando entrevistas e pensei em dentes cariados. Jogar com dor de dente é duro, tolhe a criatividade, a coisa não anda e até a Coréia vira ameaça. Só uma coisa assim pode explicar a atuação dos brasileiros.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 junho, 2010 às 7:01 am

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