Ainda a seleção
Estão sendo levantadas as mais variadas hipóteses para explicar a derrota da seleção na Copa do Mundo. É hora de encontrar culpados para que se exorcize o fracasso. Infelizmente o tempo parece passar muito devagar, deixando largos espaços para a curtição. No fundo o que se quer é esquecer, retornar às competições regionais e empolgar-se com a fúria dos clubes. Todo mundo sabe que o melhor remédio para a derrota é uma rápida vitória que distraia a atenção.
Dunga e sua trupe foram demitidos, mas resistem a converterem-se em passado: ainda estão nos noticiários e Dunga exibe aquela sua certeza olímpica de ter feito o seu papel com acerto. Se não deu, não deu. Pena que esse simplismo envolva as esperanças de toda a torcida brasileira.
Das muitas teorias que tenho lido e ouvido sobre a derrota da seleção a que me pareceu mais interessante foi a de um senhor que mora aqui no prédio. Habitualmente carrancudo, nos últimos dias ele tem-se dado o desfrute de sorrisos contidos e alguma fluência no palavreado. De fato, deixou de lado os breves acenos de cabeça para revelar-se torcedor aflito da seleção em busca de uma explicação que o satisfaça em relação ao que denomina “a tragédia da África do Sul”.
Devo reconhecer que a explicação do meu vizinho, se não consistente, é engenhosa. Apela ele para a posição do Brasil no mundo, relacionando-a com o atual insucesso da seleção. Para ele o Brasil sempre foi um país atrasado, subdesenvolvido, daí a energia nacional canalizar-se para setores onde a genética do povo mostrou-se mais favorável. Entre esses setores, o esportivo - em particular o futebol - tornou-se, ao longo dos anos, parte da alma nacional e expressão máxima da nacionalidade. Não por acaso o país converteu-se em pólo exportador de craques e alcançou resultados expressivos em competições internacionais.
A coisa foi bem até que o país começou a romper com o seu calamitoso passado: de subdesenvolvido a emergente, de excluído a membro dos principais grupos econômicos do mundo. Com passos rápidos o Brasil se torna uma potência ainda que internamente persistam as desigualdades etc.
Ocorre que para tudo nesse mundo há um ponto de equilíbrio e a balança pende para um ou outro lado, isso não se pode evitar. Segundo o meu vizinho o peso da melhora do país teve como resultado natural a perda de motivação para outras formas de expressão, entre elas e principalmente o futebol. Já não se precisa das chuteiras para lembrar ao mundo que o Brasil existe. Tal constatação, ainda que subliminarmente, incorporou-se ao modo de ser dos jogadores brasileiros sob cujos ombros já não pesa a responsabilidade de provar que o Brasil existe.
- Por isso aconteceu o fracasso e era natural que assim fosse – decretou o meu vizinho.
No fim perguntei a ele se a sua teoria poderia ser usada para prever o próximo campeão mundial. Ele não pensou para responder:
- O Uruguai.
Tentei ponderar que das equipes que disputarão as partidas semifinais a do Uruguai é a menos provável, porque mais fraca. Disse a ele que, em minha opinião, a Alemanha está jogando muito, daí reunir condições para vencer a Copa do Mundo. Ao que ele respondeu:
- Você está se esquecendo da balança. O Uruguai é o Brasil de ontem. O país precisa da vitória para dizer que existe e isso fará da seleção uruguaia a campeã do mundo.
Não nos dissemos mais nada. Não preciso dizer que acho isso uma loucura, mas não nego que ficarei intrigado se a seleção uruguaia sagrar-se campeã mundial.