As amigas
São duas mulheres, uma loira, outra morena, ambas próximas dos 50 anos. Saem juntas, uma faz companhia à outra. Realizadas, trabalham em lugares diferentes, mas se encontram com muita frequência.
Nada há de errado com essas duas mulheres alegres sempre dispostas a puxar conversa e dividir experiências. Falam um pouco sobre tudo, vez por outra deixam transparecer algo sobre si mesmas, mas, discretas, nada perguntam sobre a vida de seus interlocutores.
É assim que saem pelo mundo, viajando juntas, fazendo amizades ocasionais que não passam de conversas passageiras sem qualquer ato posterior.
O que impressiona nas duas mulheres é a felicidade que demonstram, embora acompanhada de uma pitada de artificialidade resultante, talvez, de assuntos mal resolvidos no passado. Mas é preciso conversar bastante para se detectar leves falhas no discurso delas, falhas que, de repente, expõem o outro lado da alegria.
Foi assim quando conversamos com elas. Houve um instante em que a loira falou sobre o seu celular dizendo que o desligara durante a viagem, livrara-se dele. Ah, sim, antes fizera um telefonema aos seus pais avisando que chegara bem do vôo, mas, depois disso, não mais se comunicara com ninguém. E acrescentou:
- Ah, sim, eu sempre fui muito certinha sabe? Agora a minha filha está morando em outro estado e estou me soltando mais.
É só quando ela diz isso que reparamos nas roupas mais transadas que ela usa, vestimentas que já não combinam tanto com ela. Mas tudo fica bem, segue com está, a conversa continua até que nos despedimos e eu digo à loira as cortesias de sempre finalizadas com a frase “um bom passeio para a senhora”. Ao que ela me olha inquieta e pede que, por favor, não a chame de senhora, mas a essa altura já nos afastamos, talvez nunca mais vejamos essas duas mulheres, elas que são tão alegres e viajam juntas.