Professor Bernardo Beiguelman
Tive a honra de ser aluno do Prof. Bernardo Beiguelman ao tempo do meu curso de graduação em medicina. Era o professor Bernardo titular de Genética Médica, matéria em relação à qual desenvolveu inúmeros trabalhos. Geneticista renomado, perfil de cientista, o Prof. Beiguelman idealizou, na década de 60, a criação do departamento de genética médica da Unicamp.
Em Bernardo Beiguelman salientava-se, sobretudo o aspecto humano. Alto e muito claro, sempre com seus óculos de lentes grossas devido à miopia, era um homem alegre que tocava violino e gostava de reunir-se com amigos. Sua relação com alunos pautava-se pelo interesse particular por cada um. Lembro-me muito bem das aulas do Prof. Beigueman e de sua metodologia de ensino. Baseava ele o curso de genética num livro de sua autoria. Cada aula correspondia à abordagem de um capítulo do livro; os estudantes deveriam estudar o capítulo antes da aula e, ao chegarem, eram submetidos a uma prova valendo nota. Depois de realizada a prova seguia-se a aula do Prof. Beiguelman que se estendia sobre assunto previamente estudado pelos alunos. Não havia como não aprender genética.
Certa vez, durante uma aula, alguns alunos mostraram-se desatentos e conversaram entre si. Na ocasião o Prof. Beiguelman interrompeu a aula e disse algo que me marcou para sempre:
- Quero dizer que não estou aqui por acaso. Não cheguei aqui por acaso. Antes de dar aulas em um curso de medicina, lecionei em todos os níveis. Lutei, portanto, para chegar onde atualmente estou.
De fato, não foi por caso que o Prof. Bernardo Beiguelman alcançou a condição de geneticista renomado. Formado em história natural pela USP, doutorou-se me ciências biológicas. Na própria USP tornou-se livre-docente e, durante vinte anos, foi conselheiro da Organização Mundial de Saúde.
A última vez que travei contato com o Prof. Beiguelman foi há alguns anos, por telefone. Estava eu às voltas com um texto de genética de populações e perdia-me em alguns cálculos sobre a frequência de genes na segunda geração. Depois de quebrar bastante a cabeça, procurei e encontrei na lista o telefone do Prof. Bernardo. Quando liguei ele atendeu com sua costumeira bonomia. Lembrava-se de mim, como não? Depois, dizendo que o alegrava muito saber que alguém, num sábado a tarde, andava às voltas com um assunto daqueles passou a me explicar, do começo ao fim, o tema intrincado cuja solução me torturava. Foi uma grande aula aquela.
As últimas notícias que tive do Prof. Beiguelman vieram através de alguns de seus ex-alunos. Falaram-me eles da tristeza do professor pela perda de um filho, delegado de polícia, assassinado anos atrás. Diziam que o professor não se recuperara do infeliz acontecimento.
Na última terça-feira o Prof. Bernardo Beiguelman morreu. Tinha 78 anos e faleceu em consequência de problemas respiratórios. Deixa-nos trajetória de brilho e dedicação, rica em exemplos.