Não se pode dar um pause na vida
A frase acima é de um médico chileno respondendo a perguntas de um repórter sobre o comportamento dos mineiros, soterrados a 700 metros de profundidade, após retornarem à superfície. De uma coisa todos estão certos: as coisas não serão como antes marcados que foram os homens pela reclusão forçada a um ambiente de escuridão, por tempo prolongado. Entre outros cuidados será necessária uma readaptação até mesmo ao ambiente familiar. De todo modo a prolongada reclusão dos 33 homens tem despertado as mais diversas reações e comentários. É do presidente do Chile a observação de que, depois desse episódio, os chilenos não serão os mesmos dado que aprenderam uma lição dura que os uniu e preparou para novos desafios.
A poucas horas do início do resgate dos mineiros – estima-se que o processo deverá durar cerca de 48 horas até que o último mineiro seja resgatado – de nada adiantam especulações técnicas, restando-nos, apenas, torcer para que a operação seja bem sucedida. Enquanto isso não acontece, fica aí a frase do médico. Afinal, não se pode mesmo dar um pause na vida?
No ano passado um belga que se supunha em estado vegetativo pode se comunicar graças a um médico que descobriu não se tratar de estado de coma. O horror da situação fica por conta dos 23 anos em que o homem era capaz de perceber o que acontecia à sua volta sem, contudo, dar qualquer sinal de entendimento. Em 2007 um polonês acordou de um estado de coma que perdurou por 19 anos. Ele retornou a um mundo completamente diferente daquele que havia deixado, presenciando, por exemplo, grandes avanços tecnológicos inexistentes na época em que ficou doente.
Os filmes de ficção científica com alguma frequência utilizam o tema de passagem do tempo, expondo personagens a situações vividas em épocas diferentes. Viagens ao futuro no qual uma guerra nuclear destruiu o mundo que conhecemos têm servido de pano de fundo a muitas tramas, a maioria delas não muito felizes porque inverossímeis demais. Entretanto, deixam em nosso espírito a inquietação ligada à finitude da civilização atual com consequente desaparecimento de toda a cultura acumulada nesses últimos seis mil anos. Nessa linha de raciocínio chega-se aos valores que tanto lutamos por preservar, às identidades individuais e ao próprio significado da vida. Questões ligadas às crenças e a fé também decorrem dessa linha de raciocínio, levando-nos, talvez, ao velho beco sem saída representado pela origem e fim de tudo, vida após a morte e assim por diante.
Como se vê, o isolamento forçado de seres humanos em situação na qual estão no mundo, mas apartados da civilização, se presta a inúmeras divagações. Talvez por isso, o isolamento e o resgate dos mineiros chilenos provoque tanta comoção e não só no Chile. O que passa a existir é a sensação de que representantes da espécie humana foram alijados por fatores naturais do convívio de seus semelhantes daí ser missão universal restituí-los ao mundo em que vivemos. Entre nós e os mineiros estabeleceu-se um laço de solidariedade que ultrapassa todo o sentimentalismo decorrente de fato tão inusitado. Trata-se de algo mais profundo, ligado ao gregarismo da espécie, a um sentido de rebanho capaz de unir os seres humanos em torno de uma mesma causa.
Desta vez nem mesmo o sensacionalismo das coberturas ao vivo das redes de televisão nos roubará a genuína emoção de ver resgatados esses alguns de nós que subirão por aquele fantástico tubo até à superfície. A par de todos os significados – entre eles a exploração subliminar da ascensão das profundezas ao topo – estará a identidade humana, força que torna possível a sociedade em que vivemos e a preserva.