Depois da festa
Agora que a festa passou não custa dar uma repensada nos acontecimentos dos últimos dias, envolvendo o casamento entre o príncipe e a plebeia. Não é o caso de dizer que a cor do sangue da noiva mudou, no altar, de vermelho para azul. Nem são muito recomendáveis os comentários sobre a beleza dela que, alguns, classificam como apenas “bonitinha”. E o melhor é deixar pra lá a opinião dos maquiadores locais, verde-amarelos, que acharam errada a linha adotada nos lábios dela – como se isso emperrasse a cerimônia. Ou que a noiva, por mais que se esforce, nunca terá o carisma da sogra, tragicamente morta num acidente de carro.
Tudo isso e muito mais se disse e, tudo bem, é aceitável. O que não dá para engolir é a reação de parte da mídia – escrita e falada - que não perde o glorioso complexo de terceiro-mundismo. Sabe aquele olhar do pobre vendo a opulência do rico e condenando-a para dar remédio à própria sensação de culpa por não ser tão bem-nascido? Pois é, viu-se muito disso, aqui na aldeia, nesses últimos dias.
A começar pelo questionamento da monarquia, aquela “droga de regime que não tem significado no mundo de hoje e só serve para manter um bando de desocupados gastando dinheiro público”. Nada de entender a simbologia do regime que, se para os nativos não tem significado, para a gente do outro lado do mundo tem e muito. Não é por acaso que países como o Canadá e a Austrália, independentes, cultuam a rainha e chegam a ter a face dela em moedas ainda em circulação. Nesse fato – que não me perdoem os críticos de plantão – evidencia-se um trágico desvio de ótica dos analistas que optam por ver o mundo segundo a terra que está sob os seus pés. Pois, acreditem, há mundo por aí afora, gente que pensa diferente, tem hábitos diferentes e até é capaz de se reunir aos milhares só para assistir a um aceno dos recém-casados, aceno breve, mas que traz a marca de séculos de tradição, coisa muito importante para eles.
O que se está a dizer é que não é preciso concordar ou apreciar a cerimônia de um casamento envolvendo um príncipe da Casa de Windsor, nem ser adepto da monarquia, nem gostar de ingleses para dar àquele povo o crédito e o direito de ser como é, com seus jeitos e manias. Também não tem sentido revirar as páginas da História para acusar os ingleses por seu imperialismo que tantos malefícios acarretou no passado das gentes latino-amricanas. Gente de Deus, o que se está a ver é só o casamento de um príncipe, cercado do glamour que a situação exige. Então é deixá-los lá, no lugar deles, fazendo a festa do jeito deles, achando, sim, isso ou aquilo ruim, mas sem o ranço de nação complexada que tanto custa a ser deixado para trás.
E, pelo amor de Deus, que soem as trombetas para impedir esse papo de que o povo é avido por notícias sobre celebridades e assiste à cerimônia porque, no fundo, precisa de ilusão. Também não adianta ficar dizendo que aquela gente perfeita não é de verdade, só os tolos acham que sim, alimentando os seus sonhos e por aí afora.
Ô meu, quem não precisa de ilusão para enfrentar essa maratona de constrangimentos que é a rotina dos dias? Então, donos da verdade, deixem que o príncipe se case em paz, que milhões de pessoas tenham interesse sobre esse acontecimento. Critique-se, sim, o excesso de reportagens da televisão que não nos deu folga com essa história de casamento nos últimos dias. Mas, por favor, abandonem de vez a míope posição de críticos sempre prontos a apontar o dedo na direção daquilo que a eles parece despropositado.
Não curto a tradição e não acompanhei, pela televisão, o casamento de William e Kate. Mas li e ouvi o que se disse sobre o assunto. Estas notas nasceram dessas observações.