Adiantando o meu lado
Aconteceu, dias atrás, na cafeteria de um shopping-center. Pedi dois cappuccinos e fiquei no balcão, esperando uma mocinha prepará-los. O processo revelou-se demorado ao que me acudiu outra funcionária me dizendo o seguinte:
- O senhor pode ir ao caixa pagar, assim adianta o seu lado.
Diante disso, achei melhor adiantar o meu lado e fui pagar. Paguei, adiantei e retornei ao balcão quase no momento em que a moça do preparo dava por terminada o sua missão.
Deu certo. Tomamos os cappuccinos que estariam bons se não viessem adoçados, com excesso de açúcar. Tão melados estavam que não consegui terminar o meu. Depois saí de lá – sentáramos a uma mesinha – pensativo. O fato é que uma coisa tão simples como tomar um cappuccino me incomodara muito. Mas, o que exatamente me incomodara? Seria o danado do paladar açucarado que me apoquentava? A cadeira um pouco dura teria cutucado a minha coluna? O preço pago pelos cappuccinos?
Confesso que não identifiquei de pronto a razão do meu desconforto. Passaram-se bem uns dez minutos até que topei com a solução: chateara-me muito aquele “adianta o seu lado”, coisa que então me pareceu grosseira demais. Entretanto – e aí a insatisfação aumentou – a frase parecia não corresponder à pessoa que a emitiu. De fato, a moça que me recomendou ir ao caixa – para adiantar o meu lado – quisera me ajudar, dissera aquilo com a melhor das intenções. Ora se ia mesmo demorar, por que eu não poderia pagar adiantado e ganhar tempo? Olhe que cappuccinos esfriam…
É no que dá o avanço de certos modismos de linguagem que são incorporados ao dia-a-dia das pessoas, muitas delas - para não dizer grande parte delas – possuidoras de instrução pouco mais que básica. Pode até ser que se ache muita frescura alguém se incomodar com expressões do tipo “adiantar o seu lado“. Entretanto, naquele lugar que tenta se passar por sofisticado, no qual trabalham funcionárias bem ajambradas e o que se vende custa caro a expressão soou grosseira, despropositada. Funcionou como se alguém interferisse justamente no meu lado, naquilo que me pertence e depende de minhas decisões pessoais. O meu lado é a parte íntima do meu ser, da minha existência, do modo como vejo e interpreto tudo o que me cerca. Pode até ser que eu esteja, como se diz por aí, “viajando na maionese”. Mas, me incomodou que pelo simples prazer de tomar um cappuccino o meu lado fosse exposto assim, ao valor de ir ao caixa e pagar a conta.
Imagino que muita gente possa discordar disso tudo, eu mesmo fico pensando se não exagero. Mas, mesmo que esteja errado: cá entre nós esse é o tal do meu lado, é a ele que estou adiantando agora, rogando para que as pessoas tenham mais cuidado com o significado das palavras, que não as usem fora de contexto e grosseiramente. E para quem duvidar de que a expressão “adiantar o seu lado” é de uso corrente recomenda-se uma olhada no twitter para constatar como ela é empregada a todo transe pelos internautas.