Brincadeiras de crianças
Leio que, na China, um garotinho ficou preso entre duas paredes quando brincava de esconde-esconde. O menino ficou três horas retido num espaço de quinze centímetros e foi preciso a ação de bombeiros para retirá-lo do lugar.
Sou capaz de me lembrar de várias situações, digamos desconfortáveis, ocorridas nos meus tempos de criança. Numa delas enfiei dois dedos numa lata de massa de tomate e, com os outros dedos, fechei a tampa que fora aberta com um abridor. O resultado foi que os dedos ficaram presos pelas beiradas cortantes da tampa, sendo necessário que alguém cortasse a lata com uma ferramenta para que eles fossem retirados. Não perdi os dedos: trago nos dois indicadores as cicatrizes do acidente, daí certo horror que tenho a abrir latas e afins.
Eventualmente crianças passam por circunstâncias impressionantes cujo desfecho pode ser grave e até mesmo alterar o destino de pessoas. Meu pai contava sobre o dia em que ele, ainda menino, escondeu-se dentro de um baú. Na ocasião aconteceu que os familiares dele -meus avós e tios – saíssem de casa para assistir a uma missa. Depois disso, percebendo a casa vazia, meu pai decidiu sair, surpreendendo-se porque o fecho do baú se travara por fora.
Não é difícil imaginar o que se seguiu. Debatendo-se e com o ar cada vez mais rarefeito meu pai pode antever a própria morte que, evidentemente, não aconteceu. Salvou-o o acaso da chegada de um parente que há muito não visitava a família. Pois, justamente naquele momento de agonia esse homem entrou na casa e ouviu os gritos de meu pai dentro do baú, abrindo-o incontinente para resgatar o menino.
Meu pai contava essa passagem de sua vida sob o crivo daqueles que acreditam nas maquinações das fatalidades. Não dizia, mas extraía de sua singular história algo de grande que justificaria a existência dele. Caracterizando ou não o fato ocorrido como obra do destino, ou mesmo milagre, estendia a nós, seus filhos, o beneficio de seu salvamento. Afinal, caso ele tivesse morrido dentro do baú não teria crescido, casado com minha mãe, gerado filhos, ou seja, não teríamos nascido. Daí que o caso do baú desde logo tenha se tornado, para mim, uma experiência muito real com a possibilidade do não ser, não vir a existir, levando-me a deduzir que a vida não passa de um acidente, tantas vezes determinada por fatores até maiores que aquela terrível competição entre milhões de espermatozoides em busca de um único óvulo.
Talvez pela história contada por meu pai eu sempre ouça com estranheza as notícias que dão conta da perda da vida de jovens, muitas delas determinadas por assassinatos. Nesses tristes episódios é comum que ouçamos sobre vidas ceifadas muito cedo e bestamente, impedindo-se os que morreram de continuar suas trajetórias, constituir famílias etc. Casos assim nunca me parecem distantes, há neles algo familiar para mim, como se fizéssemos parte de um vasto contingente de pessoas em que alguns tiveram a sorte de vir à luz, outros nem chegaram a ser concebidos.