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O tempo passa

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Há alguns anos assisti a um filme estrelado por Paul Newman, se bem me lembro “Estrada da Perdição” ao lado de Tom Hanks. Nada a ver com a excelência do desempenho de Newman, mas causou-me funda impressão o fato de ele estar velho. O problema é que as imagens do Newman de “Gata em Teto de Zinco Quente” e mesmo a de “Butch Cassidy and Sundance Kid” - esse filmado anos mais tarde - não me saiam da cabeça. Para mim Paul Newman seria sempre o mesmo, incólume à velhice, fazendo-me crer que afinal homens e épocas podem ser parados no tempo, recurso esse muito útil para garantir alguma eternidade às nossas tão efêmeras vidas. Enfim, só as memórias podem emprestar alguma perenidade a homens e fatos de vez que tudo passa e nada se pode fazer contra isso. Machado de Assis relata, em crônica, sua ida a um enterro ocasião em que, ao sair do cemitério, avistou crianças correndo entre os túmulos. O contraste entre o fim e o começo da vida serviu ao grande escritor para a realização de um texto que nos coloca diante dos grandes temas da obra dele quais sejam a morte, o perecível e a despreocupação da infância.

Há pouco tempo o cantor Roberto Carlos fez 70 anos e agora é o parceiro dele, Erasmo Carlos, que chega à mesma idade. O fato é que não há como não se lembrar deles, na década de 1960, agitando com músicas como “Parei na contramão”, “O calhambeque” e muitas outras. Não será exagerado dizer que, em termos de memória, aqueles anos não seriam os mesmos sem as músicas da dupla, assim com teriam sabor diferente acaso não tivessem existido os Beatles.

Tudo isso pode parecer óbvio demais. Entretanto, justamente a passagem do tempo para personalidades que de uma ou outra forma se destacaram nos serve para balizar o nosso próprio envelhecimento. O fato é que nenhuma plástica ou botox logra enganar o tempo que corre, restando-nos apenas o imenso prazer de imergir no passado nos moldes que nos foram legados por Proust. No início do livro “O caminho de Swann”, o primeiro dos sete romances que compõem a grande obra “Em Busca do tempo Perdido”, o narrador de Proust apresenta-se no momento em que mergulha um bolinho numa xícara de chá, recuperando, desse modo, o sabor da iguaria a que se acostumara nas manhãs de domingo da sua infância. É através de referências que Proust constrói a narrativa, caracterizando o valor de cada coisa e a importância dela na formação de seu caráter e sua própria vida.

Paul Newman, Roberto e Erasmo Carlos e os Beatles são referências de épocas, permitindo-nos voltar ao passado, tantas vezes revivendo com intensidade situações vividas. O tempo passa, mas não destrói as memórias que só se apagam definitivamente com a morte, embora sempre existam crianças correndo entre túmulos para que novas lembranças se construam e deem sentido à vida.

Escrito por Ayrton Marcondes

5 junho, 2011 às 1:38 pm

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